Foto: Thomas van Linge

A contrarrevolução levanta a cabeça no Sudão: transformar a greve geral numa insurreição!

Na madrugada desta segunda-feira (3/6), as forças armadas sudanesas invadiram e desalojaram violentamente a ocupação revolucionária que havia acampado diante do Ministério da Defesa sudanês desde 6 de abril. Este foi apenas o início de uma campanha de terror organizada pelo contrarrevolucionário Conselho Militar de Transição (TMC, em suas siglas em inglês).

Pelo menos 13 pessoas foram reportadas como mortas e centenas de outras mais feridas depois do ataque a sangue frio no acampamento revolucionário em Cartum naquela manhã. De acordo com os informes, na noite anterior, as fileiras do Exército na área em torno do local foram parcialmente retiradas e substituídas pela milícia reacionária Rapid Support Forces, baseada em linhas tribais, e pela polícia antimotim. Em seguida, antes de realizar o ataque logo cedo pela manhã, as saídas do acampamento foram fechadas e rajadas de munição real foram lançadas sobre os manifestantes pacíficos que se encontravam desafiadoramente firmes, gritando “Paz! Paz!”. Depois disso, as forças armadas começaram a desalojar o acampamento, incendiando as tendas, espancando manifestantes desarmados e atirando indiscriminadamente com munição real. Enquanto isso, franco-atiradores postados na área alvejavam a todos que tentassem filmar os acontecimentos.

Os milicianos também se agruparam em outras áreas da cidade, perseguindo manifestantes e atacando as barricadas que haviam sido levantadas. Segundo os informes, tanto o Hospital Al Mualim quanto o Royal Care foram cercados e os manifestantes feridos eram atacados dentro das instalações ou enquanto ali chegavam. Uma operação especial parece ter sido dirigida ao bairro Colombia, que é conhecido como uma área relativamente sem lei onde o álcool e as drogas são vendidos e consumidos livremente. Essas práticas aumentaram depois da queda de Omar Bashir, um fato que foi usado para aumentar a histeria entre as milícias islâmicas e outras forças reacionárias, alegando-se que a revolução é meramente um ataque ao Islã e, portanto, deve ser derrubada.

Mas a vitória da contrarrevolução está longe de ser garantida. Falando a Al Jazeera, um manifestante disse:

“[Os atacantes armados] estavam atirando em todos indiscriminadamente e as pessoas corriam para salvar suas vidas. Eles bloquearam todas as estradas e a maioria das tendas levantadas durante a ocupação foi incendiada (…) Agora, as pessoas estão muito zangadas. Não sabem o que pode acontecer a seguir. Os manifestantes se dispersaram por todos os lados da cidade. Estão agora protestando nas ruas. A maioria das pessoas bloquearam as estradas em seus bairros”.

Parece que, longe de ter o efeito pretendido de desmoralizar o movimento, o ataque está endurecendo a revolução e forçando-a a tomar outras medidas. A ira aflorou em todas as fábricas, bairros e aldeias. As Forças pela Liberdade e Mudança (FFC, em suas siglas em inglês), que são lideradas pela Associação Profissional Sudanesa (SPA), divulgaram um comunicado declarando:

“(…) uma greve geral política [aberta] e desobediência civil a partir de hoje, 3 de junho de 2019, até a derrubada do regime” [com um apelo] “do povo às forças armadas e à polícia para cumprir com seu dever de proteger o povo sudanês das milícias, das brigadas clandestinas e Janjaweeds do TMC, e a se aliarem à vontade do povo de derrubar o regime e estabelecer um regime de transição totalmente civil”.

O SPA também pediu que todos os bairros, ruas e pontes do país sejam ocupados pelos revolucionários.

Não está claro o quanto a greve geral foi bem-sucedida, mas já surgiram informes dos aeroportos de que todos os voos estão sendo cancelados à medida em que os pilotos e atendentes entram em greve.

