Os militantes da Esquerda Marxista estiveram reunidos neste fim de semana, dias 2 e 3 de julho, em sua conferência nacional. Confira aqui as resoluções aprovadas. A preparação ocorreu a partir de um informe político do Comitê Central distribuído em março a todos os camaradas e amplamente discutido pelas células em boletins internos. O evento foi convocado para armar o conjunto da militância na nova situação da luta de classes, marcada pela Guerra na Ucrânia e pela canalização para a via eleitoral do movimento pela derrubada do governo Bolsonaro.
Em seu início, um vídeo foi transmitido para encontros regionais conectados nacional e virtualmente por videoconferência. Foram relacionados passado e presente da luta do proletariado por sua emancipação, começando com referências a Marx e Engels, à Associação Internacional dos Trabalhadores, à Primavera dos Povos de 1848 e ao movimento Fora Bolsonaro. A trilha sonora da abertura foi “A Internacional”, com letra do membro da Comuna de Paris Eugéne Pottier, mas interpretada em ritmos latino-americanos e caribenhos. Esse formato híbrido da conferência marcou o esforço da organização em retomar o pleno funcionamento presencial, depois de dois anos atuando centralmente em circunstâncias virtuais.
Guerra de Classes
Uma primeira exposição política foi apresentada por Fred Weston, representante do Secretariado Internacional da Corrente Marxista Internacional (CMI). A primeira ideia frisada foi a de que vivemos em tempos turbulentos. Esse traço da situação se manifesta pela mudança no estado de confiança dos burgueses de 1991 para os dias de hoje. Há 30 anos os porta-vozes da classe dominante declaravam que o “mercado triunfou” e a “história acabou”. Hoje estão pessimistas sobre o presente e o futuro, e alguns de seus jornais anunciam em manchetes de capa: “WAR CLASS” (“Guerra de Classes”).
Acontece que essa mesma variação de percepção se observa também nas amplas massas pelo mundo. A mobilização das mulheres nos últimos anos foi citada por Fred como um exemplo, com sua atividade pelo direito ao aborto e contra diversas formas da violência machista sofrida cotidianamente. Outro caso representativo trazido à discussão foi a maior greve dos ferroviários britânicos dos últimos 30 anos, assistida com ansiedade por diversos outros setores do movimento operário que têm se radicalizado.
O ponto em comum sob o qual mobilizações pelo mundo todo tem se realizado tem nome, segundo Fred. Trata-se da inflação. Esse tem sido o ponto de concentração no momento das diversas e enormes contradições econômicas e sociais do capitalismo. Porém, Fred também explicou que esse quadro de agravamento da crise é marcado por outras características. Uma dessas é a intensificação do conflito entre as frações da burguesia internacional, como observado na Guerra da Ucrânia e nas tensões políticas no Oceano Pacífico entre a China e os EUA.
Entre as massas trabalhadoras, Fred destacou que o efeito desse cenário tem um traço importante com o avanço da fome. A falta de alimentação, a desnutrição e a subnutrição não se trata mais de uma exclusividade de países latino-americanos e africanos. A fome tem se alastrado também entre a classe trabalhadora dos países dominantes da Europa, como no caso da Alemanha, explicado pela camarada alemã Rosa Carolina em sua saudação à conferência.
Como consequência, a quantidade de sofrimentos e opressões das massas vai se convertendo numa mudança do eixo de preocupações dos trabalhadores. Isso faz com que haja um aquecimento da luta de classes por todo o mundo capitalista, que cada vez mais se converte em processos de radicalização com expressões nas ruas, nas eleições e nos sindicatos. Essa conjuntura se conecta diretamente com a instabilidade política experimentada pelos governos burgueses de todo o mundo, tanto em casos como o governo de Macron na França, quanto em casos como o do governo de Lasso no Equador.
Consciência de classe
Já a situação brasileira foi analisada pela conferência a partir da análise exposta pelo Secretário Geral da Esquerda Marxista, Serge Goulart. O camarada explicou que a crise do capitalismo brasileiro se trata da continuidade da crise do capitalismo internacional. A primeira consequência enfatizada por Serge foi uma profunda desagregação política e social na sociedade, expressão da marcha para a barbárie em que se converteu a promessa de esperança dos governos capitalistas sobre seu regime social.
