Vivenciamos a mais profunda crise do capitalismo. Fome generalizada, miséria brutal, alta e crescente taxa de desemprego, rebaixamento de salários e retiradas de direitos. Aspectos da barbárie que são potencializados pela pandemia da Covid-19, que escancara para qualquer um como o Estado é o comitê de negócios da burguesia.
Porém, para melhor manter o controle da ordem vigente, a burguesia precisa sempre combinar seus instrumentos “do morde-assopra”. Ou seja, “a arte da política” para eles seria justamente a adequada combinação entre medidas de repressão/enfrentamento e práticas cooptação/colaboração, visando a estabilidade na estrutura econômica da sociedade, para produção e reprodução do capital, mas também no seu reflexo na superestrutura política da sociedade. Isso se expressa em vários países do mundo e não seria diferente no capitalismo atrasado no Brasil. É por isso que a burguesia teve que engolir o Bolsonaro mesmo não sendo sua primeira opção nas eleições de 2018, ou também teve que engolir Lula em 2002, mas não sem antes o colocar de joelhos para submissão ao capital, com a Carta aos “Brasileiros” (leia-se banqueiros).
Faço esse resgate para dizer que a burguesia agora está em crise, pois não sabe o que fazer com o troglodita do Bolsonaro que ela mesma elegeu. Queriam usá-lo para fazer o “serviço sujo” de ataques profundos aos trabalhadores, com avanços ainda maiores na retirada de direitos, fazer uma radical (contra)reforma da previdência, destruir aceleradamente o meio-ambiente, se apropriando das terras amazônicas e latifundiárias.
Sabiam de seu autoritarismo vinculado às forças armadas, sua paixão por torturas e ódio expresso aos comunistas, sua relação com as milícias e eventuais riscos às liberdades democráticas. Ele é o tosco representante da burguesia, mas que seria útil e descartado quando não mais lhe interessasse. Bom, mas agora estão se perguntando: como fazer esse descarte? Com avanço do desgaste do Bolsonaro com a população, aumento de sua rejeição entre setores da própria classe média, estão com o “mico na mão”, mas morrem de medo, não tanto do Bolsonaro em si, mas de como as massas reagiriam, como tais medidas poderiam levar a um cenário de perda completa do controle da ordem vigente e instabilidade completa para o capital.
Desta forma, nesse cenário em que o Estado burguês mostra sua verdadeira face, usando o momento de crise para expropriar ainda mais os pobres e os cofres públicos para canalizar recursos para o setor privado, concentrar renda, matar pobres e “gente que custa e não compensa”, como pudemos ver explicitamente no tal vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, a burguesia está preocupada que a forma do governo Bolsonaro pode prejudicar o conteúdo de seus interesses de classe. É neste momento em que ela tenta dar ar de racionalidade e busca outra forma para melhor manter seu conteúdo. Precisa trocar o “tosco” pelo “sapatênis”. É por isso que se dirigem à Maia, Luciano Huck, FHC e Dória, utilizando o STF, a Globo, Folha e Estado de São Paulo, e mesmo o apelo do lavajatismo e sua estrela (seria ex?) Sérgio Moro, como exemplos desta solução para salvar as instituições da superestrutura da burguesia. E ainda, para eles, claro, seria melhor se trouxessem para esse campo de realinhamento setores da esquerda reformista, como temos visto no PT, CUT e mesmo setores do Psol, que seguem empenhadas nesta tarefa.
Dória, verdadeiro “rato da politicagem”, surfando no lema do “não sou político”, defensor da meritocracia individual liberal, eleito na onda do “bolsodória”, atacando movimentos sociais e com aberta prática liberal, tenta se afastar, agora, de maneira oportunista do troglodita Bolsonaro. De maneira inteligente, isso é verdade, com o vácuo da incapacidade de uma verdadeira oposição programática, busca ser o político racional que defende vidas, faz acenos a Lula e tenta se legitimar como o novo representante da burguesia que pode salvar as instituições, ao gerenciar, com prudência, as medidas sanitárias adequadas no estado mais importante do país.
Ora, a hipocrisia está nua e crua, diante de seu enorme “teto de vidro”. Lacaio da burguesia, muda como um camaleão a depender da melhor forma para garantir o conteúdo de um programa claro de defesa de quem o sustenta. Por isso, apesar de dizer que “defende vidas”, se recusa a decretar o chamado “lockdown” combinado com qualquer medida de apoio financeiro à população mais vulnerável para que pudessem ficar em casa. Não organiza qualquer plano de distribuição de alimentos para famílias famintas, nem adota ofensiva de infraestrutura para favelas e áreas não regularizadas, que seguem sem água e saneamento básico, se recusa a garantir direitos aos servidores públicos estaduais e a garantir os leitos dos hospitais privados para toda a população. Assim, não há qualquer medida prática para que possa ser levado a sério o tal discurso de “defesa da vida”, quando suas ações estão longe disso.
Nesse sentido ainda, se é evidente que não tem uma vírgula de comunista como os bolsonaristas ignorantes apontam quase que como uma anedota, muito menos pode ser visto como um aliado tático ou um ponto de apoio contra o governo Bolsonaro, como vários setores da pequena burguesia e reformistas de plantão buscam transformar. Dória e Bolsonaro são representantes diretos da mesma classe que os sustentam, são faces da mesma moeda, na clássica compreensão entre forma e conteúdo.
Não podemos ter nenhuma ilusão em qualquer aliança com as formas de conduzir a política de defesa das instituições, da racionalidade burguesa, que Dória busca se colocar como maior exemplo, isso porque, simplesmente, o conteúdo desta política é nossa destruição enquanto classe. Quer que a classe trabalhadora e a juventude paguem a conta. É assim que age, para além das aparências e discursos “prefakes”, ao gosto do “consumidor”. Não nos engana nem um milímetro. É a burguesia ali expressa, só que ao invés do coturno, está de “sapatênis”. Não há qualquer “defesa da vida” e medidas efetivas para o combate à pandemia da Covid-19. Segue a gestão do comitê de negócios da burguesia. Por isso, temos que denunciar claramente que não há qualquer possibilidade de concessão para frente ampla e defesa das instituições com representantes da burguesia. Nossa construção é a defesa da frente única, na perspectiva revolucionária de destruição deste Estado, como traz a experiência histórica do movimento operário internacional.