A contrarrevolução preparando-se para um confronto

É evidente que a atual ofensiva da contrarrevolução foi preparada há muito tempo. Em 13 de maio, as forças do RSF abriram fogo contra o acampamento de Cartum, matando seis pessoas e ferindo mais de 200, enquanto os soldados do exército ficavam de lado. Desde então, o TMC abandonou as negociações sobre a futura composição do regime com as FFC e começou uma campanha de ataques diários à revolução, descrevendo-a como cada vez mais violenta, apesar do fato de que os protestos se mantiveram pacíficos. Todas as escaladas de assassinatos e violências vieram unilateralmente das forças respaldadas pelo Estado.

Ao longo deste período, Mohamed Hamdan Dagalo “Hemeti”, o líder das forças do RSF e oficial encarregado do TMC, esteve acumulando apoio para suas próprias forças. No decurso do mês do Ramadã, esteve aprovisionando demagogicamente sua base de milicianos, de chefes tribais e contatos internacionais durante seus eventos “Iftar” [distribuição de alimentos] altamente divulgados. Com suas declarações sobre os acontecimentos no Sudão, tentou fazer-se passar como oponente de Bashir e, ao mesmo tempo, como defensor da estabilidade e dos valores tradicionais. Ao consolidar a moral de sua contrarrevolução, Hemeti e outros líderes estiveram agitando a histeria entre os seus partidários e milicianos que, frequentemente, são recrutados entre membros de tribos sem escolarização de 15 a 16 anos de idade em áreas extremamente atrasadas, afirmando que a revolução é anti-islâmica.

Junto ao seu aliado e chefe do TMC, Abdel Fattah al-Burhan, Hemeti também visitou uma série de capitais regionais na semana passada. Enquanto Hemeti se reunia com o príncipe herdeiro da coroa da Arábia Saudita, Muhammad bin Salman, Burhan visitou o Egito e os Emirados Árabes, todos eles chefes de Estado condenados por esmagar a revolução com medo de que se estendesse aos seus próprios países. É provável que nessas viagens os chefes do TMC tenham dado luz verde final para avançar contra a revolução.

Desde a poderosa greve geral da semana passada, o TMC incrementou sua retórica ameaçadora contra a revolução, declarando em 30 de maio que “O protesto do acampamento se tornou inseguro e representa um risco para a revolução e os revolucionários e ameaça a coerência do Estado e sua segurança nacional”. Está claro que a greve foi um sinal de advertência para a classe dominante. Não podem permitir que o movimento ganhe mais confiança. Durante a greve geral, grandes partes da sociedade, incluídos todos os ministérios, aderiram de fato somente à autoridade das organizações revolucionárias, com as FFC e a SPA à cabeça. Ao mesmo tempo, a junta militar vê os vacilos destas organizações como um sinal de debilidade e como uma oportunidade de atacar e consolidar o seu poder.

Desde então ficou claro que o TMC estava preparando um contra-ataque. De fato, os manifestantes no acampamento de Cartum estavam muito conscientes disto e haviam tomado algumas precauções para se defenderem, como a construção de barricadas mais fortes. Mas ao estarem completamente desarmados significava que não tinham nenhuma possibilidade contra os milicianos do RSF, que estavam armados até os dentes.

Enquanto isso, os soldados rasos, que frequentemente haviam defendido os manifestantes contra as forças do RSF, viram diminuir o seu número nas ruas e os mais revolucionários provavelmente estavam confinados em seus quartéis. Sem um vínculo de organização entre a revolução e os soldados comuns, não havia muito que se pudesse fazer para proteger o movimento.

A revolução deve avançar

A brutalidade da contrarrevolução mostra que os interesses da classe dominante e o dos trabalhadores, camponeses e pobres do Sudão não podem ser reconciliados. O TMC e todos os órgãos superiores do aparato estatal pertencem à mesma classe dominante de Omar Bashir. É a mesma classe que esteve drenando a riqueza do Sudão e aterrorizando sua população durante décadas, enquanto o país era deixado cair na decadência. Só podem manter seus privilégios e posições enquanto as massas estiverem atomizadas e subjugadas.

Foi o poder da revolução que obrigou, inicialmente, o TMC a intervir e eliminar Bashir para distrair a revolução e evitar que saísse do controle. Sentindo-se demasiado débil para enfrentar a revolução abertamente, a classe dominante decidiu sacrificar seu melhor homem [Bashir], para ganhar tempo e se reagrupar para contra-atacar. Nunca houve a disposição de se estabelecer um governo conjunto pacífico entre as massas revolucionárias e a junta. De uma forma ou de outra, a classe dominante queria estabelecer a estabilidade novamente, isto é, a estabilidade sobre uma base capitalista, onde a maioria trabalha e sofre em benefício da minoria.

