Nas últimas semanas, houve uma crescente ofensiva da classe dominante colombiana contra o governo de Gustavo Petro. Alguns chegaram a falar do risco de um golpe, como o que derrubou Pedro Castillo no Peru, em dezembro do ano passado. Em 7 de junho, milhares de trabalhadores, camponeses e jovens saíram às ruas para defender as reformas propostas por Petro. O camarada Galeano – da Colômbia Marxista, seção da CMI na Colômbia – faz um balanço desses eventos.
Já se passaram nove meses desde que Gustavo Petro foi eleito o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia. Ao longo desse período, a coalizão do Pacto Histórico que Petro liderou em sua ascensão à presidência, se viu envolvida em uma luta para promover as reformas prometidas em seu programa de campanha dentro de um congresso dividido, onde não detém a maioria. Enquanto isso, se prepara para as eleições regionais de outubro, nas quais serão eleitos prefeitos e governadores de departamentos.
Ao longo de tudo isso, as forças conservadoras reacionárias que estavam por trás dos ex-presidentes Álvaro Uribe e Iván Duque, tentaram se reagrupar e minar a credibilidade do governo de Petro. Eles o fizeram por meio de uma campanha de calúnias e escândalos, que divulgaram em seus jornais, estações de rádio, canais de notícias e plataformas de mídia social.
Isso está construindo um confronto entre os que estão por trás de Petro, dispostos a lutar por reformas trabalhistas, do sistema de saúde e previdenciárias (entre outras), e aqueles que lutam para defender os privilégios e riquezas que a oligarquia acumulou durante décadas.
A primeira mudança de gabinete
Os objetivos de Petro ao longo do primeiro ano de seu mandato eram aprovar as reformas que propôs em seu programa de campanha e defender seu mandato, apoiando-se nos 11 milhões de votos que obteve nas eleições presidenciais. Para tanto, construiu uma frente popular composta por sua própria coalizão Pacto Histórico e partidos burgueses, como o Partido Liberal, o Partido Verde e o Partido de la U (Partido da União pelo Povo). No entanto, ele está encontrando dificuldades para fazer qualquer uma das reformas que prometeu iniciar.
Isso levou a duas grandes mudanças em seu gabinete. A primeira, em 28 de fevereiro, levou à demissão três ministros. Entre estas demissões incluía-se a de seu ministro da Educação, Alejandro Gaviria, que foi seu rival pela presidência. A inclusão de Gaviria em seu primeiro gabinete representou um exemplo de Petro tentando construir uma “equipe de rivais”, o que amenizaria os temores da oposição ao construir um gabinete com membros de diferentes tendências políticas. Assim, Petro esperava lançar reformas que tentassem ajudar a classe trabalhadora, enquanto mantinha felizes os latifundiários e a burguesia.
A demissão de Gaviria foi motivada pela oposição deste último à reforma da saúde proposta pela ministra da Saúde de Petro, Carolina Corcho. A oposição de Gaviria à reforma tornou-se pública, quando um documento detalhando suas objeções vazou. É provável que o próprio Gaviria tenha vazado o documento para se distanciar da reforma. Em suas próprias palavras, citadas do referido documento:
“Parece insinuar que todos ou a maioria dos problemas têm origem na administração (privada ou não pública) do sistema. Como se a eliminação das EPSs [seguradoras privadas, conhecidas como Empresas Promotoras de Saúde] fosse uma solução para os problemas de insustentabilidade financeira, corrupção e desigualdades territoriais. Este não é o caso. Problemas financeiros existem em todos os sistemas de saúde. Os sistemas públicos europeus estão à beira da falência”. (Destaque do autor)
Para Gaviria, ex-ministro da saúde no governo de José Manoel Santos Calderón, uma reforma da saúde que atacasse diretamente os privilégios e a riqueza dos negociantes da saúde era um anátema para seus princípios. Devemos perguntar, então: por que ele foi nomeado para o gabinete de uma presidência que propôs exatamente isso? Para tentar ganhar legitimidade pública como um governo para todos os setores da sociedade, naturalmente.
Na prática, porém, a burguesia e os latifundiários têm mais peso nesse governo do que a classe trabalhadora que votou nele. Vemos isso na virada que a reforma da saúde tomou desde fevereiro. A proposta de um sistema de saúde pública que concorresse diretamente com as seguradoras privadas (ela própria uma reforma branda no contexto de um sistema de saúde que lida com um enorme atraso) foi diluída para apaziguar as seguradoras e seus patrocinadores no Congresso e na mídia.