A situação se agrava pela orientação política de colaboração de classes praticada pelas organizações que dirigem a maioria dos setores organizados da classe trabalhadora. Citando Lula, PT, PCdoB, PSOL e CUT, Serge explicou que o agravamento da crise do capitalismo provoca um salto de qualidade em suas orientações. Isso se manifesta pela dissolução do caráter de classe dos partidos e sindicatos, exemplificado pela formação de federações com partidos burgueses por PT, PCdoB e PSOL, e pela medida em discussão na CUT de abrir a central para organizações policlassistas. O sentido político dessas e de outras medidas é um movimento pela dissolução da consciência de classe dos trabalhadores brasileiros.
Esse efeito se manifestou na palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e como o movimento de oposição nas ruas ao governo foi empurrado para o terreno eleitoral das eleições 2022. A vanguarda dos trabalhadores e da juventude demonstrou enormes exemplos de disposição de luta e de radicalização política desde 2019. A cada passo, entretanto, deparou-se com a adaptação política das figuras públicas e das organizações representativas do conjunto da classe trabalhadora. Isso fez com que o governo Bolsonaro sobrevivesse, apesar de suas políticas criminosas e das graves consequências de sua continuidade.
Serge definiu em sua análise de perspectivas as eleições de outubro e sua preparação como o próximo grande momento da luta de classes no Brasil. Como apontam todas as pesquisas de opinião e percebe-se entre o conjunto da sociedade, os trabalhadores com consciência de classe tentarão utilizar a candidatura de Lula para derrotar o governo reacionário de Bolsonaro. Nessa situação, a Esquerda Marxista intervirá atuando pela frente única para derrotar Bolsonaro chamando voto em Lula. Porém, a base desse voto será a plataforma da própria Esquerda Marxista, expressa por seus candidatos e por comitês eleitorais onde não tiver postulantes. Esse esforço se concentra na palavra de ordem que os marxistas levantarão durante o processo eleitoral: ABAIXO BOLSONARO! ABAIXO O CAPITALISMO! POR UM GOVERNO DOS TRABALHADORES SEM PATRÕES NEM GENERAIS! VIVA O SOCIALISMO!
O sistema é o problema
Essa diretriz dos marxistas objetiva, em primeiro lugar, intervir na luta de classes levando em conta o movimento concreto da classe trabalhadora, ajudando para seu melhor desenlace do ponto de vista da revolução social. Isso significa hoje utilizar a candidatura operária de Lula, apesar de suas traições e programa político colaboracionista, contra as frações burguesas em luta pelo governo. Em segundo lugar, a Esquerda Marxista busca propagar entre a vanguarda dos trabalhadores e da juventude o programa que expressa suas necessidades urgentes e históricas. Essa divulgação será feita pela promoção de plenárias e encontros pelo país onde serão discutidos em profundidade cada um dos itens programáticos.
Essa orientação combinada almeja preparar uma maior fração de nossa classe para a luta de classes que continuará a se acirrar mesmo com a vitória da chapa Lula com Alckmin. Um exemplo trazido por Serge desse aspecto foi a orientação dos dirigentes sindicais pelo país tentando segurar as lutas econômicas de suas categorias, sob a esperança de que vencendo Lula os problemas serão resolvidos. Entretanto, diante das implacáveis consequências da crise capitalista, a margem de manobra desse eventual governo será muito diferente da gozada com a retomada econômica internacional entre 2002 e 2008. Assim mais e mais trabalhadores serão empurrados a perceber que longe de se tratar de um problema de governo de plantão, o próprio capitalismo é a fonte de seu desemprego, arrocho salarial e desagregação social.
Uma rica discussão seguiu-se aos informes iniciais de Fred e Serge. Delegados, convidados e membros da direção da organização aprofundaram aspectos nacionais e internacionais, e trouxeram elementos para ampliar o quadro de análise. Um exemplo foi a contribuição da camarada Mara que observou como a juventude secundarista está sensível à situação política, com disposição para ouvir as explicações dos marxistas para a crise social e suas consequências. Já o camarada Felipe ressaltou a importância da teoria marxista para agir na realidade, em contraponto a uma pressão pelo pragmatismo que subordina a ação dos militantes ao campo ideológico burguês. Camaradas Renata e Cassio mostraram exemplos do movimento estudantil onde a juventude mostra disposição de agir no ambiente público e testa suas alternativas políticas em busca de respostas válidas para seus problemas.
