Em 25 de junho, o Dawn, maior e mais influente jornal diário de língua inglesa no Paquistão, publicou um longo artigo escrito por um certo Boris Stremlin chamado “Não-ficção: os velhos Bolcheviques da nova Rússia”. O texto deveria ser, supostamente, uma resenha da nova edição do Stalin de Trotsky publicada recentemente pela Wellred Books e editada por mim.
Fomos informados que Stremlin, de quem confesso nunca ter ouvido falar, é um acadêmico que ensinou história e sociologia nos EUA, na Turquia e no Cazaquistão e que publicou artigos sobre ideologia russa contemporânea e outros temas. Prevenidos, portanto, do tipo de coisa que podíamos esperar, não ficamos de todo surpresos com o resultado final.
Na vida normal, quando duas pessoas têm uma disputa, pode-se gritar e agitar os punhos. Mas no mundo aconchegante da academia, fechado em uma torre de marfim e “distante das ignóbeis contendas de um mundo louco”, outros métodos, bem diferentes, são empregados. Os advogados burgueses empregam a linguagem mais culta e a mais refinada cortesia dos tribunais. Eles sempre começam com “meu sábio amigo” antes de realizar os ataques mais ferozes e inescrupulosos, não somente contra o conteúdo dos discursos da outra pessoa, como também impugnando a honestidade de suas intenções e a veracidade de seu testemunho.
O senhor Stremlin vem da mesma escola e sua linha de ataque era, portanto, inteiramente previsível. Ele começa dizendo algumas coisas amáveis sobre a publicação da nova edição do Stalin de Trotsky e é mesmo gentil o suficiente para admitir estar impressionado com o intelecto de Trotsky. Isso equivale aproximadamente a afiar a navalha antes de cortar uma artéria:
“Relendo o livro depois de mais de um quarto de século, ainda fico impressionado com o poderoso intelecto de Trotsky. Sem acesso a grande parte de seu próprio material de arquivo que havia sido apreendido pelas autoridades soviéticas, Trotsky demole com facilidade a historiografia oficial stalinista que atribui a Stalin um papel dominante na insurreição Bolchevique de 1917 e na subsequente guerra civil, enquanto elimina inteiramente a parte seminal desempenhada por Trotsky.
“Da mesma forma, Trotsky invalida as acusações espúrias apresentadas durante os Processos de Moscou de 1936-1938, quando ele, assim como dissidentes bolcheviques, comandantes do Exército Vermelho e intelectuais e artistas notáveis foram acusados de conspirar com a Alemanha nazista e o Japão Imperial para derrubar o regime soviético. Trotsky estava entre os primeiros a desafiar a linha oficial soviética nos Grandes Expurgos em um momento em que muitos esquerdistas aceitaram o seu valor nominal, e sua contribuição heroica para retificar o registro histórico ainda nos deixa em dívida”.
Até agora nada mal, pode-se pensar. Mas, como diz um provérbio russo, uma colherada de alcatrão arruína um barril de mel. E aqui temos de engolir não somente uma colherada, mas várias pás bem cheias da droga. Stremlin começa descrevendo as polêmicas do Partido Bolchevique como “atividades obscuras e sectárias”, ou pelo menos que elas podem parecer assim “para os que olham a luta pelo lado de fora”. No entanto, Stremlin aceita que “é difícil negar que as disputas entre grupos e partidos socialistas nos anos iniciais do século 20 tiveram um impacto decisivo na trajetória da União Soviética e dos regimes socialistas posteriores, bem como sobre o sistema global ao longo do período entre as guerras e a Guerra Fria”.
Apesar dessas gentis palavras, todo o conteúdo do artigo deixa muito óbvio que nosso amigo Boris não está somente “olhando a luta pelo lado de fora”, mas que também tem uma atitude hostil não somente para com Trotsky, mas também para com Lenin, o bolchevismo e a revolução em geral. Nisso ele está, é claro, de perfeito acordo com a esmagadora maioria dos acadêmicos burgueses que, por trás de uma discreta cortina de falsa “objetividade”, representam na verdade os interesses da classe que paga os seus salários e recompensa generosamente os seus serviços.
A ofensiva contra Outubro
Para se entender a história dos últimos 100 anos é essencial dispor de uma análise científica do que aconteceu à Revolução Russa. Como pôde acontecer que o Estado mais democrático que já existiu tenha terminado como um monstruoso regime burocrático e totalitário? A menos que possamos responder esta questão, nunca seremos capazes de obter uma compreensão clara dos mais importantes acontecimentos de nossa época.
Mas, para obtermos tal compreensão, buscaríamos em vão em todas as montanhas de livros, artigos e trabalhos acadêmicos “eruditos”. O centésimo aniversário da Revolução de Outubro encontrou um verdadeiro tsunami de publicações que não são, de forma alguma, destinadas a esclarecer, analisar ou explicar a natureza de um acontecimento que mudou a história do mundo. Essa literatura contrarrevolucionária tem apenas um propósito: mentir, denegrir, distorcer e depreciar a Revolução Russa, insultar e manchar o nome de seus líderes, que são apresentados como monstros sanguinários.
Não há nada de novo em tudo isso. A história mostra que não é suficiente para a classe dominante derrotar uma revolução. É necessário cobri-la de calúnias, denegrir o nome de seus líderes e cercá-la com uma nuvem de maldades e suspeita para que nem mesmo a sua lembrança continue a inspirar as novas gerações. No século 19, quando o historiador Thomas Carlyle estava escrevendo um livro sobre Oliver Cromwell, ele disse que antes de começar teve que resgatar o corpo de Cromwell de uma montanha de cães mortos.
A mesma malícia e rancor nascidos do medo motivam os atuais esforços para negar as conquistas e o significado revolucionário da Revolução Russa e para manchar a memória de seus líderes. A falsificação sistemática da história agora empreendida pela burguesia, embora um tanto quanto mais sutil do que o linchamento póstumo dos monarquistas ingleses, não é de forma alguma superior a ele. Em última instância, não resultará mais eficaz. A locomotiva do progresso humano é a verdade e não a mentira. E a verdade não ficará enterrada para sempre.
Ciência versus subjetivismo
Como foi possível que a mais democrática revolução da história tenha degenerado de tal forma a terminar como uma ditadura monstruosa e totalitária? Essa é uma questão honesta e que merece uma resposta séria. Para as mentes superficiais, a resposta a essa questão é simples: Stalin foi mais esperto que Trotsky e, dessa forma, o superou. Mas uma explicação tão simples, na verdade, não explica coisa alguma.
Os historiadores burgueses invariavelmente abordam a história de forma superficial, colocando grande ênfase no papel dos atores individuais do drama histórico. Os livros de história estão cheios de reis, rainhas, estadistas e outros “grandes indivíduos”, cujas ações supostamente constituem a mola principal do processo histórico.
O marxismo é diferente. Baseia-se no materialismo histórico-dialético. Explica a história não pelas ações de “grandes indivíduos”, sejam eles heróis ou vilões, mas pelos profundos processos que ocorrem nas costas dos atores individuais e que não são vistos por eles. Em última análise, o destino de uma dada sociedade é determinado por sua capacidade de desenvolver as forças produtivas.
