A plataforma aprovada no Congresso de Fundação da Internacional Comunista (IC), a III Internacional, deixa claro:
“A humanidade, cuja cultura foi totalmente devastada, está ameaçada de destruição. Apenas uma força é capaz de salvá-la, e esta força é o proletariado. A antiga ‘ordem capitalista’ morreu. Não pode mais existir. O resultado final dos processos capitalistas de produção é o caos, – e este caos só pode ser vencido pela maior classe produtora, a classe operária. Ela é que deve instituir a ordem verdadeira, a ordem comunista. Ela deve vencer a dominação do capital, tornar as guerras impossíveis, anular a fronteiras entre os países, transformar o mundo numa vasta comunidade que trabalha para si mesma, realizar a solidariedade fraternal e a libertação dos povos.”
Mas o balanço feito pelo PCdoB começa explicando algo totalmente diferente.
José Reinaldo Carvalho, Secretário de Relações Internacionais do PCdoB, diz no artigo “Revolução russa: Internacionalismo e ideologia”, publicado no Portal Vermelho:
“O poder estatal socialista que emergiu em 1917, internacionalista por natureza, tornou-se o vetor preponderante na luta pela paz mundial e o progresso social, um incontornável fator a neutralizar os efeitos da agressividade do imperialismo e a influenciar positivamente as lutas dos trabalhadores e dos povos.”
Enquanto a Internacional Comunista era fundada para a guerra contra o capital, para a revolução, o PCdoB falsifica a história e fala em “luta pela paz mundial”. Durante quatro anos, a Rússia revolucionária (1917-1921) foi invadida por diversas tropas imperialistas que foram finalmente derrotadas. Este era o clima de “paz”?
Carvalho, reescrevendo a história, substitui o internacionalismo pelo socialismo em um só país. Assim, ele escreve:
“As condições para a participação eram: primeiro, os partidos e organizações deveriam colocar-se na direção da luta revolucionária do proletariado pela derrocada do poder da burguesia; segundo, respaldar a Revolução de Outubro e o poder soviético na Rússia.”
O Manifesto de Convocação do Congresso lista as organizações convidadas, com vistas a impedir a participação das organizações traidoras (ver lista no quadro ao final). Como se vê, a “segunda condição” não existe na convocatória. Ela é introduzida no texto para justificar a teoria do socialismo num só país, que foi inventada muito tempo depois por Stalin.
O problema é que o verdadeiro debate sobre o que fez a IC desaparece no texto de Carvalho. Ele fala das derrotas no período de 1921 a 1924 e chega até a implantação do fascismo, mas sem citar os dois principais locais aonde o fascismo ganhou: Itália e Alemanha. Não cita as derrotas na greve geral inglesa de 1926, a derrota do PC Chinês em 1927 e a subida de Hitler ao poder em 1933.
Sinteticamente, a fração revolucionária do PC Russo, dirigida por Leon Trotsky, após a morte de Lenin em 1924, denominada “Oposição de Esquerda”, é expulsa pelos stalinistas. Na prática, houve uma contrarrevolução que, se não chegou a reimplantação imediata do capitalismo, levou à destruição dos órgãos democráticos soviéticos substituídos por um aparato burocrático e a burocratização do PC Russo e da IC. Uma análise maior desses acontecimento pode ser vista no livro “A Revolução Traída” de Trotsky. O livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell relata a mesma situação em forma de sátira política.
Isso teve consequências na IC. Uma política esquerdista em alguns momentos, de aliança com frações da burguesia e inclusive com o fascismo levou a derrotas atrás de derrotas. Trotsky analisou esta situação no folheto “O grande organizador de derrotas”.
Trotsky levou uma batalha, uma vez expulso da URSS e da IC, organizando a Oposição de Esquerda Internacional e explicando a política de Stalin de aliança com a direita contra a Socialdemocracia, que dividiu o proletariado e permitiu a vitória de Hitler. Trotsky vai declarar que esta derrota marca o fim da IC como uma Internacional Revolucionária e que o combate agora é para construir uma nova Internacional, a IV Internacional (não é objeto deste artigo explicar o balanço da IV Internacional).