O caso argentino foi analisado na contribuição ao debate por Marcelo, membro da direção da Corriente Socialista Militante, seção da CMI na Argentina. O camarada descreveu como o governo de Alberto Fernandes se formou aglutinando nas urnas a insatisfação popular com os governos de submissão aberta ao FMI. Entretanto, esse governo continuou atuando dentro dos marcos do capitalismo. Portanto, Fernandes mostra-se incapaz de solucionar qualquer um dos sofrimentos das massas trabalhadoras do país vizinho. Isso tem consequências de radicalização na sociedade, que o governo busca contornar com novos empréstimos ao FMI, mas que apenas ampliam a gravidade das contradições e da crise do país.
Também na América Latina, a corajosa greve geral em curso no Equador foi citada pelo camarada Fernando em sua intervenção. Ele observou que se trata da segunda mobilização desse tipo em três anos, o que demonstra por um lado a incapacidade do sistema em atender as demandas das massas, e por outro uma enorme disposição de combate na sociedade. Apesar disso, a situação adquire traços dramáticos pelas limitações da direção do próprio movimento. Ao invés de avançar a luta para o estabelecimento de órgãos de dualidade de poder e criar as condições para as próprias massas aplicarem seu programa, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e outras organizações envolvidas mantêm-se no limite do quadro burguês e tentam negociar com os representantes da burguesia.
Fábricas Ocupadas
Os militantes reunidos na conferência também discutiram e aprovaram uma resolução sobre o aniversário de 20 anos de surgimento do Movimento das Fábricas Ocupadas. Essa iniciativa foi impulsionada por militantes da Esquerda Marxista a partir das greves de 2002, seguidas da ocupação por parte dos trabalhadores, das fábricas Cipla e Interfibra, na cidade de Joinville (SC). Essa experiência, que chegou a alcançar 37 fábricas no Brasil, será retomada e difundida simultaneamente ao combate eleitoral, entre a atual geração de militantes, trabalhadores e estudantes.
A Esquerda Marxista foi a única organização do Brasil a ocupar fábricas, mantê-las funcionando sem patrões e combater por sua estatização sob o controle dos próprios trabalhadores. Essa experiência foi protagonizada contra a vontade do próprio governo Lula, que à época declarou que a estatização “estava fora do cardápio”. Foi com a chancela da direção do PT, da CUT, e do então ministro da Previdência Social Luiz Marinho, que a Polícia Federal interrompeu esse combate com 150 homens armados. Os trabalhadores foram expulsos da Cipla e da Interfibra sob ordem judicial que alertava em seu despacho “imagina se a moda pega?”, e o movimento foi acusado pela revista Veja de ser o MST das fábricas.
Resgatar e difundir essa história significa também esclarecer os trabalhadores e jovens sobre as polêmicas do presente. Por exemplo, quando ativistas questionam a Esquerda Marxista sobre o caráter e o sentido da candidatura presidencial autodenominada revolucionária de Vera Lúcia. O PSTU foi um adversário do Movimento das Fábricas Ocupadas, até quando apenas a Fábrica Flaskô, em Sumaré (SP), permaneceu sob controle dos trabalhadores. Esse partido sustentava que revolucionário era a criação de cooperativas, ao invés de lutar pela estatização. Esse apoio às cooperativas na prática convertia os trabalhadores em pequenos proprietários e levou à degeneração política todos os que a elas aderiam. Além disso, a política sectária do PSTU fez com que eles se recusassem a lutar contra a intervenção policial nas fábricas, orientação que repetiram ao apoiar o impeachment de Dilma e ao aplaudir a Lava Jato prendendo Lula.
Necessidade de partidos operários de massas e de uma Internacional
O debate sobre a resolução dos 20 anos do Movimento das Fábricas Ocupadas também recordou a aproximação entre a Esquerda Marxista e a Corrente Marxista Internacional. Foi por meio do contato na própria luta de classes que essas organizações se encontraram, ao ambas apoiarem e se relacionarem com o movimento de fábricas recuperadas experienciado na Venezuela durante o governo de Hugo Chávez. A similaridade de análises, a disposição para discussão e a iniciativa de agir em conjunto na luta de classes em diferentes países foi soldando a relação entre revolucionários de diferentes trajetórias. Foi a CMI uma das poucas organizações, por exemplo, que primeiro apoiou efetivamente e depois se solidarizou e mobilizou veementemente contra a intervenção federal nas fábricas Cipla e Interfibra em 2007. Desse processo resultou a adesão formal da Esquerda Marxista como seção da CMI em 2008.
