Cotas de gênero na política e a emancipação da mulher

Neste período eleitoral, uma forte campanha “Por Mais Mulheres na Política” tem sido veiculada nas mídias e endossada por diversas organizações, incluindo o próprio Tribunal Superior Eleitoral. O Brasil tem uma das taxas mais baixas do mundo em participação feminina no sistema político. Atualmente, as mulheres ocupam apenas 12% das prefeituras, 15% do Congresso Nacional e nem 4% nos governos estaduais. Em razão disso, as instituições políticas vêm fomentando e adotando, ao longo dos últimos anos, ações que argumentam contribuir com a diminuição desta defasagem, sendo uma delas a política de cotas de gênero nas eleições, que reserva 30% das vagas a candidaturas eleitorais a mulheres.

Uma ação que reserve vagas para candidatas mulheres pode parecer progressista a princípio. Os marxistas se propõem a estimular que cada vez mais mulheres atuem politicamente. Porém, no contexto do capitalismo, uma medida como as cotas de gênero não cumpre o que promete, uma vez que não garante efetivamente a participação da mulher trabalhadora na política e nem a defesa de seus interesses.

Cotas de gênero na política

A partir dos anos 90, muito por conta de uma pressão internacional, o Brasil passou a adotar ações afirmativas, afirmando servir para reparar a desigualdade de gênero na política eleitoral. Em 1995 o Brasil assinou a Plataforma de Ação Mundial da IV Conferência Mundial da Mulher. A resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), naquela Conferência, recomendava ações afirmativas para acelerar a diminuição das defasagens de gênero na participação do poder político.

Alguns meses depois a Lei 9.100/95 de autoria de Marta Suplicy foi a primeira proposta nessa direção a ser aprovada no país. A lei previa que no mínimo 20% da lista de candidatos de cada partido ou coligação deveria ser preenchida por candidatas mulheres. A proposta, chamada de “Lei das Cotas”, valia apenas para as Câmaras Municipais.

Em 1997, discutia-se no país a regulamentação do processo eleitoral. O resultado deste processo foi a Lei 9.504/97 ou Lei das Eleições que, entre outras determinações, cristalizou algumas diretrizes da Lei das Cotas, transformando a reserva de vagas para mulheres em legislação permanente. Além disso, a lei expandiu o escopo das ações afirmativas que passou a valer além das Câmaras Municipais também para as Assembleias Estaduais e para a Câmara dos Deputados. Houve também um aumento no percentual mínimo de candidaturas para as listas de candidatos de partidos e coligações, passando, assim, do mínimo de 20% instituído em 1995, para 30%.

No entanto, estas diretrizes da lei não foram efetivas no que diz respeito ao aumento do número de mulheres em cargos políticos. Ocorria que o percentual de vagas a serem reservadas para mulheres deveria ser calculado sobre o total de candidaturas que um partido ou coligação podia lançar por eleição, e não sobre a quantidade de candidatos efetivamente apresentados. Ou seja, um partido que podia lançar 100 candidatos, deveria reservar 30 vagas a mulheres. No entanto, poderia simplesmente lançar até 70 candidaturas masculinas e deixar a porcentagem reservada a mulheres incompleta ou até vazia.

Como forma de corrigir esta brecha, em 2009 a Lei 12.034/2009 deu nova redação à política, tornando obrigatório o preenchimento do percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas. Apesar do aumento expressivo de candidaturas femininas nas eleições seguintes, mais uma vez o sistema não dava conta de outra problemática: a criação de candidaturas meramente formais, a fim apenas de preencher os requisitos legais. Sem qualquer investimento monetário, muitas candidaturas eram verdadeiras “laranjas” e não apresentavam reais condições de se elegerem.

A política de cotas passou então a ser vinculada a investimentos. Assim, já no bojo das discussões da Reforma Política de 2015, foram criados incentivos ao investimento em campanhas femininas. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que se deve equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (30%) ao mínimo de recursos de fundo partidário a serem destinados aos partidos. Em caso de haver percentual mais elevado de candidaturas femininas, os recursos devem ser alocados na mesma proporção.

Fica claro então o real interesse por trás da corrida por candidaturas femininas no atual processo eleitoral, em um cenário em que os partidos sobrevivem do dinheiro recebido do Estado por meio do fundo partidário e do fundo eleitoral. Assim é possível entender que políticas afirmativas colaboram com os interesses da burguesia, que, por isso, apoia ativamente essa causa, para que o sistema não entre em colapso, aprovando, assim, amplamente as cotas e inclusive propagandeando os “progressos” que representam.