A natureza abomina o vazio. A classe dominante está muito consciente de seus próprios interesses e o que estamos vendo é que está se movendo para defender esses interesses. A classe dominante e as massas trabalhadoras não podem compartilhar o poder e, mais cedo ou mais tarde, uma classe terá que derrotar a outra. Com os líderes do movimento sem colocar a questão do poder, a classe dominante agora está se movendo para tomá-lo.

Hemeti e suas tropas contrarrevolucionárias apareceram como os candidatos mais adequados da classe dominante para este propósito. Com o apoio das classes dominantes reacionárias sauditas, egípcias e dos emirados, assim como dos chefes tribais locais reacionários, e flanqueados pelos jovens lúmpen e tribais, comprados por umas poucas centenas de dólares ao mês, e que tiveram os cérebros lavados e modelados para formarem tropas de choque, ele está se preparando para “restaurar a ordem” e esmagar a revolução.

Se tiver êxito, será brutal. A revolução não se pode dar ao luxo de duvidar nesta situação. As FFC convocaram uma greve geral total. Isso está absolutamente correto. Todas as alavancas econômicas e práticas da classe dominante devem ser paralisadas pelo poder dos trabalhadores e pobres sudaneses. As massas devem se mobilizar em todas as partes para lutar contra a Junta. Os comitês de greve devem se vincular em nível local e nacional para coordenar a luta e isolar qualquer atividade contrarrevolucionária tão logo quanto seja possível.

Ao mesmo tempo, como primeiro passo, cada comitê de bairro e de greve deve organizar suas próprias milícias de defesa sob o controle dos comitês, que também devem estar vinculados em nível local e nacional para defender o movimento contra qualquer ataque.

Simultaneamente, deve-se organizar uma campanha sistemática em todas as áreas para se aproximar dos soldados e conquistá-los para a revolução. Sem romper o exército em linhas de classe não se pode falar de derrotar a contrarrevolução. Enquanto os generais são totalmente contrarrevolucionários, os soldados de base são os irmãos e filhos das mesmas pessoas que estiveram lutando nas ruas. De fato, repetidamente durante os últimos meses, se aliaram à revolução contra os ataques das milícias reacionárias. Comitês de soldados revolucionários devem ser eleitos em cada quartel para vinculá-los aos comitês de trabalhadores, de camponeses e de bairros.

Como podemos ver, as forças da reação não duvidarão em desatar um rio de sangue para defender suas posições. Mas não têm nenhuma possibilidade contra toda a força da revolução. O que se necessita é de uma resposta contundente e organizada. O movimento deve mobilizar e organizar todas as suas forças para se encarregar de todas as áreas estratégicas, como as comunicações, os meios de comunicação, os bancos e os altos comandos da economia. Ao mesmo tempo, os chefes do TMC e qualquer outra pessoa que tenha sido cúmplice dos crimes do regime anterior, bem como dos crimes contra a revolução, devem ser presos.

Uma greve geral revolucionária colocará claramente a questão do poder. Mas não a resolverá! Se a revolução não derrotar a contrarrevolução, esta voltará inclusive mais violenta. Apenas golpear e esperar que os generais se retirem ou “melhorem” o seu comportamento é utópico e só levará à desmoralização, o que, por sua vez, abrirá o caminho para uma contraofensiva da contrarrevolução. A única conclusão lógica de uma greve geral revolucionária é uma insurreição revolucionária. Não se pode falar mais de conversações e negociações. Seja o que quiserem ou não, os líderes do movimento devem fazer um apelo para uma ofensiva total agora, e no final tomar o poder e varrer o antigo regime apodrecido de uma vez por todas.

Abaixo a junta!

Abaixo Hemeti e o RSF!

Viva a greve geral!

Por uma insurreição revolucionária para derrubar o TMC e o restante do regime capitalista sudanês apodrecido!

Tradução de Fabiano Leite.