De forma alguma isso nega o papel do indivíduo na história, que somente pode se expressar através das ações de homens e mulheres. De fato, sob certas condições, o resultado de um grande drama histórico pode ser decidido pela intervenção de um pequeno grupo de pessoas ou mesmo por um só indivíduo. O materialismo histórico, sem ignorar o papel dos indivíduos, ensina-nos a olhar além dos atores individuais no palco da história e a buscar causas mais profundas.
Em certos momentos, o papel de um só homem ou mulher pode ser decisivo. Podemos afirmar com convicção que sem a presença de Lenin e Trotsky (particularmente do primeiro) em 1917 a Revolução de Outubro nunca teria ocorrido. No entanto, os indivíduos somente podem desempenhar esse papel quando todas as outras condições estão presentes. A concatenação das circunstâncias em 1917 permitiu a Lenin e a Trotsky desempenhar um papel decisivo. Mas esses mesmos homens estiveram presentes por mais de duas décadas antes e não conseguiram desempenhar o mesmo papel. Da mesma forma, quando a Revolução refluiu, apesar de suas colossais capacidades pessoais, nem Lenin nem Trotsky foram capazes de evitar a degeneração burocrática da Revolução. Essa foi causada por forças objetivas contra as quais até mesmo os maiores líderes eram impotentes.
A abordagem superficial e subjetiva de Boris Stremlin é imediatamente captada quando expressa que Trotsky foi “marginalizado” por Stalin “a caminho de se tornar o líder do primeiro Estado socialista do mundo”. Dessa forma, a questão é reduzida a uma mera luta pelo poder entre dois indivíduos. Se aceitarmos esse método, deduziremos logicamente que Trotsky escreveu sua biografia de Stalin como um ato de rancor pessoal para se vingar do homem que o “marginalizou”.
Não há nada de novo na abordagem de Stremlin. Houve muitas tentativas de se apresentar o “Stalin” como uma obra motivada pelo desejo de Trotsky de golpear o seu inimigo no Kremlin, ou pelo menos como um relato em que fatores de natureza pessoal ou psicológica tornavam impossível um estudo objetivo. Um julgamento tão superficial causa uma séria injustiça ao autor. Trotsky já antecipava essas críticas quando escreveu:
“A posição que agora ocupo é única. Portanto, sinto que tenho o direito de dizer que nunca tive um sentimento de ódio em relação a Stalin. Em certos círculos, fala-se e escreve-se muito sobre o meu suposto ódio a Stalin, o que, pelo que parece, me enche de julgamentos sombrios e turvos. Só posso encolher os ombros em resposta a tudo isso. Nossos caminhos se separaram há tanto tempo que qualquer relação pessoal que existisse entre nós há muito se extinguiu totalmente. De minha parte, e na medida em que sou a ferramenta de forças históricas que são alheias e hostis a mim, meus sentimentos pessoais com relação a Stalin são indistinguíveis de meus sentimentos com relação a Hitler ou ao Mikado japonês” (Trotsky, “Stalin”, presente edição, cap. 14: A reação termidoriana; a vingança da história).
Longe de ser motivado pela sede de vingança contra Stalin, Trotsky não tinha nenhum interesse em escrever esse livro e só aceitou a oferta feita por uma editora estadunidense por conta de suas extremamente difíceis circunstâncias financeiras. Todo o seu interesse naquele momento era o de produzir uma biografia de Lenin. Ele considerava o trabalho sobre o Stalin como um desvio muito indesejável dessa tarefa e de outros trabalhos importantes. Contudo, uma vez embarcado na tarefa, ele a abordou como abordava todos os seus trabalhos, do ponto de vista do método científico do marxismo. Considerações pessoais não desempenharam nenhum papel nisso.
Desnecessário dizer que Trotsky aborda a questão da contrarrevolução stalinista como um marxista e um revolucionário. Ele não teve a necessidade de esconder isso por trás de uma falsa e hipócrita “objetividade”, como o fazem muitos de nossos atuais historiadores acadêmicos. Basta arranhar a superfície dos incontáveis livros “eruditos” que são produzidos todos os anos para nos dar “provas científicas” de que Lenin e Trotsky eram monstros sanguinários para a máscara da objetividade acadêmica escorregar, revelando a cara feia e deformada de um burguês anticomunista fanático.
Há uma contradição entre ter um interesse apaixonado por mudar a sociedade e, ao mesmo tempo, ser capaz de uma avaliação objetiva de acontecimentos históricos e do papel dos indivíduos no processo histórico? Deixemos Trotsky responder por si mesmo:
“Aos olhos de um filisteu, um ponto de vista revolucionário equivale à ausência de objetividade científica. Penso exatamente o oposto: somente um revolucionário – desde que, naturalmente, esteja equipado com um método científico – é capaz de revelar a dinâmica objetiva da revolução. A apreensão do pensamento em geral não é um ato contemplativo, mas ativo. O elemento da vontade é indispensável para se penetrar nos segredos da natureza e da sociedade. Assim como um cirurgião, de cujo bisturi depende uma vida humana, diferencia com extremo cuidado entre os vários tecidos de um órgão, também um revolucionário, se tiver uma atitude séria com sua tarefa, deve analisar conscienciosamente a estrutura da sociedade, suas funções e reflexos.” (Trotsky, “A Revolução Chinesa”)
Como Stalin se tornou líder?
À primeira vista, Stalin não parecia uma escolha óbvia para calçar os sapatos de Lenin. Bruce Lockhart, uma importante testemunha, afirma em suas memórias que tal sugestão seria recebida pelos bolcheviques em 1918 com estrondosas gargalhadas. Mas Boris Stremlin não pode aceitar isso, porque ele vê a história através do estreito prisma dos indivíduos, de seus talentos e capacidades. Na ausência deles, ela simplesmente não faz sentido. Se Stalin derrotou Trotsky, segue-se que deve ter sido superior. Afinal, nada é mais exitoso que o êxito!
Boris puxa os cabelos incrédulo. Ele escreve: “Stalin, de acordo com o autor desta biografia recém-editada, não tinha tempo para a teoria e o debate partidário (que ele considerava como uma tempestade em um copo d’água) porque era um medíocre, um provinciano atrasado, obcecado com o autoengrandecimento e que camuflava seus numerosos defeitos psicológicos. Mas como ele tinha a legitimidade de um velho bolchevique, Trotsky argumenta, esses traços fizeram de Stalin a expressão ideal da máquina burocrática que finalmente enterrou a Revolução Russa”.
A caracterização acima de Stalin é absolutamente exata. Stalin não tinha nenhuma ideologia além de ganhar poder e mantê-lo. Ele tinha uma tendência à suspeita e à violência. Era um típico aparatchik – de mentalidade estreita e ignorante, assim como as pessoas cujos interesses ele representava. Os outros líderes bolcheviques passaram anos na Europa Ocidental, falavam fluentemente línguas estrangeiras e participavam pessoalmente do movimento internacional dos trabalhadores. Stalin não falava nenhuma língua estrangeira e até mesmo a língua russa ele falava mal e com um forte sotaque georgiano. Coloca-se a pergunta: como, então, poderia ele elevar-se ao poder?
Essa aparente ironia é explicada por Trotsky não em termos de traços individuais, mas em termos de relações sociais. Uma época revolucionária demanda líderes heroicos, grandes escritores e oradores, pensadores ousados que sejam capazes de colocar em palavras as aspirações inconscientes ou semiconscientes das massas para mudar a sociedade traduzindo-as em palavras de ordem oportunas. É uma era de gigantes. Já um período contrarrevolucionário é um período de refluxos, de retirada e desmoralização. Tal período não requer gigantes, mas pessoas de muito menor estatura. É a era do oportunista, do conformista e do apóstata.
