Lula, Lava Jato e totalitarismo do judiciário

Lula é denunciado por procuradores da Lava Jato, operação marcada por abusos e por atender objetivos políticos da classe dominante.

Na última quarta-feira (14/09), o Ministério Público Federal denunciou Lula, sua esposa, Marisa, e mais 6 pessoas por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. O juiz Sérgio Moro deve, até a próxima segunda-feira, acatar a acusação.

O procurador que coordena a força tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, fez uma apresentação da denúncia caracterizando Lula como o “comandante máximo”, “chefe”, “general” e “maestro” do esquema que constituiu o que apelidou de “propinocracia”, um governo regido por propinas, utilizando uma série de slides de Power Point para explicar a tese.

O caráter de espetáculo utilizado na apresentação foi criticado por comentaristas burgueses que conservam alguma sensatez. O direitista Reinaldo Azevedo, em coluna para a Folha de São Paulo, explicou: “O que estou sustentando é que a denúncia é inepta e que a força-tarefa, com o seu gosto pela ribalta, prestou um favor imenso à defesa do ex-presidente”.

Já o editor do jornal O Globo, Alan Gripp, concluiu: “O Ministério Público é o órgão acusador. Cabe à Justiça analisar se houve ou não crime. Mas quando exageram nas tintas, os procuradores alimentam o discurso de perseguição política e diluem os aspectos técnicos da investigação no ambiente nebuloso das disputas virtuais”.

A falta de provas objetivas do comando de Lula sobre o esquema e as falas dos procuradores, que disseram não ter “prova cabal” de que o famoso tríplex do Guarujá pertencia a Lula, mas que tinham convicção de que ele era o chefe da quadrilha, renderam piadas na internet com variações de uma frase que resumia as debilidades da denúncia “não temos prova, mas temos convicção”.

Totalitarismo do judiciário    

Não se trata aqui de defender a inocência de Lula. O caso é que na sanha para condená-lo, atendendo a objetivos políticos da classe dominante, tem se pisoteado nos preceitos legais da própria justiça burguesa (presunção de inocência, necessidade de provas, etc).

Esses abusos já haviam sido vistos na condução coercitiva, em 3 de março, e na divulgação ilegal, por Moro, de áudios de grampos telefônicos com conversas entre Lula e advogados, ministros e Dilma.

E é bom lembrar dos abusos no julgamento da AP 470, o chamado mensalão, pelo STF, com condenações sem provas, mas é bom lembrar também que Dilma e Lula se recusaram a defender os dirigentes petistas condenados nesse caso.

A Lava Jato chega ao judiciário, criando divisões na sua cúpula. Após o vazamento da prévia da delação de Léo Pinheiro, presidente da OAS, envolvendo favores ao ministro do STF, Dias Toffoli, o também ministro da suprema corte, Gilmar Mendes, conhecido por sua proximidade com o PSDB, declarou: “Já estamos nos avizinhando do terreno perigoso de delírios totalitários. Me parece que [os procuradores da Lava Jato] estão possuídos de um tipo de teoria absolutista de combate ao crime a qualquer preço”.

O próprio Dias Toffoli, em palestra na última semana, após a denúncia contra Lula, disse que a justiça brasileira poderá cometer “o mesmo erro dos militares em 1964, querendo se achar donos do poder”, e que os exageros podem levar “a um totalitarismo do judiciário e do sistema judicial”.

Toffoli, diante da possibilidade de ser atingido diretamente, e Mendes, vendo seus comparsas investigados (Serra e Aécio foram citados em delações), são obrigados a apontar os abusos totalitários do poder ao qual pertencem.

Criminalização dos movimentos sociais

Esse totalitarismo traduz-se em aplicação direta nas lutas populares. A ideia de que “não temos prova, mas temos convicção”, cabe perfeitamente para inúmeros casos de militantes e manifestantes presos e condenados.

É o que ocorreu com um grupo de jovens que se reunia antes do ato de 100 mil pelo “Fora Temer”, em São Paulo, no dia 4 de setembro. Eles foram detidos pela polícia e levados para delegacia para averiguação, indiciados por associação criminosa, formação de quadrilha ou bando e corrupção de menores.

O juiz que determinou a soltura dos jovens, muito bem registrou: “Destaco que a prisão dos indiciados decorreu de um fortuito encontro com policiais militares que realizavam patrulhamento ostensivo preventivo, e não de uma séria e prévia apuração, de modo que qualificar os averiguados como criminosos à míngua de qualquer elemento investigativo, seria, minimamente, temerário”.

Neste episódio, há mais um elemento relevante. Entre os jovens abordados pela polícia no Centro Cultural São Paulo, havia um indivíduo de mais idade. Posteriormente foi descoberto que ele usava nome falso e, na verdade, era um capitão do exército chamado William Pina Botelho.

É crescente, mas não nova, a lógica de que o que vale é a convicção dos agentes do estado, não fatos e provas. Esta é a prática das PMs nas periferias e dos muitos presos sem direito a sequer um julgamento.