A segunda mudança de gabinete
Porém, o maior abalo veio logo no final de abril, quando Petro demitiu seis ministros de seu gabinete, entre eles Carolina Corcho e José Antonio Ocampo, este último, seu ministro da Fazenda, e uma das posições mais importantes na tentativa de amenizar os temores da classe dominante internacional, quando ele chegou à presidência. Essa mudança foi seguida por uma grande participação no Dia do Trabalhador, quando Petro fez um discurso da sacada da Casa de Nariño.
Durante o discurso, apelou ao setor empresarial para aceitar as reformas que estava propondo e alertou, “se as reformas que o governo propõe forem frustradas, pode haver uma revolução”. Isso diante de uma Plaza de Armas repleta de milhares de pessoas. Ele também deixou claro que as reformas exigirão uma mobilização massiva da população para pressionar o Congresso a aprová-las.
Sobre isso, certamente devemos concordar com o presidente. Mas também devemos notar que essa remodelação ministerial demonstrou, mais uma vez, sua tendência a tentar jogar pelos dois lados. Ao mesmo tempo em que afastava Ocampo e Cecilia López (a ministra liberal da agricultura), também afastou elementos mais radicais como a já mencionada Carolina Corcho.
Quem os substituiu? Ricardo Bonilla, o novo ministro das finanças (e secretário de finanças de Petro durante seu mandato como prefeito de Bogotá), que afirmou que pretende continuar o programa de Ocampo de tentar administrar o capitalismo. O novo ministro da saúde, Guillermo Jaramillo, declarou à revista Semana que a reforma da saúde foi mitigada em “muito mais de 50%”, e que é uma reforma em que “o sistema [ainda] terá uma aliança entre os setores privado e público, trabalhando juntos”.
Em outras palavras, Petro ainda está buscando dar legitimidade ao sistema capitalista, tentando encontrar uma forma “responsável” de administrar a exploração da classe trabalhadora e a anarquia do livre mercado, enquanto tenta satisfazer os trabalhadores com a perspectiva de um ligeiro aumento de seus salários sociais. No entanto, o caminho para o inferno está cheio de boas intenções. Nesse caso, um sistema misto colocará o setor privado em prejuízo, e eles lutarão com afinco para recuperar esse prejuízo, usando todos e quaisquer meios: seja evitando bloquear completamente essas reformas, seja implementando medidas de austeridade, uma vez que percebam que a classe trabalhadora foi pacificada.
A “imprensa livre” da oligarquia
A paralisação das reformas e escândalos recentes levaram alguma desilusão com relação a Petro. Sua taxa de aprovação caiu de 50% em outubro, para 33,8% em maio, de acordo com uma pesquisa recente do Invamer. A mesma pesquisa também pergunta como os entrevistados acham que o país está indo, com 70% afirmando que o país está indo por um caminho ruim e 31,6% declarando que a economia é sua principal preocupação. Não apenas isso, as próprias reformas desfrutam de apenas 32% de aprovação.
Essas pesquisas devem ser tomadas com uma pitada de prudência, no entanto. Entre os casos envolvendo Nicolas Petro (filho de Petro) embolsando doações financeiras de traficantes, e sua chefe de gabinete, Laura Sarabia, forçando sua empregada a fazer um teste de polígrafo, quando uma maleta, contendo 7.000.000.000 COP (equivalente a $ 1.588.314), desapareceu. A mídia tem usado de todas as oportunidades para minar a credibilidade de Petro junto ao público. Mas é importante notar que nenhum desses casos envolve o próprio presidente, independente da tentativa de Semana de afirmar que o dinheiro era de Petro, sem qualquer prova além de uma fonte anônima.
Os laços entre a mídia e a oligarquia são bem conhecidos. A Semana, por exemplo, é comandada por Vicky Dávila, casada com José Amiro Gnecco, membro de uma das maiores famílias de traficantes do Caribe. Os Gneccos também alavancaram sua renda criminosa com influência política direta no Departamento de Cesar (norte da Colômbia). Da mesma forma, a própria Semana pertence à família Gilinski, proprietária da Nutresa (um conglomerado de processamento de alimentos avaliado em US$ 3 bilhões). El Tiempo, o jornal mais antigo do país, era de propriedade da família Santos (com o ex-presidente Juan Manuel Santos sendo um de seus ex-diretores) e depois foi vendido para Luis Sarmiento Angulo, o homem mais rico do país.
É bastante revelador que, enquanto Petro está sendo implicitamente acusado de corrupção, devido às ações de sua equipe e família, por gente como a que compõe a revista Semana, que lidera a caça às bruxas contra ele, a mesma revista defende Uribe e sua família, na sequência das confissões de Salvatore Mancuso (ex-comandante paramilitar), nas quais este deixou claro seus vínculos com o governo de Uribe, por meio de seu governo e presidência.