Em tais circunstâncias, visionários ousados e indivíduos heroicos não são mais necessários. A mediocridade é a regra suprema e Stalin era a suprema mediocridade. Naturalmente, essa definição não suprime suas qualidades ou ele nunca conseguiria se elevar acima das cabeças de pessoas que eram em todos os aspectos superiores a ele. Ele também possuía uma vontade e determinação de ferro, uma sede teimosa e indomável pelo poder e pelo progresso pessoal e uma habilidade inata para manipular as pessoas, explorando seus lados fracos, manobrando e intrigando.
Tais qualidades no contexto de uma revolução em ascensão são somente de terceira importância. Mas na maré vazante da Revolução, elas podem ser utilizadas com grande efeito. Vemos o mesmo fenômeno em todas as revoluções. Durante o período de ascensão revolucionária na França de 1789 a 1794, suas figuras principais eram gigantes: Mirabeau, Danton, Marat, Robespierre, Saint Just. Mas, no período de refluxo revolucionário que se seguiu à queda dos jacobinos, as portas foram abertas para uma nova raça de oportunistas, carreiristas, funcionários, traidores e apóstatas. A personagem que caracterizou perfeitamente esse período foi Joseph Fouché.
Marx já apontara que, em períodos contrarrevolucionários, uma mediocridade pode tomar o poder das mãos de pessoas muito mais capazes e perspicazes. Em sua obra-prima do materialismo histórico, “O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”, ele explica que o neto de Napoleão, a quem Victor Hugo chamava de “Napoleão, o Pequeno”, era uma mediocridade completamente desprovida de ideias e princípios, que subiu ao poder em um momento em que precisamente tais características eram necessárias. Pode-se dizer exatamente o mesmo de Stalin.
A nova escola de falsificação
Há atualmente um esforço combinado para se refazer a imagem de Stalin e apagar seus crimes, o que serve como uma folha de parreira que mal oculta em defesa do regime autoritário de Vladimir Putin. Por trás da fachada de “objetividade acadêmica” escondem-se interesses materiais e uma tentativa servil de agradar o mais recente amo do Kremlin. As “revelações” mais recentes que chegam dessa fonte todos os dias com tediosa regularidade deveriam realmente ser veiculados com uma advertência do governo sobre o risco à saúde, algo do tipo “o consumo desse produto pode afetar seriamente o seu cérebro”.
Essa reescrita da história lembra-nos dos velhos métodos da burocracia stalinista, que colocava a história de ponta-cabeça transformando as principais figuras em não-pessoas ou as demonizando, como no caso de Leon Trotsky, e geralmente assegurando que o preto era branco. Os atuais escritos dos inimigos do socialismo não são diferentes, exceto que difamam Lenin com o mesmo ódio cego e rancor que os stalinistas reservavam para Trotsky.
Alguns dos piores casos desse tipo se encontram na Rússia. Isso não surpreende por duas razões distintas: primeiramente, essas pessoas foram criadas na escola de falsificação stalinista, que se baseava no princípio de que a verdade era apenas um instrumento a serviço da elite dominante. Os professores, economistas e historiadores estavam acostumados, com honráveis exceções, a adaptar os seus escritos à linha do momento. Os mesmos intelectuais que cantavam elogios a Trotsky, o fundador do Exército Vermelho e líder da Revolução de Outubro, poucos anos mais tarde não tiveram nenhum decoro em denunciá-lo como um agente de Hitler. Os mesmos escritores que bajularam Joseph Stalin como grande líder e mestre logo saltaram para o outro lado quando Nikita Khrushchev descobriu o “culto da personalidade”. Os hábitos custam a morrer. Os métodos de prostituição intelectual são os mesmos. Somente o dono mudou.
Há também outra razão completamente distinta. Muitos capitalistas na Rússia, não faz muito tempo, carregavam uma carteira do Partido Comunista em seus bolsos e falavam em nome do “socialismo”. Na verdade, eles não tinham nada a ver com o socialismo, o comunismo ou a classe trabalhadora. Faziam parte da casta parasita dominante que vivia uma vida de luxo nas costas dos trabalhadores soviéticos. Agora, com o mesmo cinismo que sempre caracterizou esses elementos, passaram-se abertamente para o capitalismo. Mas essa transformação milagrosa não pode ser consumada tão facilmente. Essas pessoas sentem uma constrangedora necessidade de justificar sua apostasia amontoando maldições sobre o que clamavam acreditar ontem mesmo. Por esses meios, tentam lançar poeira nos olhos das massas, enquanto tranquilizam suas próprias consciências – supondo-se que possuam tal coisa. Até mesmo o pior patife gosta de encontrar alguma justificativa para suas ações.
Stalin em 1917
Não há a menor dúvida de que, em novembro de 1917, o destino da Revolução Russa foi determinado pelas ações de dois homens: Lenin e Trotsky, acima de tudo Lenin. É por essa razão que o Partido Bolchevique era universalmente conhecido como o Partido de Lenin e Trotsky. Um simples olhar para qualquer jornal ou outro periódico daquele tempo – seja russo ou estrangeiro – confirmará esse fato.
O papel de Stalin em 1917 foi totalmente secundário, para não dizer insignificante. Mau escritor e orador piro ainda, ele era invisível para as grandes massas. O nome de Stalin em 1917 era conhecido somente por um grupo relativamente pequeno de ativistas do Partido. Somente após a morte de Lenin, em 1924, a lenda de Stalin como “grande líder e mestre” foi gradualmente inventada. Apesar desse reconhecido fato, Stremlin é capaz de escrever o seguinte:
“Stalin desempenhou um papel-chave na agitação para a insurreição como editor do jornal bolchevique Pravda”. Afirmação surpreendente. Qual foi o papel de Stalin no Pravda? Antes de Lenin retornar à Rússia em abril, Stalin e Kamenev eram os editores conjuntos do órgão oficial do Partido. A linha que eles adotaram estava em contradição direta à adotada por Lenin.
Longe de defender a tomada do poder pela classe trabalhadora (resumida na palavra de ordem de Lenin: “Todo o poder aos Sovietes”), o Pravda defendia “apoio crítico” ao governo provisório burguês. Os artigos de Lenin ou não eram publicados ou eram publicados de forma mutilada. Quando retornou em abril, Lenin teve que lutar furiosamente contra Stalin e Kamenev e os outros “conciliadores” na liderança bolchevique. Depois que Stalin se retirou para a linha lateral, não desempenhou mais nenhum papel significativo.
Vamos chamar algumas testemunhas, a começar pelo conhecido socialista estadunidense John Reed, cujo livro “Dez dias que abalaram o mundo” é universalmente considerado como um dos relatos clássicos da Revolução de Outubro. Lenin escreveu um prefácio ao livro que podemos citar na íntegra:
“Com imenso interesse e igual atenção li, até o fim, o livro ‘Dez Dias que abalaram o Mundo’, de John Reed. Recomendo-o sem reservas aos trabalhadores de todos os países. É uma obra que eu gostaria de ver publicada aos milhões de exemplares e traduzida para todas as línguas, pois traça um quadro exato e extraordinariamente vivo dos acontecimentos que tão grande importância tiveram para a compreensão da Revolução Proletária e da Ditadura do Proletariado. Em nossos dias, essas questões são objeto de discussões generalizadas, mas, antes de se aceitarem ou de se repelirem as ideias que representam, torna-se necessário entender o real significado do partido que se vai tomar. O livro de John Reed, indubitavelmente, ajudará a esclarecer essa questão, que é o problema fundamental do movimento operário internacional.” (Lenin, Prefácio de “Dez dias que abalaram o mundo”)
Temos aqui a mais alta e autorizada confirmação da veracidade do relato de John Reed. Reforçamos a recomendação de Lenin a todos que desejam entender a verdade sobre a Revolução de Outubro e sobre o papel desempenhado nela pelos diversos líderes bolcheviques. Aqui nos limitamos a um simples registro.