Mais mulheres na política

A exclusão da mulher dos espaços políticos advém de uma organização social fruto da sociedade de classes. No contexto do capitalismo a mulher trabalhadora acumula jornadas de trabalho, manutenção do lar, cuidado com as crianças e idosos, etc. Ela se vê obrigada a atuar na esfera pública e privada, mas tendo para isto cerceado seus direitos de participação efetiva na vida pública e política. Trata-se, portanto, de um problema estrutural e não de representatividade.

Reservar um número determinado de vagas para candidaturas femininas não é uma vitória para a luta das mulheres. Pelo contrário, ela apenas se apresenta como uma medida ilusória, ou ideológica para sermos mais rigorosos conceitualmente. A política de cotas de gênero dá espaço a mulheres escolhidas como representantes unicamente pelo sexo. Porém, uma vez alçadas aos cargos em questão, não necessariamente irão defender os interesses da maioria das mulheres, as trabalhadoras. Isso porque o gênero pode em certos aspectos unir as mulheres, porém, a classe social as divide em todas as questões fundamentais.

Engels disse que a emancipação geral da humanidade pode ser medida pela emancipação da mulher. Há alguns anos era uma mulher que ocupava a presidência. Em que medida o governo Dilma representou progresso nas lutas pela emancipação das mulheres? Seu governo significou efetivamente o crescimento das privatizações e terceirizações, o início da contrarreforma da previdência que, inclusive, as obriga a trabalhar mais. O direito ao aborto, luta histórica das mulheres, sequer foi pautado. Em seu governo, Kátia Abreu foi a ministra de agricultura e atuou em favor dos grandes donos de terra responsáveis pela exploração dos recursos do país.

No governo Bolsonaro, tivemos como ministra da Mulher, da Família e Direitos Humanos, Damares, representante de tudo que há de mais reacionário. Internacionalmente, temos Margaret Thatcher, Hillary Clinton, Angela Merkel, só para citar alguns exemplos.

Ora, as representantes da burguesia e da pequena-burguesia não podem defender senão os próprios interesses estreitos de classe. Quando expressam interesses gerais das mulheres trabalhadoras, o fazem pela pressão e organização da própria classe trabalhadora.

Os marxistas lutam pela inclusão das mulheres nos espaços políticos. Entretanto, a ocupação desses espaços não tem como objetivo alcançar mais representação, mas sim de ampliar o nível de consciência da mulher trabalhadora e expressar a organização da luta pela derrubada do regime que tanto as oprime. Nenhuma igualdade formal, ou medida de tipo afirmativa, pode resolver o problema da desigualdade real existente entre a mulher burguesa e pequeno-burguesa em relação à mulher proletária.

Reivindicar cotas de gênero em nada afeta o funcionamento do sistema político e da sociedade capitalista. Os quase 30 anos dessa política no Brasil o comprovam. Revolucionário é um programa que permita às mulheres trabalhadoras as efetivas condições para se libertar da escravidão doméstica, que lhe possibilite salário igual aos seus companheiros de classe homens e que lhe dê plenas condições de participar da vida pública, seja em sindicatos, partidos ou organizações próprias de mulheres.

Uma plataforma desse tipo, que expresse a luta pela emancipação da mulher trabalhadora, pode ser defendida tanto por uma mulher quanto por um homem que deseje ocupar cargos políticos. Se trata não de um problema de gênero, mas sim de um problema do programa político defendido por cada indivíduo nesta sociedade de tipo capitalista que vivemos. Uma vez que alguém do gênero feminino ou masculino adote esse programa, estará em condições de apoiar a organização das mulheres da classe trabalhadora a favor de suas necessidades.

A maior emancipação das mulheres trabalhadoras pode ser calculada não em porcentagens de cargos públicos ocupados no aparato do Estado burguês. Sua verdadeira liberdade apenas pode ser medida pelas condições de expressarem sua condição de seres humanos e de participarem da vida política. Enquanto subsistirem as atuais condições de vida escravizantes da classe trabalhadora, e da mulher trabalhadora em especial, a ocupação de cotas de gênero será exercida na maioria das vezes por mulheres burguesas, pequeno-burguesas e burocratas serviçais da classe dominante.