USP Livre do quê?

Crítica à organização que ganhou notoriedade a partir da defesa de suas posições antigreve na Universidade de São Paulo.

A USP Livre, grupo que ganhou certa audiência a partir de suas posições antigreve, entra em embate com o conjunto do movimento estudantil. O objetivo deste breve artigo é discutir as críticas que fazem, suas propostas e o significado desse agrupamento.

Em debate na TV Folha (18/06) acerca da greve na USP, um representante da UNESP Livre, Felipe Lintz, apresentava seu grupo defendendo que a greve feria o direito constitucional de ir e vir, posto que os chamados “trancaços” e piquetes impedissem estudantes de acessarem a universidade e suas salas de aula. Ainda nos marcos da Constituição, criticava uma suposta coerção dos grevistas para que todos se incorporassem à greve a partir dessas ações, o que seria também inconstitucional, ou seja, um crime.

Em geral, a discussão acerca do movimento grevista perpassará a Constituição. A greve, assim como a educação superior pública, também são direitos constitucionais. Contudo, este fato não impediu que a reitoria cortasse o ponto dos trabalhadores a fim de inviabilizar a greve, bem como aplicarem uma série de cortes que colocam em xeque o caráter público da universidade.

A greve é um método que o movimento estudantil utiliza para alcançar suas reivindicações. Não é método para ser utilizado em qualquer momento. Mas, quando é tomada a decisão de se entrar em greve, ela é tomada pelo conjunto dos estudantes reunidos em assembleia. Em greve, as ocupações são formas políticas adotadas pelos estudantes para pressionar a reitoria a atender as reivindicações e os piquetes garantem que as aulas sejam interrompidas, cumprindo assim a decisão da maioria votada em assembleia, e que os estudantes grevistas não sejam perseguidos.

Não é interesse de nenhum estudante grevista interromper permanentemente as aulas. Ao contrário do que a USP Livre enxerga, a greve como “parasitismo” ou “baderna”, os estudantes grevistas querem ter aulas. Mas querem tê-las em uma universidade que ofereça condições adequadas para a produção acadêmica. Como é possível ter aulas se os professores estão se aposentando e as contratações estão interrompidas? Nos quadros da pesquisa e extensão universitária, a situação é ainda mais complicada. Como é possível pesquisar se as bolsas exigem que o estudante não tenha nenhum vínculo empregatício e não foram reajustadas de acordo com a inflação? As aulas não bastam. É necessário que as condições de ensino, pesquisa e extensão não sejam precarizadas e que o caráter público da universidade seja preservado se quisermos que a função da universidade seja a de “… propiciar um espaço onde estudantes possam tanto tornar sua visão de mundo mais abrangente quanto aprofundar seu conhecimento sobre as questões que inquietam o ser humano”, como a própria USP Livre define em sua página no Facebook.

O movimento estudantil se utiliza dos trancaços como tática para alcançar suas reivindicações. O USP Livre não propõe quaisquer métodos para alcançar conquistas contra o desmonte da universidade, uma vez que focam suas críticas nos métodos utilizados a fim de obscurecer sua posição quanto a questão principal: a greve em si mesma, sua necessidade e objetivos.

Nesse contexto de grave crise econômica em que diversos direitos e conquistas são retirados a fim de cortar “gastos”, a mobilização e a greve são muito necessárias. As universidades públicas paulistas, desde 2014, sofrem com grandes cortes de investimento que precarizam as condições de trabalho e estudo. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, sob justificativa de “crise orçamentária”, uma série de medidas foram adotadas para cortar gastos. Os planos de demissão “voluntária” aplicados provocaram a dispensa de mais de 1300 funcionários, o que significou fechamento de vagas nas creches e aumento da exploração do trabalho nos restaurantes e hospitais universitários. Além disso, não bastassem as amplas demissões, as contratações foram congeladas até 2018 e as bolsas de auxílio para a permanência estudantil e pesquisa foram reduzidas.

Se não fossem os estudantes e os trabalhadores que a USP Livre chama de “crápulas concursados”, as universidades públicas já estariam em estado de definhamento. O governo Alckmin teria transformado em 2015, por exemplo, o que era repasse mínimo de ICMS para as universidades paulistas em máximo, o que possibilitaria um baixo ou até mesmo nulo investimento. Foram os trabalhadores e estudantes organizados em protesto que conseguiram barrar esse ataque à educação pública em São Paulo.

O grupo USP Livre procura se apresentar como uma alternativa ao “movimento estudantil tradicional” se autointulando “movimento”. Isso quer dizer, pretendem ser alternativa ao movimento estudantil organizado, que realiza assembleias e busca discutir com a ampla maioria dos estudantes da USP. Afinal, é disso que se trata quando questionam as votações nesse fórum. Embora as amplas votações que defendem pudessem ter um alcance maior, estariam subordinadas a decisões de estudantes que não discutiram as questões coletivamente ou que não puderam expô-las para o conjunto dos colegas. Na assembleia é que é possível discutir as propostas e votá-las conscientemente. A assembleia é uma conquista dos trabalhadores e da juventude e o lugar onde podem exercer sua democracia e se organizar para as lutas.

Não negamos que para muitos estudantes as assembleias da USP possam parecer espaços hostis. Cabe ao conjunto do movimento estudantil reavaliar suas posturas e reconstruir esse espaço a partir dos novos estudantes que ingressam, superando assim um longo período de desmobilização e desgaste. Se a USP Livre tivesse interesse em modificar essa situação, atuaria no seio do movimento estudantil organizado em assembleia e apresentaria suas propostas. Contudo, embora apareça como crítica aos métodos, o centro de sua política é outra, como assinalamos acima.

A USP Livre se restringe a uma crítica paralisante das formas, enquanto escondem sua verdadeira face, que é a de calar frente aos cortes aplicados ou justificá-los. Sabendo de um desgaste do ME, procuram canalizar as insatisfações genuínas de estudantes para suas posições reacionárias como é o caso da defesa do projeto Escola Sem Partido, que pretende cercear a livre discussão dos estudantes e professores em sala de aula, o que acarretará também na precarização do ensino (sobre isso ler: http://liberdadeeluta.org/node/13).

Não querem que a universidade fique livre de “autoritarismos”. Se assim fosse, se poriam no combate a uma série de práticas da reitoria e questionariam seriamente a estrutura de poder na universidade. O que querem mesmo é uma USP livre das entidades estudantis (do DCE e dos CA’s) e da entidade sindical, o SINTUSP. Querem uma USP Livre de estudantes que se organizam contra os cortes na educação, contra as demissões, contra o sucateamento da universidade, fazendo coro a propostas de uma paulatina privatização como é a defesa do editorial d’O Globo (para saber mais: http://liberdadeeluta.org/node/66).

Apesar disso, suas posições vão na contramão daquilo que está borbulhando entre estudantes em todas as universidades públicas, nas ETEC’s e nas escolas estaduais: uma ampla insatisfação com os cortes aplicados a nível estadual e federal e um espírito de resistência bastante grande. O que vimos na greve da USP é exemplar nesse sentido. O fato de cursos que não paralisavam há muito tempo entrarem na greve expressa que alguns estudantes da USP, assim como muitos espalhados pelo país e pelo mundo, compreenderam que é necessário se organizar e se colocar em movimento para cavar perspectivas.

Esse é o combate da Liberdade e Luta.

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