No índice de nomes ao final do livro, Lenin é mencionado 62 vezes, Trotsky 53 vezes e Stalin é mencionado somente duas vezes, no caso, apenas como um nome da lista de comissários do povo depois da Revolução. Sobre a sua participação ativa na Revolução não há uma só palavra. É por essa razão que o livro, recomendado tão entusiasticamente por Lenin, foi banido da União Soviética durante muitas décadas. Mas o silêncio sobre John Reed não é acidental. Nem um caso isolado.
Em 1923, A. V. Lunacharsky, o veterano bolchevique que foi o primeiro Ministro da Cultura e Educação da jovem república soviética, escreveu um livro muito conhecido na época chamado “Silhuetas Revolucionárias”. Ele contém uma série de retratos descritivos de todos os mais conhecidos líderes do Partido Bolchevique em 1917. Inclui Lenin e Trotsky (em primeiro lugar), seguidos por Zinoviev, Sverdlov, Volodarsky e Uritsky. Também inclui artigos sobre Plekhanov e Martov que, naturalmente, não eram membros do Partido Bolchevique. Mas o nome de Stalin está totalmente ausente. Nem Lunacharsky nem ninguém mais o considerava como um líder importante do Partido naquele tempo.
A insignificância de Stalin em 1917 era óbvia para todos. O menchevique de esquerda N. N. Sukhanov, que era membro da executiva do soviete depois da Revolução de Fevereiro, lembra a impressão que teve de Stalin em seu primeiro encontro:
“O Partido Bolchevique, apesar do baixo nível de seu grupo de funcionários, tinha toda uma série de figuras gigantescas e de líderes habilidosos entre os seus ‘generais’. Stalin, no entanto, durante suas modestas atividades no Comitê Executivo, produzia – e não somente a mim – a impressão de um borrão cinzento que aparece de vez em quando e não deixa qualquer traço. Não há realmente nada mais a se dizer sobre ele.” (N. Sukhanov, “A Revolução Russa de 1917, um registro pessoal”, p. 229-230)
Vamos citar mais uma vez uma fonte importante, Bruce Lockhart (há muitas, muitas mais), que era inimigo declarado do bolchevismo, um agente britânico na Rússia na época da revolução, mas também um observador altamente perceptivo que frequentemente mostrava um aguçado conhecimento dos acontecimentos. Em sua autobiografia, “Memórias de um Agente Britânico”, ele descreve uma reunião em algum momento do início de 1918 em que ele se reuniu com vários membros do governo soviético:
“Também apertei a mão de um homem de constituição forte, rosto pálido, bigodes pretos, sobrancelhas pesadas e cabelos negros escovados. Prestei-lhe pouca atenção. Ele próprio não disse nada. Não parecia ter importância suficiente para incluí-lo em minha galeria de retratos bolcheviques. Se, então, ele fosse anunciado à assembleia do Partido como sucessor de Lenin, os delegados teriam rido de forma ensurdecedora. O homem era o georgiano Djugashvili, conhecido hoje em todo o mundo como Stalin, o homem de aço.” (Bruce Lockhart, “Memórias de um Agente Britânico”, p. 257)
Precisamos dizer mais?
A relatividade da “perversidade”
Stremlin faz repetidas referências a “novas descobertas” supostamente feitas por “acadêmicos russos” que tiveram acesso aos arquivos soviéticos. Ele escreve: “Os estudiosos recentemente contestaram a acusação de que a ditadura de Stalin tem suas raízes em seus defeitos de caráter causados por abusos em sua infância”. E mais uma vez: “Desde a abertura dos arquivos soviéticos, estudiosos recentes, como Stephen Kotkin, argumentaram que não há nenhuma evidência de que a criação de Stalin fosse particularmente violenta para os padrões da época, ou que Stalin demonstrasse uma marcante perversidade durante os anos da guerra civil (em comparação a Lenin e Trotsky)”.
Ao resvalar em uma comparação com Lenin e Trotsky, Boris Stremlin busca a implicação de que foram eles os responsáveis por uma “marcante perversidade durante os anos da guerra civil”. A que “perversidade” ele está se referindo? Ele não nos diz. Meramente deixa uma dica e nos convida a tirar nossas próprias e sombrias conclusões. Pacifistas e moralistas consideram todas as guerras como meramente uma expressão da “perversidade” humana, na medida em que, nas guerras, se mata. Do ponto de vista da moralidade abstrata, é fácil concordar com tal opinião. Infelizmente, vivemos em um mundo real, não tendo ainda chegado a um estado de beatitude celestial. E, no mundo real, as guerras são um fato da vida, não importando o quanto possamos deplorar tal fato.
As guerras matam pessoas, sabemos disso. Mas nos anais da guerra alguns acontecimentos se destacam como exemplos únicos de barbárie – podendo justificar o uso da palavra perversidade. Consideremos um par de exemplos interessantes. De 13 a 15 de fevereiro de 1945, aviões de bombardeio pesados ingleses (e alguns estadunidenses) lançaram 2.400 toneladas de bombas de alto poder explosivo, e 1.500 toneladas de bombas incendiárias na antiga catedral da cidade-catedral de Dresden, Alemanha. Em apenas poucas horas, cerca de 25 mil a 35 mil civis, homens, mulheres e crianças, foram explodidos ou incinerados.
Victor Gregg era um dos prisioneiros de guerra britânicos em Dresden naquela noite que receberam ordens de ajudar após se dissipar a tempestade de fogo apocalíptica. Sua equipe encontrou mil pessoas em um abrigo antiaéreo na Altstadt. Não havia sobreviventes ou cadáveres: apenas um líquido verde-amarronzado com ossos saindo dele. As pessoas, encolhidas de medo, foram derretidas. Nas áreas mais distantes do centro da cidade, havia legiões de pessoas adultas cujos corpos encolheram a um metro de comprimento. Crianças com menos de três anos simplesmente evaporaram.
Hamburgo havia sido, da mesma forma, destinada às chamas em 25 de julho do ano anterior. Cerca de 9 mil toneladas de bombas explosivas e incendiárias atingiram quase 13 quilômetros quadrados do centro da cidade e o inferno resultante criou um vácuo de oxigênio que provocou um vento incendiário de mais de 240km/h a 800ºC. O número de mortos foi de 37 mil pessoas (em comparação, a bomba atômica em Nagasaki matou 40 mil no primeiro dia).
Isso foi horrível, mas pelo menos Hamburgo, como um porto, tinha alguma importância como alvo militar. Dresden não tinha nenhuma. Essa antiga cidade-catedral não tinha nenhum papel material a desempenhar nos últimos meses da guerra. Então a que propósito estratégico serviu incendiar vivos os seus homens, mulheres, idosos e crianças? Aparentemente, não houve nenhuma perversidade aqui, mas somente a severa necessidade da guerra. Nessa noite, Mr. Churchill foi para a cama e dormiu profundamente.