Nada disso deve ser lido como uma defesa do governo Petro. É muito possível que seu governo tenha vínculos com latifundiários e grandes empresários, por sua própria natureza de governo capitalista, o que envolve sua participação direta. Também não se pode ignorar o fato de que Petro conseguiu o apoio de pessoas envolvidas com os paramilitares. No entanto, deve-se notar que esses jornalistas estão levantando objeções ao governo de Petro que nunca teriam levantado contra Santos ou Uribe. A razão para isso é clara: Petro está apresentando um programa político que ameaça seus lucros, mesmo que moderadamente. Os outros não o fizeram.
Crescimento econômico?
Nos últimos nove meses, a Colômbia passou de uma das moedas mais desvalorizadas da América Latina, para uma recuperação ao nível da época da posse de Petro. Os altos e baixos do peso [moeda colombiana] tiveram muito a ver com os temores do mercado mundial, em relação às reformas de Petro. No entanto, o peso agora está subindo, graças aos aumentos das taxas de juros do Federal Reserve dos EUA, bem como por conta do Banco de la República, seguindo a mesma política. O desemprego caiu para 10% e os salários reais subiram 4 pontos percentuais, segundo Petro.
Essa recuperação, combinada com a natureza histórica do governo de Petro, como o primeiro governo de esquerda “progressista” da história do país, pode ganhar algum tempo. Mas essa recuperação não pode ter tendência ascendente indefinida. O Departamento Administrativo Nacional de Estatística (Dane) espera que o crescimento do PIB caia para 3% este ano, em relação ao crescimento de 8% que vimos em 2021 (que ocorreu devido a uma queda de 7% durante a pandemia).
Enquanto o desemprego e a inflação estão caindo, os salários nominais ainda não estão subindo em um país onde, antes dos eventos insurrecionais de 2021, o salário-mínimo era de apenas um terço do custo de vida. Quase 40% das pessoas são incapazes de arcar com o custo de vida do dia a dia. Os serviços de saúde ainda sofrem grandes atrasos devido à incapacidade de oferecer serviços especializados fora das cidades (com mais de 109.825 ações judiciais movidas contra seguradoras, para conseguir atendimentos imediatos),l. A educação ainda tem um custo proibitivo com um aumento de 8,9% nos preços das mensalidades até o segundo semestre de 2022.
Nessas circunstâncias, podemos nos perguntar para onde irá todo esse crescimento e a quem ele realmente beneficiará. Afinal, o Grupo Sura (uma das maiores seguradoras de saúde) registra US$ 103 milhões em lucros, e nenhuma das dez maiores corporações do país registrou prejuízos, apesar da inflação estar derrubando suas vendas. Vemos o mesmo fenômeno chamado de “avareza” que temos em outras partes do mundo, apesar de algumas corporações do setor de alimentos anunciarem “preços mais baixos” por instigação do governo Petro, tentando conter a inflação – algo que, apesar dos anúncios, provou ser totalmente ilusório.
Nessas circunstâncias, não é surpresa que o governo de Petro tenha perdido parte do apoio entre os jovens que o levaram ao poder, tanto durante a insurreição do paro nacional de 2021, quanto nas eleições de 2022. A perspectiva keynesiana do Pacto Histórico é que suas fortunas podem ser transformadas, usando o Estado como um grande aparato de redistribuição econômica. Mas o tempo está se esgotando e uma cascata de questões está sendo preparada para as massas, na saúde, na habitação, na pobreza e muito mais. A questão é: o que farão os trabalhadores, camponeses e jovens diante de todas essas questões, enquanto são chamados a esperar que as reformas passem pelo Congresso e entrem em fase de realização?
Reforma ou revolução
As marchas convocadas por Petro em 7 de junho para defender suas propostas de reforma revelaram como, nem os escândalos fabricados, nem a crise econômica, aplacaram o desejo das pessoas por mudanças reais que combatam a desigualdade neste país. Houve mobilizações em 200 cidades de 30 departamentos, segundo Petro. Enquanto a polícia afirma que havia apenas 20.000 pessoas marchando em todo o país, o fato é que só a Plaza de Bólivar, em Bogotá, estava lotada e pôde acomodar até 55.000 pessoas.