Carvalho segue impunemente pela história, esquecendo que Stalin, durante a II Guerra Mundial, quando a URSS foi invadida, “dissolveu” a IC através de um ato burocrático do seu Comitê Executivo, que foi previamente submetido a Stalin. A justificativa do PCdoB se apresenta desta forma:
“Todo o desenrolar dos acontecimentos durante o quarto de século passado e a experiência adquirida pela Internacional Comunista mostraram, de maneira convincente, que a forma de organização escolhida no I Congresso da Internacional Comunista para a união dos trabalhadores e que correspondia às exigências do período inicial do renascimento do movimento operário nos diferentes países e a complexidade de suas tarefas, inclusive, se convertia em obstáculo ao posterior fortalecimento dos partidos operários nacionais.”
Em outras palavras, o internacionalismo de Marx e Engels (“proletários de todos os países, uni-vos”), todo o trabalho de Lenin para construir a IC seria, a partir de 1943 momento, um “obstáculo” ao fortalecimento dos partidos operários.
Ao esquecer todo este debate, Carvalho conclui:
“Quaisquer que sejam os procedimentos táticos necessários à acumulação de forças e por mais flexíveis que os comunistas devam ser na concertação de alianças amplas para alcançar vitórias parciais, mais ainda deve afirmar-se o caráter revolucionário de sua estratégia e seu perfil político e ideológico.”
Assim, depois de pelo “esquecimento” aceitar que o fim da IC foi correto, Carvalho volta à velha tese do Estalinismo de alianças com setores da burguesia (“alianças amplas”) que levaram o governo Lula, o PT e o PCdoB a destruírem a possibilidade de um governo operário que abrisse caminho para o socialismo.
Os marxistas, os comunistas de verdade, agrupados na Esquerda Marxista, continuam o seu combate por uma internacional revolucionária e reafirmam o combate de Marx, Engles, Lenin e Trotsky: Operários de todo o mundo, uni-vos.
Todas as citações de Carvalho encontram-se neste artigo.
Lista das organizações convidadas ao Congresso de Fundação da III Internacional:
Concretamente, nós propomos que participem do Congresso os representantes dos seguintes partidos, tendências e grupos (os membros com plenos direitos da Terceira Internacional serão aqueles que concordem integralmente com seu programa):
1 – Spartakusbund (Alemanha); 2 – Partido Comunista (Bolcheviques) (Rússia); 3 – Partido Comunista da Áustria alemão; 4 – Partido Comunista da Hungria; 5 – Partido Comunista da Finlândia; 6 – Partido Comunista Operário polonês; 7 – Partido Comunista da Estônia; 8 – Partido Comunista da Letônia; 9 – Partido Comunista da Lituânia; 10 – Partido Comunista da Rússia Branca; 11 – Partido Comunista da Ucrânia; 12 – Os elementos revolucionários do Partido social-democrata tcheco; 13 – Partido social-democrata búlgaro (restrito); 14 – P.s.-d. romeno; 15 – A ala esquerda do p.s.-d. sérvio; 16 – A esquerda do Partido s.-d. sueco; 17 – Partido s.-d. norueguês; 18 – Pela Dinamarca o grupo Klassemkampen; 19 – Partido Comunista holandês; 20 – Os elementos revolucionários do partido operário belga; 21 e 22 – Os grupos e organizações no interior do movimento socialista e sindicalista francês, que, no conjunto, se solidarizam com Loriot; 23 – A esquerda s.-d. da Suíça; 24 – o Partido Socialista italiano; 25 – Os elementos revolucionários do P.S. espanhol; 26 – Os elementos de esquerda do Partido Socialista português; 27 – Os partidos socialistas britânicos (sobretudo a corrente representada por Mac Lean); 28 – S.L.P. (Inglaterra); 29 – I.W.W. (Inglaterra); 30 – I.W. (Grã-Bretanha); 31 – Os elementos revolucionários da organizações operárias da Irlanda; 32 – Os elementos revolucionários dos shop stewards (Grã-Bretanha); 33 – S.L.P. (América); 34 – Os elementos de esquerda do P.S. da América (a tendência representada por Debs e a Liga de Propaganda Socialista); 35 – I.W.W. (América); 36 – I.W.W. (Austrália); 37 – Workers International Industrial Union (América); 38 – Grupos socialistas de Tóquio e Yokohama (representado pelo camarada Katayama); 39 – A Internacional Socialista dos Jovens (representada pelo camarada Muzenberg).