Em 6 de agosto de 1945, os EUA lançaram uma bomba atômica sobre Hiroshima, Japão. Três dias mais tarde, uma segunda bomba atômica foi lançada sobre a cidade de Nagasaki. As bombas reduziram Hiroshima, com uma população de 350 mil habitantes, e Nagasaki, com 210 mil, a cinzas fumegantes e vaporizaram, pelo menos, 200 mil civis. Mais de 250 mil outras pessoas morreram de envenenamento pela radiação em anos posteriores. De acordo com um dos primeiros médicos a chegar em Hiroshima após a explosão, “um número enorme de cadáveres não identificados foi empilhado e cremado no local. Os feridos e irradiados continuavam a morrer. Dia e noite, em cada canto da cidade, corpos eram empilhados sobre corpos e cremados”. O número real de vítimas nunca será conhecido.
Foram feitas tentativas de justificar esses atos alegando que eles apressaram a rendição do Japão e encurtaram a guerra, salvando as vidas de soldados americanos. Esses argumentos não resistem à menor análise. As vítimas desse horror não eram soldados, mas homens, mulheres e crianças indefesas. Nem Hiroshima nem Nagasaki tinham o menor valor do ponto de vista militar. O objetivo desses ataques era criar uma atmosfera de terror. Esse foi um ato de puro cinismo. Uma equipe civil comissionada por Truman, incluindo John K. Galbraith, entrevistou mais de 400 oficiais estadunidenses e examinou todos os documentos militares japoneses relevantes, informando em julho de 1946:
“Baseada em uma investigação detalhada de todos os fatos e apoiada pelo testemunho de líderes japoneses sobreviventes, a opinião dos pesquisadores é que… o Japão teria se rendido mesmo que as bombas atômicas não fossem lançadas, mesmo que a Rússia não entrasse na guerra e mesmo que nenhuma invasão fosse planejada ou contemplada.” (grifo meu)
O principal objetivo do Presidente Truman era mostrar à União Soviética que os EUA possuíam agora uma nova e poderosa arma. Temos aqui um excelente exemplo da perversidade das grandes políticas do poder. Mas nossos historiadores modernos preferem se debruçar sobre os supostos “excessos” de Lenin e Trotsky na Guerra Civil, quando a Rússia soviética foi invadida por 21 exércitos de intervenção estrangeiros. A Revolução não tinha um exército para se defender. A situação foi salva quando Trotsky construiu o Exército Vermelho, começando do zero, que derrotou os contrarrevolucionários e expulsou os agressores imperialistas.
A verdadeira razão dessa indignação moral fingida não é difícil de ver. Ao longo de mais de 2 mil anos houve muitas revoltas de escravos. Todas foram afogadas em sangue. Depois da derrota de Espártaco pelo exército romano, milhares de escravos foram crucificados ao longo da Via Ápia. Depois da derrota da Comuna de Paris em 1871, 30 mil homens e mulheres da classe trabalhadora foram abatidos pela contrarrevolução. Se isso não é uma perversidade, perguntamos o que é. A razão por que nossos modernos historiadores burgueses não podem perdoar Lenin e Trotsky é o fato de que na Rússia, por uma vez, os escravos se armaram, lutaram e venceram.
O ódio à União Soviética compartilhado por todos cujas carreiras, salários e lucros derivam da ordem existente baseada na renda, nos juros e no lucro não é difícil de entender. Não tem nada a ver com o regime totalitário de Stalin. Os mesmos “amigos da democracia” não tiveram nenhum escrúpulo em elogiar regimes ditatoriais quando convinha aos seus interesses fazê-lo. A “democrática” classe dominante britânica ficou muito feliz ao ver Hitler chegar ao poder, desde que derrubasse os trabalhadores alemães e dirigisse suas atenções para o Leste.
Winston Churchill e outros representantes da classe dominante britânica expressaram fervorosa admiração por Mussolini e Franco até 1939. No período posterior a 1945, as “democracias” ocidentais, em primeiro lugar os EUA, respaldaram ativamente todo tipo de ditadura monstruosa, de Somoza a Pinochet, da junta argentina ao açougueiro indonésio Suharto que subiu ao poder sobre os cadáveres de 1 milhão de pessoas com o apoio ativo da CIA. Os líderes das democracias ocidentais inclinam-se de forma indigna diante do regime encharcado de sangue da Arábia Saudita que tortura, assassina, flagela e crucifica seus próprios cidadãos. A lista dessas barbaridades é infindável.
Do ponto de vista do imperialismo, tais regimes eram e são perfeitamente aceitáveis, desde que se baseiem na propriedade privada da terra, dos bancos e dos grandes monopólios. Sua implacável hostilidade à União Soviética não era, portanto, baseada em qualquer amor à liberdade, mas no desnudo interesse de classe. Eles odiavam a URSS, não pelo que tinha de ruim, mas precisamente pelo que tinha de positivo e progressista. Eles se opuseram não à ditadura de Stalin (pelo contrário, os crimes do stalinismo lhes serviram muito bem como um meio conveniente de denegrir o nome do socialismo no Ocidente), mas às formas de propriedade nacionalizada que foi tudo o que restou das conquistas de Outubro.
O sadismo de Stalin
Stremlin atribui a Trotsky a visão de que “a violência de Stalin foi impulsionada por inseguranças emocionais em relação aos seus superiores em termos intelectuais e espirituais. As políticas stalinistas posteriores que apresentaram grande custo humano – a coletivização e o Grande Terror – foram produto de cálculo moral, não de neuroses ou paranoias”.
Que Stalin era de fato um sádico perverso não pode ser posto em dúvida. Isso se confirma por uma montanha de evidências que nenhuma quantidade de revisionismo histórico pode negar. O principal motivo dos Expurgos foi o de liquidar o Partido Bolchevique, acabar com toda a geração de velhos bolcheviques e, assim, consolidar o domínio da burocracia. Qualquer um que se lembrasse das velhas tradições democráticas e internacionalistas do leninismo era visto como um risco. Como qualquer criminoso comum, Stalin entendia a necessidade de eliminar todas as testemunhas.
Mas também havia um motivo pessoal. Stalin era uma mediocridade que não suportava a comparação com os velhos líderes bolcheviques. Comparado a Bukharin, Kamenev e mesmo a Zinoviev, quanto mais a um gênio como Trotsky, ele era uma nulidade. E sabia disso. Por isso tinha anseios de vingança em relação a toda a geração de velhos bolcheviques. Stalin era um sádico que tinha um interesse pessoal em atormentar suas vítimas. Ele trouxe para Moscou os métodos primitivos da inimizade mortal georgiana, em que não somente os inimigos deviam ser mortos, como também suas famílias. Uma vez ele afirmou: “Não há nada mais doce no mundo do que planejar uma vingança sobre um inimigo, vê-la se realizar e, em seguida, retirar-se pacificamente para a cama”.
