Defender a Cinemateca Brasileira: abaixo o governo Bolsonaro!

Após a demissão dos funcionários da Cinemateca Brasileira em agosto do ano passado e do governo federal ter tomado as chaves da instituição, agora, a Cinemateca segue fechada, sem acompanhamento por parte de equipe técnica, correndo sérios riscos de ter seu acervo, equipamentos, bases de dados e edificação todos destruídos.

A destruição irreparável da memória da Cinemateca é consequência do descaso do governo Bolsonaro, bem como da antiga gestão realizada pela Associação Comunicativa Educativa Roquette Pinto (Acerp), Organização Social (OS), que se utiliza da verba pública para fins privados, e cujos reais interesses divergem do conjunto dos trabalhadores.

Em 2018, quando a Acerp assumiu a gestão da Cinemateca, o ministro da cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que, por não ser um órgão público, a OS teria uma série de “facilidades para operar essa gestão1 permitindo a contratação de novos funcionários. Mas o que ocorreu foi justamente o oposto, pois a OS não só não contratou mais funcionários – o que deveria ocorrer para melhorar o funcionamento da Cinemateca -, como demitiu todos eles, deixando o acervo todo em risco.

Segundo o Manifesto dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira2, lançado no dia 12 de abril deste ano, há a possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, com risco de incêndio real. Como não está tendo um acompanhamento técnico contínuo, o risco aumenta, enquanto o acervo segue sem condições adequadas de temperatura e umidade, situação essa que acelera a deterioração dos materiais.

O Manifesto lançado se posiciona contra o abandono da instituição e ressalta o importante papel que tiveram os funcionários em anos recentes, enfrentando todo tipo de problemas para salvar o acervo, incluindo a presença de roedores, infiltrações, vazamentos, problemas nos equipamentos climáticos e até a autocombustão de um rolo de nitrato. Ou seja, os funcionários, sozinhos, cuidavam da instituição, por falta de amparo do governo e da própria OS gestora.

No entanto, o Manifesto solicita esclarecimentos da Secretaria Nacional do Audiovisual sobre a efetivação do plano emergencial e reivindica que o edital prometido desde julho do ano passado seja lançado para a seleção de uma nova Organização Social (OS) responsável por gerir a Cinemateca. O problema é que uma nova OS não trará a solução para os problemas enfrentados na cultura. Se, de um lado, há o governo que tem total desprezo pela cultura e arte, aplicando medidas ultra-liberais, de cortes no orçamento, o que inclui a verba destinada às OSs, de outro, há a falência da política público-privada, por meio dessas Organização que aceitam os cortes do governo, aplicam demissões, medidas de precarização e extinção de aparelhos.

Vale lembrar que há um histórico de demissões durante as gestões das OSs, incluindo músicos da Banda Sinfônica em 2017, a partir dos cortes realizados pelo Governo do Estado de São Paulo, também demissões que ocorreram em 2015 de professores da Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP), fechamento de postos de trabalho da Sala São Paulo e Orquestra Sinfônica de São Paulo, o fechamento de Oficinas Culturais e Fábricas de Cultura, ameaça de fechamento de unidades do Projeto Guri em 2019, e, mais recentemente, o abandono da Cinemateca, com demissão de seus funcionários e, se as coisas continuarem como estão, o completo desaparecimento de todo o seu acervo.

A ideia de que o modelo de gestão da Cinemateca deva continuar a ser realizado por OSs, na medida em que o governo federal assume uma postura hostil à cultura, se mostra falha. Mesmo sem ter fins lucrativos, as OSs estão direcionadas aos interesses privados e suas gestões não agem na contramão das propostas governamentais, mas são conviventes com elas.

Os cortes do governo, atualmente, são direcionados à todas as áreas. Nem é preciso citar o enorme dano que estes têm causado ao conjunto da classe trabalhadora, num contexto de pandemia, levando milhares de pessoas literalmente à morte. Por isso, a discussão sobre a preservação da cultura e da arte, incluindo a Cinemateca Brasileira, passa necessariamente pela discussão sobre a derrubada do governo Bolsonaro e pela construção de um governo dos próprios trabalhadores. Qualquer alternativa por meio da parceria público-privada é apenas uma ilusão e só deve levar a um desgaste ainda maior dos trabalhadores da cultura, além de trazer danos ao patrimônio cultural da humanidade que são irreversíveis, como é o caso do acervo da Cinemateca.

O que estamos vivendo nesse último período, com o número crescente de mortes por covid-19, pela falta de leitos de UTI e de insumos, com o aumento do desemprego, da fome e da miséria nada mais é do que a barbárie provocada pelo sistema capitalista. A arte e a cultura não são imunes à essa situação. Basta lembrar o que ocorreu com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, com cerca de 20 milhões de itens quase todos destruídos pelas chamas. Em 2016, um incêndio atingiu parte dos originais da produção audiovisual da Cinemateca. E, em 2015, o fogo consumiu o prédio histórico do Museu da Língua Portuguesa. Enquanto a prioridade não for a preservação cultural, mas o lucro, cenas como estas vão se repetir.

No ano passado, após Regina Duarte anunciar sua saída da Secretaria Especial de Cultura, recebeu de “presente” do Bolsonaro– como ela mesma afirmou – a chefia da Cinemateca e simplesmente ignorou a situação de desmonte do equipamento. Enquanto o atual secretário especial de cultura, Mário Frias, se comprometeu a passar a gestão de forma excepcional para a Sociedade Amigos da Cinemateca, após a não renovação de contrato da União com a Acerp, mas, concretamente, nada foi feito. A situação dos funcionários inclusive se agravou, e muitos foram lesados. Alguns trabalhadores da Cinemateca, com mais de 30 anos de profissão, receberam um comunicado para que devolvessem parte de seus salários referente ao período trabalhado3. Ou seja, enquanto há uma disputa de interesses de negócios realizada pelo governo e OSs, os trabalhadores pagam pelas dívidas que não fizeram.

Por isso, é preciso reivindicar a readmissão de todos os trabalhadores demitidos para que sejam incorporados ao funcionalismo público, contratados como servidores, com garantias de direitos. É preciso reivindicar todas as condições necessárias para o funcionamento da Cinemateca, garantido o devido cuidado ao acervo. É preciso reivindicar a derrubada do governo Bolsonaro já! A luta da cultura passa necessariamente pela luta contra o governo. É preciso lutar por um governo dos trabalhadores, sem patrões e nem generais! Essa é linha política para tirar a cultura e a arte de um futuro de barbárie.

1 https://agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/552747558/associacao-roquette-pinto-vai-gerir-cinemateca-brasileira

2 https://mobile.twitter.com/trabalhadorescb/status/1381616153152327680?fbclid=IwAR2SnaGPul3hFuIr4nBc6bXKgWBSs_alRylyKjXhkPQGJqAbPiisL3KISsI

3 https://www.youtube.com/watch?v=q-kkgpaIR1I – Comissão de Cultura – Situação da Cinemateca Brasileira