A dívida pública, as eleições municipais e a classe trabalhadora

Nessa época de eleições municipais, o mais importante é discutir a política dos marxistas com a maior quantidade possível de trabalhadores e jovens para conseguir o maior número possível de novos militantes e o maior número possível de votos e, dessa forma, ganhando ou perdendo as eleições (de preferência, ganhando, é claro!) fortaleceremos nossa militância para as próximas batalhas da luta de classes.

E são inúmeras as reivindicações sociais que podemos levantar para propiciar a reflexão a respeito da cidade onde moramos, do país onde vivemos e, fundamentalmente, do capitalismo, que é o sistema social de produção baseado na exploração da força de trabalho assalariada para fins privados, vigente desde meados do século XVIII até os dias atuais. E, vice-versa, falamos em socialismo e lutamos pela revolução como única maneira dos trabalhadores e dos jovens começarem a resolver os graves problemas sociais que afligem a humanidade, o país, o município.

Um dos grandes problemas de nossa época é a dominação que o capital financeiro impõem sobre a economia mundial e os orçamentos públicos que se reflete, por exemplo, no nível de endividamento dos países frente aos grandes credores internacionais (bancos e outras instituições especulativas).

Para avaliar como isso afeta o Brasil, transcrevo um trecho da Resolução Política do 29º Congresso da Esquerda Marxista e, em seguida, através de informações obtidas no site do Tribunal de Contas do Estado/SP, é possível perceber o estrago que a dívida pública provoca nos orçamentos municipais, em particular no da cidade de Campinas.

“Toda a história brasileira das últimas décadas é a montagem de uma bomba relógio econômica.

Em maio de 2011 a Dívida Externa brasileira total (soma da dívida pública e da dívida “privada”) era de US$ 389.438.623.098,14 (389 bilhões, 438 milhões, 623 Mil, 98 dólares e 14 centavos). A dívida “privada” deve ser considerada, pois muitos bancos e empresas nacionais tomam dinheiro emprestado no exterior, não para fazer investimentos produtivos aqui, mas para a compra de títulos da dívida pública interna, que rendem juros mais altos, além disso, os dólares necessários para pagar essas dívidas são, em última análise, fornecidos pelo Banco Central brasileiro aos credores estrangeiros.

De fato, a Dívida Externa está muito longe de estar “paga” como alardeou o governo quando pagou 15 bilhões que devia ao FMI. E a evolução desta dívida mostra que seu crescimento mortal continua, alimentando banqueiros, multinacionais e especuladores. Veja abaixo ao quadro que inicia em plena Ditadura Militar (1971), passa por Sarney (1985-1990), Collor (1990-1992), Itamar (1992-1995), FHC (1995-2003) e Lula (2003-2010), em cujo governo, aliás, a Dívida dá um salto. Todos os dados abaixo sobre Dívida Interna e Externa são do Banco Central do Brasil.

Mas, o mais impressionante (se se leva em conta todo o besteirol da propaganda oficial) é o que se passou, e se passa, com a Dívida Interna. Esta que praticamente não existia em 1994, quando assume FHC é transmitida ao governo Lula em 2003 na casa de 1 Trilhão de Reais. A “criação” desta Dívida Interna decorre diretamente da iniciativa dos EUA de iniciar uma guerra comercial internacional sem quartel com uma política de desvalorização do dólar. Assim, a Dívida Externa brasileira passava a ser desvalorizada também. Ou seja, com a mesma quantia de Reais se pagava muito mais da Dívida que é em dólar. Assim, para que o mercado financeiro não perdesse em todos os países se inicia um movimento de “internalização” da Dívida Externa.

O resultado é que assim eles não perdiam em poder de compra e mais, passavam a se beneficiar dos juros absurdos que os governos deviam pagar para atrair cada vez mais capitais internacionais para suas aventuras internas, como a expansão artificial do crédito e a continuidade do pagamento das Dívidas. Assim, transformaram grande parte da Dívida Externa em Dívida Interna suculenta.

O governo Lula continua essa política e a aprofunda, multiplicando a Dívida Interna até chegar à espantosa soma de R$ 2.382.416.094.578,25 (2 trilhões, 382 bilhões, 416 milhões, 94 mil, 578 reais e 25 centavos), em valores de maio de 2011. Abaixo o quadro desta evolução:

A composição do quadro de credores desta Dívida impagável e infame que sangra à exaustão o povo brasileiro esclarece muito quem são os vampiros desta dívida. Segundo informações do Banco Central os que se beneficiam são:

É por esta razão que o Orçamento Federal é organizado pelo Executivo e pelo Congresso Nacional da forma como se pode ver abaixo no quadro do Orçamento Geral da União/2010:

Portanto, se pode concluir facilmente que existe dinheiro para resolver todos os problemas nacionais de Saúde e Educação, de Moradia e de Trabalho. Entretanto isso não é feito por causa da dominação imperialista sobre os recursos do país incluído aí seu Orçamento Federal. A submissão do governo e do Congresso Nacional aos interesses imperialistas e da burguesia nativa brasileira (sócia menor do capital internacional) são a causa da desgraça do sofrido povo trabalhador e da angústia da juventude”.