Stalin tinha uma receita muito simples para o interrogatório de prisioneiros: “Espancar, espancar e espancar mais uma vez”. No momento dos primeiros processos, o chefe da OGPU-NKVD era Genrykh Yagoda. Ele realizou todas as diretrizes de Stalin, mas não com entusiasmo suficiente para o líder. Stalin ficou furioso porque Yagoda não obteve confissões de Kamenev e Zinoviev do assassinato de Kirov no processo de 1936. Ele o chamou e disse:
“Você trabalha mal, Genrykh Grigorievich. Já sei, de fato, que Kirov foi assassinado sob instruções de Zinoviev e Kamenev, mas até agora você não conseguiu provar isso! Você deve torturá-los até que finalmente falem a verdade e revelem suas conexões.” (Anna Larina, “This I cannot Forget”, p. 94)
Nos campos de concentração de Stalin, milhões de pessoas morriam de fome ou trabalhavam até a morte. Entre 1929 e 1934, a expectativa média de vida era de menos de dois anos. No entanto, o patrão se queixava de que as condições nos campos eram muito cômodas: eram “como balneários”. Stalin comprovava pessoalmente a lista das vítimas e decidia quem iria viver ou morrer. De um total de cerca de 700 mil casos, ele pessoalmente assinou 400 listas, com um total de 40 mil pessoas. Nessas listas estavam os nomes de todos os principais comandante e camaradas de armas de Lenin.
A crueldade de Stalin foi revelada quando seus arquivos foram abertos, mostrando que ele desenhava cartões retratando a tortura de suas futuras vítimas. Boris Ilizarov, historiador e membro da Academia Russa de Ciências, publicou os esboços que Stalin desenhava durante as longas reuniões do Politburo como passatempo. Um desses cartões grotescos, de 1930, retratava o então ministro das finanças, Nicolai Bryukhanov, pendurado em uma corda pelos genitais:
“O esboço foi encontrado com uma nota escrita e assinada por Stalin na qual o tirano não fez nenhum esforço para dissimular o seu prazer com o destino que tinha em mente para Bryukhanov, membro do Politburo durante quatro anos.
“Sob o título ‘Arquivo Especial’, ele dizia: “A todos os membros do Politburo, por todos os seus pecados presentes e futuros, Bryukhanov deve ser pendurado pelas bolas. Se elas o segurarem, ele deve ser considerado inocente como em um tribunal de justiça. Se elas cederem, ele deve ser afogado em um rio.
“Bryukhanov foi executado por ordem de Stalin em 1938 sob acusações falsas. Ele foi reabilitado em 1956, três anos depois da morte de Stalin.” (The Sunday Times, 8 de julho de 2001)
Há algumas circunstâncias dos primeiros anos de vida de Stalin que sugiram certas tendências à vingança, inveja e vestígios de crueldade e sadismo desde a idade mais precoce? Sim, há muitas e os registros foram minuciosamente analisados por Trotsky com grande riqueza de evidências documentais, extraídas de seus arquivos pessoais e de muitas outras fontes, incluindo as memórias de bolcheviques, stalinistas, mencheviques e, particularmente, dos revolucionários georgianos que conheciam intimamente o homem.
Mas estaria correto Stremlin ao dizer que Trotsky atribui os horrores da ditadura stalinista às suas experiências infantis? Isso é simplesmente ridículo. Ou ele não leu o livro ou não entendeu uma só palavra do que leu. Trotsky não sustenta que a ditadura sangrenta de Stalin foi produto de uma infância infeliz, mais do que o regime de Hitler foi produto da sua própria infância infeliz. Tomadas isoladamente, essas tendências não podem ter um significado decisivo.
Nem toda criança que é abusada por um pai alcóolatra se torna um ditador sádico, assim como nem todo artista sem êxito, ressentido por sua rejeição pela sociedade vienense, se torna Adolf Hitler. Para uma transformação dessas ocorrer, grandes acontecimentos históricos e convulsões sociais são necessários. No caso de Hitler, foi o colapso econômico alemão na sequência do crash de Wall Street que lhe proporcionou uma oportunidade para liderar um movimento de massas da pequena burguesia arruinada e do lumpenproletariado desclassificado.
No caso de Stalin, foram o refluxo do movimento que se seguiu à Revolução Russa, a exaustão das massas depois dos grandes esforços da guerra, da Revolução e da guerra civil, e o isolamento da Revolução em condições de atraso e pobreza espantosos que levaram à ascensão de uma burocracia privilegiada. Os milhões de funcionários que empurraram os trabalhadores para o lado se cristalizaram em uma casta privilegiada. Esses arrivistas necessitavam de um Líder que defendesse os seus interesses. Mas esse líder tinha que ser um homem com credenciais revolucionárias – um bolchevique com um sólido pedigree. “Chega o momento, chega o homem”, como se diz. A burocracia soviética encontrou seu representante em Joseph Djugashvili, conhecido por nós como Stalin.
A questão nacional
Stremlin tentou abrir brechas na argumentação de Trotsky, por exemplo, sobre a questão de saber se Stalin de fato foi o autor do livro sobre a questão nacional que foi publicado com o seu nome:
“Nem a afirmação de Trotsky de que a única contribuição teórica de Stalin, ‘O Marxismo e a Questão Nacional’, foi, de fato, escrito por Lenin encontra apoio substancial: hoje o consenso esmagador é de que o livro foi realmente de autoria de Stalin, que, apesar das dúvidas, implementou sua análise no curso do estabelecimento da União Soviética como um multinacional ‘império de ação afirmativa.’”
Sem qualquer tentativa de apoiar-se em fatos, Stremlin se refere vagamente a um suposto “consenso esmagador”. Consenso de quem? Onde? Quando? Ninguém sabe, exceto Stremlin, e isso tampouco é muito seguro. Apesar da afirmação confiante de Stremlin, era de conhecimento generalizado entre os ativistas bolcheviques naquele momento da Revolução que a obra referida foi de fato obra de Lenin (e, em parte, de Bukharin).
Naquela época (1913), Lenin estava vivendo no exílio em Cracóvia, Polônia, e estava quase totalmente absorvido com o seu importante trabalho teórico sobre a questão nacional. Ele estava interessado em fazer com que Stalin, um georgiano, participasse desse trabalho por razões óbvias e lhe deu intensas instruções sobre a questão. Todas as ideias sobre a questão nacional vieram de Lenin. Lenin encorajou Stalin a ir a Viena para obter o material de arquivo necessário ao longo artigo.
Aqui encontramos o primeiro problema. Stalin não conhecia a língua alemã ou qualquer outra língua estrangeira. Mas todo o material que ele necessitava estava em alemão, que ele não podia ler. Teve que confiar em Bukharin, o qual, diferentemente de Stalin, tinha cabeça para a teoria, conhecia idiomas, conhecia a literatura do tema, sabia como usar os documentos. Bukharin, portanto, também deu uma mão na escrita dessa obra, demonstrada também por seu estilo acadêmico e bastante pedante.
Stalin retornou com seu material a Cracóvia. Lenin editou e revisou o trabalho de cima abaixo. Como assinala Trotsky:
“O selo de seu pensamento e os traços de sua pena são prontamente descobertos em cada página. Certas frases, mecanicamente incorporadas pelo autor, ou certas linhas, obviamente escritas pelo editor, parecem inesperadas ou incompreensíveis sem referência às obras correspondentes de Lenin…”
Há um detalhe interessante que certamente suscitaria uma séria dúvida sobre a autoria desta obra. “O marxismo e a questão nacional” não foi incluído em nenhum dos volumes da versão russa das “Obras Escolhidas de Stalin” (“Voprosy Leninizma”), que apareceu em 1926. Isso é muito estranho, visto que era virtualmente a única obra teórica de alguma importância atribuída a Stalin até aquele momento. O trabalho foi finalmente reimpresso como o ensaio principal em uma coleção tópica russa, “Markizm i natsional’no-kolonial’nyi vopros”, e sua tradução inglesa publicada no ano seguinte.