É também o que vimos no caso de Rafael Braga, morador de rua preso durante as manifestações de junho de 2013, condenado por portar uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária. Não valeram as provas dos laboratórios, o que se sobrepôs foi a convicção dos policiais e da justiça de que ele estaria portando explosivos.

A criminalização do conjunto das organizações de esquerda, dos sindicatos, de manifestantes, é o resultado da Lava Jato para o conjunto do movimento popular. Não há nada o que comemorar com esta operação.

Lava Jato e a “limpeza geral”

A Operação Lava Jato e seus “justiceiros” encabeçados por Sérgio Moro, atendem a objetivos políticos precisos. Prendem dirigentes do PT, criminalizam o partido e denunciam Lula, não para combater a corrupção, nem para atingir somente o PT e Lula, nem mesmo para simplesmente tirar Lula das eleições de 2018, o que eles querem com isso é dar o exemplo, destruir os símbolos, o que o PT e Lula foram um dia, desmoralizar o conjunto da esquerda, dos movimentos, dos sindicatos, e colocar um atestado de que os trabalhadores, quando se metem em política, tudo acaba em bagunça.

Mas a Lava Jato, apesar de manter uma preferência pelo PT, avança para outros partidos, incluindo o alto escalão do PMDB e do PSDB. Fica cada vez mais evidente a ação para promover uma impressão de limpeza geral das instituições desmoralizadas, com a condenação de alguns políticos e empresários corruptos, iludindo e contendo a ira popular contra o conjunto das podres instituições do capital. A Lava Jato visa a manutenção do capitalismo, mesmo que isso signifique sacrificar alguns dos representantes políticos da burguesia. Eduardo Cunha, aliás, foi um desses.

Os crimes de Lula

O curioso na denúncia contra Lula na Lava Jato é que a maior parte da argumentação, escrita e oral, é a de que ele seria o “chefe da quadrilha”, incluindo o famoso slide em que todas as flechas apontam para o seu nome, mas esse crime não aparece na denúncia formal.

Os crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro estariam configurados com o recebimento de “favores” da construtora OAS, dentre eles a reforma no tríplex do Guarujá e o pagamento de aluguel para armazenamento de bens.

Não apoiamos a política e os métodos adotados por Lula, Dilma e a direção do PT. Foi a política de colaboração de classes, de submissão aos interesses capitalistas, a adaptação ao jogo das podres instituições burguesas, que causou toda essa situação e a falência política do PT.

Lula já mostrou, desde março, que, mesmo sob ataque, não deixa de se mostrar servil aos amos capitalistas, defendendo as instituições e jogando baldes de água fria no movimento de massas. Na última quinta-feira, em seu pronunciamento, resgatou uma esquecida camiseta vermelha com a estrela do PT e usou um tom emocional. Mirando nos procuradores, atacou os servidores públicos e defendeu os políticos corruptos,  disse ele: “as pessoas achincalham muito a política, mas a profissão mais honesta é do político. Todo ano por mais ladrão que seja, tem que ir para a rua pedir voto. O concursado não tem que fazer isso. Ele se forma numa universidade, faz um concurso e está com o emprego garantido”. Este é um “deslize” que mostra sua visão condescendente com a corrupção e o desprezo pelos servidores públicos.

Para os marxistas, o uso das posições políticas conquistadas pela luta coletiva de jovens e trabalhadores para obter benefícios pessoais, sejam eles legais ou ilegais, é uma prática condenável desde um ponto de vista de classe.

No entanto, quem tem o direito de julgar Lula, a direção do PT e os dirigentes pelegos do movimento, não é essa justiça burguesa com seus objetivos políticos contra a luta popular. A classe trabalhadora é que os julgará e os conduzirá para a lata do lixo da história.

É preciso se posicionar contra a Lava Jato, suas ações, abusos e ataques às liberdades democráticas, por compreender os objetivos de classe envolvidos. No entanto, isso não significa defender Lula e sua política, nem ser solidário com ele.

É a crise…

Tudo isso ocorre em meio e por conta da instável situação política, do aprofundamento da crise econômica, da necessidade da burguesia nacional e internacional em encontrar uma saída para a situação, atacando a classe trabalhadora e contendo sua mobilização.

A classe dominante decidiu prender Lula, tirar Dilma, e acabar com o PT, pois o partido e seus dirigentes não servem mais aos seus interesses, não conseguem mais conter o movimento de massas. É o que vimos nas Jornadas de Junho de 2013, nas greves de massa com a base passando por cima das direções, e também com a falta de ânimo e disposição da classe operária em defender Dilma e Lula, por conta das seguidas traições.

O que há é uma imprevisibilidade, fruto da ausência de controle do sistema sobre a situação. A classe trabalhadora e a juventude, em meio aos ataques, à confusão e à fragmentação, ainda mantém suas forças e sua disposição de luta. Saberá encontrar o caminho para reconstruir sua organização, ultrapassar as velhas direções e dar passos para derrubar o conjunto desse Estado. Os revolucionários marxistas estarão nesses combates, ombro a ombro, ajudando nossa classe a construir a unidade, a encontrar e trilhar esse caminho.