O Exemplo de Campinas

No âmbito municipal, a situação não é diferente. Vejamos a tabela abaixo:

Montante da Dívida Fundada[1] – Percentual médio em relação à Receita Corrente Líquida[2]

Fica fácil perceber que 41% da receita líquida do município de Campinas do ano de 2010 foi usada para pagar juros e amortizações de uma dívida que não foi o povo quem fez, mas que vem pagando há anos e cada vez mais! Mas, em valores, o que isso significa?

No ano de 2010, o TCE/SP calcula que o orçamento da Prefeitura Municipal de Campinas foi da ordem de R$ 2.244.267.471,24 (R$2,2 bilhões), portanto, o governo pagou em um só ano o total de R$ 920.149.663,21 (R$ 920 milhões) para rolar a dívida pública.

Lembrando que no ano passado, Campinas ficou marcada no cenário nacional devido aos casos de corrupção que provocaram uma crise política na cidade que só não foi maior porque os vereadores se ajudaram entre si para se salvarem e votaram pela cassação do prefeito e do vice para amainar a insatisfação popular. Estima-se que R$ 690 milhões foram desviados dos cofres públicos no “Escândalo da Sanasa”.

O que a mídia, os governos, os partidos políticos que defendem os interesses do capital e seus candidatos não falam é que, todo ano, um valor bem maior do que o desviado pela corrupção é retirado dos recursos públicos para engordar a conta-corrente dos grandes credores.

Por fim, veja no quadro abaixo, o que poderia ser feito com o dinheiro usado em 2010 para pagar a dívida pública:

R$ 920 milhões aplicados integralmente em cada um dos serviços públicos abaixo:

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é uma farsa!!

Exatamente para garantir a prioridade no pagamento da dívida pública em detrimento aos investimentos sociais é que foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ainda sob o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Essa lei amarra os orçamentos municipais e estaduais, pois estabelece que, primeiro, deve-se usar o dinheiro arrecadado para bancar os grandes credores, depois, deve-se cumprir os contratos e licitações de fornecedores e empresas terceirizadas que prestam serviços à Prefeitura ou ao Estado e só depois disso, se sobrar alguma coisa, os governos podem investir nas áreas sociais e pagar os salários e direitos dos servidores públicos.

Para piorar, a LRF define limites quanto ao gasto público com a folha de pagamento dos trabalhadores. O governo pode destinar, no máximo, 54% do orçamento com os servidores do Executivo, ou seja, os trabalhadores ligados às secretarias de saúde, educação, habitação, cultura, obras, turismo, esporte e lazer, segurança pública, ou seja, quem atende à população e leva os serviços públicos adiante.

Quer dizer, a LRF estabelece que: primeiro os bancos e especuladores. Segundo, as empresas privadas e, em último caso, os trabalhadores e a população!

Assim fica fácil perceber que os argumentos a favor da LRF não passam de uma farsa montada para enganar a população e garantir o lucro dos banqueiros e patrões.

As terríveis consequências da LRF

As consequências da aplicação da LRF nos estados e municípios são as piores possíveis.

Como demonstramos, uma grande soma de dinheiro é destinada diretamente aos bancos e grandes credores. Dinheiro que faz muita falta para garantir educação, saúde, transporte e cultura pública e gratuita para todos!

Além disso, como sabemos, serviço público é feito pelos trabalhadores. Não adianta ter escola bonita se não tiver pedagogo, professor, monitor, merendeira, etc. Não adianta centro de saúde novinho sem médico, enfermagem, agente de saúde, dentista, etc. Por isso, limitar o gasto público com a folha de pagamento dos trabalhadores significa arrochar o salário dos servidores, impedir a convocação de novos concursos públicos e impor limites ao atendimento para a população. Tudo isso para favorecer a proliferação dos contratos e licitações com empresas terceirizadas que privatizam os serviços públicos e dividem os trabalhadores em seus locais de trabalho entre concursados e não-concursados, diminuindo o poder de mobilização das entidades sindicais

Mais do isso, as terceirizações forçam o rebaixamento do salário e dos direitos da classe trabalhadora no geral, pois, na lógica capitalista de administração, torna-se mais vantajoso para a Prefeitura ou para o Estado contratar uma empresa que se responsabilizará por pagar um salário menor do que ganha um servidor público e com menos direitos, do que contratar por concurso público e assumir diretamente os custos envolvidos.

Além disso, os contratos e licitações são disputados “a tapa” pelas empresas concorrentes, pois o lucro é certo e garantido. Por isso, os governos transformam as secretarias, empresas e autarquias públicas em verdadeiros balcões de negócios, por onde escoam os casos de corrupção. Aliás, os negócios são fechados antes mesmo das eleições: os candidatos ligados ao capital recebem vultosas doações de empresas para serem eleitos e, depois, fatalmente, tais empresas serão beneficiadas, de um jeito ou de outro.