Stremlin se contradiz da forma mais flagrante quando afirma que “o livro foi realmente de autoria de Stalin, que, apesar das dúvidas, realizou sua análise no curso do estabelecimento da União Soviética”. Se Stalin fosse realmente o autor deste livro, por que ele teria alguma dúvida sobre o seu conteúdo? Quais eram as misteriosas dúvidas que supostamente Stalin teve sobre o que se supunha serem suas próprias ideias? Mas uma vez, Boris nos deixa no escuro.
A verdade é que as ideias que são (mais ou menos corretamente) expressas em “O marxismo e a questão nacional” eram 100% ideias de Lenin. Stalin tinha uma pobre compreensão do marxismo em geral e das ideias de Lenin em particular. Ao aceitar de má vontade a autoridade política de Lenin, ele nunca realmente aceitou essas ideias. Essa é a explicação de suas “dúvidas” quanto à posição de Lenin sobre a questão nacional – e em muitas outras questões além dessa.
Um fato que Boris Stremlin evita vigorosamente mencionar é que Lenin rompeu com Stalin precisamente sobre a questão nacional. Durante sua doença final, Lenin tomou conhecimento de sérios desvios na liderança do Partido. Apesar dos árduos esforços de Stalin para isolá-lo da realidade, Lenin soube da conduta escandalosa de Stalin e seus aliados, Dzerzhinsky e Ordzhonikidze, na Geórgia. Utilizando métodos burocráticos, eles pisotearam os sentimentos nacionais do povo e oprimiram os bolcheviques georgianos, inclusive utilizando a violência física contra líderes do Partido.
Quando Lenin descobriu isso ficou furioso e exigiu a expulsão de Ordzhonikidze, sicário de Stalin, do Partido. Ele escreveu uma nota dirigida a Mdivani, líder do Partido Comunista Georgiano, prometendo aos bolcheviques georgianos seu pleno apoio contra Stalin, Dzerzhinsky e Ordzhonikidze. Em seu leito de morte, Lenin estava preparando uma luta contra Stalin (sua secretária disse: “Vladimir Ilyich está preparando uma bomba para Stalin”) e formou um bloco com Trotsky.
Mas logo depois disso a saúde de Lenin subitamente se deteriorou, tornando impossível para ele comparecer ao Congresso do Partido. Isso mudou o curso da história.
Secretário-geral
Stremlin assevera que:
“Lenin criou o poderoso cargo de secretário-geral do partido especialmente para Stalin no momento em que adoeceu cronicamente e, embora tenha mantido Trotsky no cobiçado cargo de gerente econômico superior, isso sugere que a avaliação de Trotsky sobre o status de Stalin deve ser levada em consideração com um grão de sal.”
Isso é falso do começo ao fim. Para começar, durante a vida de Lenin o posto de secretário-geral não era absolutamente o tipo de posição de liderança que Stremlin imagina. De fato, era um posto organizacional que, sem dúvida, tinha certa importância, mas não era de forma alguma uma posição política de liderança. O fato de que o próprio Lenin nunca tenha ocupado esta posição é suficientemente eloquente a esse respeito.
Longe de criar esse posto especialmente para Stalin, Lenin se opôs a que Stalin o assumisse, comentando que “esse cozinheiro somente servirá pratos apimentados”. Finalmente, ele cedeu sob a pressão de Zinoviev que estava tentando formar um bloco com Stalin contra Trotsky. Mas suas dúvidas sobre Stalin se tornaram mais fortes quando tomou conhecimento das intrigas e manobras deste último, levando a um rompimento final em 1923, quando Lenin em suas últimas cartas, que se tornaram conhecidas como o Testamento Suprimido, exigiu a remoção de Stalin como secretário-geral, acusando-o de descortesia e deslealdade.
Em sua última carta, Lenin rompeu todas as relações pessoais e de camaradagem com Stalin. Não conheço qualquer outro exemplo de Lenin dando um passo tão drástico. Apesar das demandas urgentes da viúva de Lenin, Krupskaya, Stalin e seus apaniguados se recusaram a entregar o Testamento ao Partido. Durante décadas ele permaneceu escondido nos arquivos do Partido, até que em 1956 Nikita Khrushchev o trouxe à luz como parte de sua campanha de “desestalinização”.
Incrivelmente, Stremlin tenta lançar dúvidas sobre a autenticidade do testamento de Lenin. Com esse propósito, ele recorre à sua fonte usual: os chamados “estudiosos” da Rússia de Putin, que fizeram carreira lucrativa caluniando os velhos bolcheviques:
“O estudioso russo Valentin Sakharov sugeriu que o famoso ‘testamento’ de Lenin de 1923, no qual ele recomendava a remoção de Stalin por ser demasiado grosseiro, pode ter sido escrito pela esposa de Lenin, Nadezhda Krupskaya, visto que Lenin já estava demasiado incapacitado naquele momento.”
Francamente, é assombroso que Stremlin repita a repugnante calúnia, posta em circulação pela primeira vez pelos stalinistas nos anos 1920, de que a viúva e fiel camarada de Lenin, Nadezhda Krupskaya, tenha inventado o testamento. Este é mais um exemplo das profundezas a que os “modernos eruditos russos” estão dispostos a mergulhar em suas tentativas repulsivas de restaurar a imagem de Stalin e assim favorecer a Putin, à gang do Kremlin e à oligarquia cujos interesses defendem.
Observemos que o “acadêmico” Sakharov cobre sua retaguarda usando as astutas palavras “pode ter sido”. Essa fuga covarde é o que basta para expor um método desonesto e inescrupuloso. Krupskaya, que dedicou toda a sua vida ao serviço desinteressado de Lenin e do Partido Bolchevique, nunca o trairia em seu leito de morte de uma forma tão vil como insinuado por Sakharov. Mas este último não tem absolutamente nenhum escrúpulo em trair a verdade histórica para os seus próprios e cínicos propósitos. E não há nada de “pode ter sido” sobre isso.
Como se sentisse vergonha de sua própria fonte, Stremlin abre a próxima frase com uma tímida reserva: “Mesmo que Sakharov esteja errado…”. Mas esse método dificilmente é satisfatório. Primeiro ele cita Sakharov, considerando-o como um “erudito russo” e, portanto, como um homem de qualificações ilustres e indiscutíveis (ou seja, um homem em que se deve acreditar). A citação, no entanto, resulta ser uma peça completamente inútil de especulação (“pode ter sido”) sem uma pisca de evidência para apoiá-la. Portanto, Boris deixa uma pista de que seu ilustre e indiscutível “erudito russo” pode estar errado.
No comércio, isso se chama liquidar todo o estoque de uma só vez. Uma vez que a calúnia de Sakharov foi lançada (a partir de uma fonte absolutamente irrepreensível) e claramente introduzida na mente do leitor como um fato (“O testamento de Leni foi realmente uma falsificação de sua viúva!”), pode-se então afastar-se silenciosamente da declaração como se nunca tivesse sido feita. É como uma criança que lança uma pedra e em seguida esconde as mãos atrás das costas.