Esse foi um exemplo concreto sobre como podem avançar os revolucionários em seu objetivo estratégico. Serge Goulart enfatizou em sua análise duas necessidades centrais da classe trabalhadora em escala mundial para o próximo período: 1) Construir verdadeiros partidos operários de massas; 2) Reconstruir uma verdadeira internacional de massas. A solução desses problemas não pode ser alcançada autoproclamando-se organizações de massas e anunciando programas acabados, como o fazem organizações como o PSTU e PCB no Brasil. Impõe-se que a atual geração de lutadores passe pela difícil escola de suas próprias experiências na luta de classes, que uma atividade prática e teórica comum se estabeleça entre os marxistas e a vanguarda que assume uma atitude revolucionária frente à realidade. Esse é o único caminho pelo qual pode-se estabelecer sólidos e saudáveis vínculos entre os próprios revolucionários, e entre esses e as massas.
A Corrente Marxista Internacional se apresenta hoje nesse sentido para o movimento operário em todos os países que atua. Apesar de ter pequenas forças hoje, Fred Weston destacou que os marxistas têm a seu favor um olhar mais profundo do que a esquerda oficial e pequenas organizações radicais. Enquanto uns observam inércia e passividade, outros veem radicalismo e ímpeto revolucionário onde não há. Já os marxistas recorrem à dialética para observar a situação concreta em sua transformação, onde a mesma classe sem movimentação política apresenta uma dinâmica. Porém, a partir do momento que se coloca em ação a mesma classe adquire outro caráter político. Toda essa mudança é intermediada por fenômenos e processos que precisam ser entendidos em seu devir, para possibilitar uma atuação de fato revolucionária dos ativistas e das organizações que se propõem a ajudar a classe trabalhadora.
A ausência de lideranças e partidos capazes de efetivar essa tarefa faz com que as consequências bárbaras da crise do capitalismo se apresentem como um processo de longa duração. Essa dificuldade da humanidade em se libertar das contradições do capitalismo faz com que a sociedade precise conviver com fenômenos como o governo Bolsonaro, e mesmo com a tragicômica aliança entre Lula e Alckmin. Entretanto, as novas gerações têm a seu favor a disposição de lutar por uma vida diferente daquela que a burguesia lhe oferece. Esses jovens querem entender o mundo para melhor transformá-lo. Os marxistas são aqueles que podem fornecer essas explicações, são aqueles que podem responder o porquê.
Felicidade como realidade
Foi para preparar os marxistas para fornecer as respostas aos trabalhadores e jovens diante da guerra de classes em curso e das eleições deste ano que se realizou a Conferência 2022 da Esquerda Marxista. Serge Goulart em sua exposição citou Louis-Antonie-Léon de Saint-Just. À semelhança desse líder da Revolução Francesa, os marxistas atuam energicamente para fazer com que a felicidade seja não apenas um desejo ou sentimento. Saint-Just explicava às massas francesas que medidas radicais atingiam as massas de outros países como relâmpagos irrefreáveis.
Da tribuna da Convenção, poucos meses antes de sua execução pela contrarrevolução, esse jovem de 26 anos anunciava que a Europa iria aprender que as massas não mais tolerariam as pessoas sendo miseráveis e pobres, que mais nenhum opressor seria admitido. Ele pedia que o exemplo da Revolução Francesa fosse divulgado por todos os lugares, que o amor da virtude e da felicidade se espalhasse pelo mundo.
“A felicidade é um conceito novo na Europa”, afirmava Saint-Just no auge de radicalização da Revolução Francesa. A Conferência da Esquerda Marxista 2022 assumiu para si o espírito desse mártir da humanidade. Os marxistas almejam que a felicidade seja mais que apenas um desejo ou sentimento, como propõem os capitalistas e os colaboracionistas de classe contemporâneos. A luta pela revolução socialista se trata de agir para que a felicidade seja um conceito novo a ser praticado em todo o mundo, por toda a humanidade.