Outro detalhe…

Analisando os dados do TCE/SP podemos perceber ainda que a Prefeitura Municipal de Campinas, por exemplo, tem um grande volume de dívidas a receber. No ano de 2010, calcula-se que R$ 3.427.594.739,03 (R$ 3,4 bilhões) deixaram de entrar no orçamento municipal. Esse é o saldo que se obtém da tabela abaixo (total da dívida ativa, menos o valor da dívida ativa recebida no exercício, mais o valor da dívida inscrita no exercício):

 

Dez maiores valores da dívida ativa recebida no período (2010)

Considerando-se que o orçamento da Prefeitura de Campinas para esse ano (aprovado pela Câmara Municipal) é de R$ 3,4 bilhões, isso significa que a dívida a receber (do ano de 2010) representa o orçamento de um ano inteiro de arrecadação e repasses do governo federal e estadual.

A pergunta que fica é: quem são os grandes devedores do município? Por um acaso é o trabalhador que ficou um tempo desempregado ou em dificuldades financeiras e deixou de pagar o IPTU? Não! Queremos saber quais são as empresas que devem milhões de reais aos cofres públicos!?

Além disso, percebe-se que apenas 2,58% do total da dívida foram pagos em 2010 e que, no mesmo período, a porcentagem de “dívida nova” sobre o total (percentual da dívida ativa inscrita/total da dívida ativa) foi de 4,45%. É uma verdadeira bola de neve. Cada ano que passa, a dívida aumenta mais e os cofres públicos deixam de receber uma verdadeira fortuna em dinheiro! Por isso, queremos saber por que a Prefeitura não executa essas dívidas milionárias!? Quais interesses estão por trás dessa benevolência em relação aos grandes devedores, sendo que os trabalhadores são constantemente ameaçados se não pagarem em dia suas obrigações tributárias?

Contra a aplicação da LRF! Dilma revogue essa lei maldita!!

Quando Lula assumiu, os petistas reclamaram da herança maldita deixada por FHC, como as privatizações, a dívida externa, o desemprego, a contrarreforma da previdência e também a LRF.

Passados oito anos de governo Lula e quase dois anos de governo Dilma, podemos afirmar que nenhuma privatização foi revertida e outras mais foram implementadas, que a dívida externa continua e a dívida interna que era pequena ficou monstruosa e a contrarreforma da previdência avançou sobre os direitos dos trabalhadores. O desemprego diminuiu, é verdade, mas devido à conjuntura de crescimento econômico mundial dos últimos anos e não por causa das ações do governo brasileiro. Além disso, assim que a crise atingir o Brasil, os empregos gerados no período anterior voltarão a ficar ameaçados, pois não há proteção alguma.

Portanto, a herança maldita de FHC não foi desmontada e o futuro se anuncia sombrio para os trabalhadores, em que pese toda a propaganda governamental e a esperança que os trabalhadores ainda depositam na presidente Dilma e na figura do Lula. Por isso, é preciso explicar pacientemente a situação e preparar a classe trabalhadora para os grandes combates que se aproximam.

A LRF, por exemplo, é uma dessas leis malditas que não podemos tolerar e os trabalhadores e a juventude podem contar com os marxistas para denunciá-la, para lutar contra a aplicação dessa lei sobre a população e os servidores públicos e para fazer pressão para que Dilma a revogue!

Lutar pelo dinheiro público para os serviços públicos e por uma verdadeira reforma urbana

Devemos lutar também por justiça tributária, ou seja, quem pode mais paga mais impostos, quem pode menos paga menos e quem não pode, não paga! O governo deve também ir atrás dos grandes devedores, pois esses caloteiros não podem ficar impunes. Os serviços públicos dependem de dinheiro público para funcionar!

Além disso, é preciso dar um basta a essa farra que os bancos e grandes credores da dívida pública promovem sobre as costas da população e lutar para que os governos apliquem integralmente o dinheiro público nos serviços públicos, para garantir saúde, educação, cultura e transporte público e gratuito para todos!

Uma verdadeira reforma urbana, por meio da expropriação das áreas de reservas para a especulação imobiliária e dos imóveis também destinados para este fim, abriria o caminho para começar a resolver o problema da moradia. Um governo socialista amparado nas organizações dos trabalhadores terá plenas condições de realizar tal tarefa. O IPTU progressivo é uma forma de transitar nessa direção.

Junte-se a nós nessa batalha!

 

[1] Dívida pública fundada é a dívida contraída para ser amortizada num exercício orçamentário subsequente ao exercício no qual foi gerada.

[2] Receita corrente líquida de um município é o somatório das seguintes receitas: tributárias, de contribuições, patrimoniais, agropecuárias, industriais, de serviços e de transferências correntes, deduzida a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social.