Socialismo em um só país
O fracasso de Stremlin em entender o que Trotsky defendia está exposto na declaração de que “a liderança bolchevique, junto com Trotsky, estava menos preocupada em controlar Stalin do que em perseguir o sonho de fomentar uma revolução na Alemanha”. Isso vai ao cerne de toda a questão. A principal causa da degeneração burocrática do estado soviético foi o isolamento da revolução em condições de atraso extremo. Há muito Marx escreveu em “A Ideologia Alemã” que, onde a pobreza é generalizada, “toda a velha escória vem à tona”. Com isso ele se referia aos males da desigualdade, da corrupção, da burocracia e do privilégio.
“De forma similar, contra Trotsky, que considera a proposta de Stalin de construir o socialismo em um só país como uma distorção risível do marxismo, a ligação fundamental de Stalin entre revolução e guerra serviu como fundamento da geopolítica soviética.”
Essas são as palavras de Boris Stremlin. Mas qual era o significado real da teoria do socialismo em um só país?
Até 1924, foi aceito por todos os bolcheviques que as condições materiais para o socialismo estavam ausentes na Rússia. A ideia de socialismo em um só país apareceu pela primeira vez em 1924 – depois da morte de Lenin. Isso não foi acidental. Essa noção é tão alheia ao marxismo que Stalin nunca teria se atrevido a publicá-la com Lenin vivo. De fato, ele discordou disso em dezenas de discursos e artigos. Lenin e Trotsky sabiam muito bem que as condições materiais para o socialismo estavam ausentes na Rússia. Antes de 1924, ninguém questionou essa proposição elementar. Os bolcheviques se baseavam na perspectiva da extensão da revolução aos países capitalistas avançados da Europa, particularmente a Alemanha. Se a revolução alemã tivesse êxito – o que poderia ter ocorrido em 1923 – toda a situação na Rússia teria sido diferente.
Com base em uma federação socialista, unindo o colossal potencial produtivo da Alemanha às imensas reservas de matérias-primas e mão-de-obra da Rússia, as condições materiais das massas teriam sido transformadas. Sob tais condições, a ascensão da burocracia teria sido interrompida e a facção de Stalin não seria capaz de tomar o poder. O moral da classe trabalhadora soviética teria sido impulsionado e sua fé na revolução mundial restaurada.
Devemos lembrar que, no período de 1923 a 1929, o processo de degeneração burocrática ainda não tinha se consolidado. Esse fato se refletia na série de ziguezagues que caracterizaram as políticas de Stalin e de sua facção tanto internamente quanto na política exterior durante este período. Entre 1923 e 1928, Stalin adotou a política da direita, caracterizada pela adaptação aos kulaks (camponeses ricos) e aos Nepmen (especuladores) na Rússia, e uma adaptação aos reformistas e à burguesia colonial na política externa. Isso colocou a Revolução em grave perigo. Internamente, incentivou os kulaks e outros elementos burgueses à custa dos trabalhadores. Externamente, levou a Internacional Comunista a uma derrota após outra.
Não é que Stalin tenha organizado conscientemente a derrota da Revolução Alemã de 1923 ou a da Revolução Chinesa entre 1923 1927. Pelo contrário, ele desejava o êxito dessas revoluções. Mas as políticas oportunistas de direita que ele impôs à Internacional Comunista em nome do “Socialismo em um só país” garantiram a derrota em todos os casos.
Dialeticamente, a causa se transforma em efeito e vice-versa. O isolamento da Revolução Russa foi a principal causa da ascensão da burocracia e da facção de Stalin. As falsas políticas deste último produziram a derrota das revoluções alemã e chinesa (e outras derrotas na Estônia, Bulgária, Grã-Bretanha etc.). Essas derrotas isolaram ainda mais a Revolução e causaram uma profunda desmoralização nos trabalhadores soviéticos, que perderam toda esperança de que os trabalhadores europeus viessem em sua ajuda.
Isso levou à consolidação da burocracia e do stalinismo, que era apenas a expressão política dos interesses materiais da burocracia. Isso, por sua vez, levou a novas derrotas da revolução internacional (Alemanha, Espanha), que prepararam o terreno para a 2ª Guerra Mundial, que colocou a URSS em extremo perigo.
O socialismo é o futuro!
Finalmente chegamos à essência da questão. No final de seu artigo, Boris Stremlin faz uma pergunta muito pertinente: “A recolha dessas velhas brigas tem alguma relevância contemporânea?”. E ele responde como se segue:
“Entramos agora em um período de instabilidade política e econômica em que as principais forças políticas se enfraqueceram muito. As ansiedades com relação à polarização socioeconômica estão em ascensão, enquanto as ideias socialistas estão experimentando um período de renascimento entre a juventude depois de terem sido consignadas ao monte de cinzas da história na sequência do colapso soviético. Alguns políticos, incluindo Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha e Jean-Luc Mélenchon na França, com raízes na tradição trotskista, ganharam proeminência ultimamente, embora ainda seja difícil falar no trotskismo como uma força na política global. Enquanto isso, esse levantamento insurgente denota um retrocesso na capacidade do bloco de estados desenvolvidos do Ocidente para manter seu monopólio sobre a gestão dos assuntos mundiais.”
Desde a crise de 2008, o equilíbrio político e social foi destruído. A razão fundamental para isso é que a crise de 2008 foi completamente diferente de qualquer outra crise, não é uma crise cíclica normal, mas um reflexo da crise orgânica do capitalismo. Antes de 2008, o capitalismo não somente havia alcançado os seus limites, como também foi além de seus limites. A crise foi um reflexo desse fato. Agora todo o processo entrou no sentido inverso. E milhões de pessoas estão se tornando conscientes da necessidade de uma mudança fundamental na sociedade.
As massas estão descontentes com as condições existentes, com a sociedade existente e com a política existente. Isso se pode ver em todos os lugares – do Paquistão à França, do Brasil à Grã-Bretanha. Na Grã-Bretanha, vemos a ascensão de Jeremy Corbyn e na França o apoio a Mélenchon. Mesmo nos EUA pode-se ver isso, embora expresso de forma distorcida e reacionária. A vitória de Donald Trump significou um voto em massa de não confiança na velha configuração política. Trump prometeu uma mudança, embora naturalmente não será nenhuma mudança real. Mas o apoio a Bernie Sanders revelou um enorme apoio potencial às ideias socialistas no mais poderoso país capitalista do mundo.
Tudo isso é motivo de preocupação para a classe dominante e seus defensores ideológicos como Boris Stremlin. Ele está certo em se preocupar. O sistema capitalista está em crise em todos os lugares. Há muito perdeu qualquer direito de existência que alguma vez tenha tido. O futuro pertence ao socialismo e as ideias mais avançadas e relevantes de nossa época são as ideias de Marx, Engels, Lenin e desse grande revolucionário e mártir da classe trabalhadora, Leon Trotsky.
O que Stremlin chama de “recolha dessas velhas brigas” nós chamamos de aprender as lições da história. E, como o filósofo estadunidense George Santayana disse uma vez: aquele que não aprende da história estará condenado a repeti-la. Deixemos os defensores ideológicos do capitalismo lamentar e reclamar. Permanecemos extremamente confiantes na vitória final do socialismo. O futuro será nosso!
Publicado em 11 de julho de 2017, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “The truth about Stalin and Trotsky- A reply to Boris Stremlin“.
Tradução Fabiano Leite.