As tarefas dos marxistas neste momento são claras: devemos lutar ombro a ombro com o restante de nossa classe para tentar obter essas reformas. Reformas progressistas na saúde, na educação e nas pensões seriam grandes conquistas para uma classe trabalhadora e um campesinato, que foram submetidos à repressão e exploração sem fim, por décadas, nas mãos dos leais lacaios de Washington. As massas veem no governo do Petro uma oportunidade de romper com esse passado.
Mas devemos ser claros sobre os limites das reformas. O programa político de Petro é de reformismo capitalista. A classe dominante não renunciará a sua riqueza e privilégios mais do que o necessário para manter a estabilidade social. E nem todas as alas da classe dominante estão de acordo sobre quanto devem dar para se manterem no poder. Mais importante ainda, há uma clara tendência de aumento da mobilização, com marchas em fevereiro, maio e junho, todas apresentando maior comparecimento a cada vez. É claro que a classe trabalhadora não vacilará nessa luta, a menos que a liderança lhe dê motivos.
No entanto, os trabalhadores e a juventude da Colômbia ainda têm muitas ilusões em Petro e no Pacto Histórico, devido ao seu significado histórico como primeiro governo de esquerda, rompendo com décadas de presidentes, diretamente nos bolsos das multinacionais, dos paramilitares e do narcotráfico. A questão é: até quando durarão essas ilusões, enquanto este governo continua tentando a tarefa impossível de conciliar os interesses dos trabalhadores e da oligarquia?
Os melhores elementos começam a ver os limites dessas reformas e que a luta contra a oligarquia exigirá uma posição intransigente de independência de classe. Eles reconhecem que o verdadeiro freio do Pacto Histórico não é a falta de comprometimento de sua base, que continua aparecendo quando convocada, mas uma liderança que tem laços profundos com o establishment. As fileiras são precisamente as pessoas que precisamos alcançar e conquistar.
Nisso, a imprensa revolucionária tem um papel vital a desempenhar. Os maiores jornais e meios de comunicação do país são a voz de uma oligarquia que deseja, desesperadamente, poder voltar o relógio para antes de 2021, onde poderia impor salários criminosamente baixos e semanas de trabalho de seis dias com impunidade. Todos reconhecem que, sob o véu da objetividade, a maioria dos jornalistas são fundamentalmente defensores do status quo. É de suma importância um jornal próprio que nos permita mostrar a realidade da classe trabalhadora e suas lutas, e que responda, tanto ao programa de conciliação de classes proposto por Petro, quanto à política reacionária da oligarquia.
A toda e qualquer reforma proposta pelos parlamentares do Pacto Histórico, devemos contrapor reivindicações genuinamente revolucionárias e pressionar a direção do primeiro a não aceitar concessões. Devemos também ajudar a mobilizar o povo nas ruas para vencer a oposição no Congresso, ao mesmo tempo em que conquistamos as fileiras dos sindicatos para organizar greves que possam obrigar os senadores e deputados da oposição a votar a favor de reformas radicais, para evitar prejuízos para os seus verdadeiros patrões nas C-suites de Nutresa, Sura, EPM etc. É somente por meio desses métodos que a classe trabalhadora pode realmente empregar sua força considerável. As demandas econômicas por melhores cuidados de saúde e pensões devem estar ligadas a uma luta política que reconheça que a classe dominante não concederá nada disso sem lutar, e que usará seu poder político para impedir essas reformas.
Acima de tudo, os marxistas devem apresentar um programa revolucionário que explique que, enquanto a classe dominante estiver no controle dos altos comandos da economia (incluindo os conglomerados de seguros de saúde, os fundos de pensão privados, que permitem aos bancos especular com os “fundos de aposentadoria” dos trabalhadores etc.), nenhuma dessas demandas econômicas pode ser totalmente atendida. Somente a classe trabalhadora, liderando o campesinato, a juventude e as camadas oprimidas da sociedade, pode liderar um programa massivo de expropriações que garanta saúde, educação, moradia, emprego e sustento para todos.
As bases do Pacto Histórico devem ser mobilizadas para essa tarefa, para conquistar trabalhadores, camponeses e jovens em cada um dos sindicatos, comitês camponeses e conselhos estudantis em que atuam. Os marxistas devem desempenhar um papel ativo na conquista dos melhores elementos das bases desta organização. Neste momento, eles representam os elementos mais inovadores da classe trabalhadora colombiana. Os marxistas devem avançar para a adoção de um claro programa socialista e revolucionário que desafie o poder da oligarquia colombiana, que anseia por um retorno aos “bons velhos tempos” quando os militantes de esquerda eram sequestrados, assassinados e expulsos da vida política. Percorremos um longo caminho desde aqueles dias. Mas devemos continuar avançando se almejarmos a vitória.