Bolsonaro com o governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB) Foto: Agência Brasília

Em Brasília, Ibaneis flerta com Bolsonaro e sua demagogia pode expor milhares à contaminação por coronavírus

Quando nosso artigo anterior – Coronavírus, demagogia e hipocrisia em Brasília – foi publicado, no dia 15 de março, o governo Ibaneis havia acabado de publicar novo decreto ampliando a suspensão de atividades geradoras de aglomeração de pessoas, acrescentando academias de esporte e museus1 à lista que já tinha cinema e teatro, além das escolas e universidades públicas e privadas, com aulas suspensas desde o dia 12. A este decreto seguiram outros, ampliando a suspensão de atividades, praticamente, de todo o comércio e eventos, com isolamento social amplo até 3 de maio2; estabelecendo procedimentos rigorosos a serem observados por aquelas atividades consideradas essenciais que permanecem funcionando; e estabelecendo o trabalho remoto para os servidores públicos distritais. Ibaneis, inclusive, tentou, no Superior Tribunal Federal, impor o trabalho remoto para os servidores públicos federais, não tendo êxito3. O governador também prorrogou o recesso escolar até 31 de maio4.

Numa primeira leitura das ações do governo Ibaneis, as conclusões apontavam um tratamento mais sério que o inicialmente adotado, quando somente as aulas tinham sido suspensas. Mesmo com problemas e dificuldades, como a exoneração, a pedido, do Secretário de Saúde, Osnei Okumoto, quando Brasília já tinha, oficialmente, 19 casos confirmados de Covid-191, o governo aparentava ter uma preocupação com a manutenção da vida da população da cidade. As ações do governo de Brasília, inclusive, foram objeto de bravata de Bolsonaro em suas sandices na entrada do Palácio da Alvorada, as quais denomina declarações, alinhadas ao descabido e lastimável pronunciamento que ocupou a rede nacional de televisão na noite do dia 24 de março. Mesmo buscando uma retórica conciliatória com o desbarate de Bolsonaro, Ibaneis manteve as medidas que vinha tomando6.

Uma breve análise dos dados da pandemia e do isolamento social em Brasília

As medidas que ampliaram o isolamento social em Brasília foram capazes de frear a proliferação dos casos de Covid-19, conforme mostra a curva do gráfico disponível na Figura 17. Enquanto que na primeira semana após a ampliação do isolamento social o número de casos confirmados havia triplicado, passando de 74 no dia 14 de março para 306 no dia 21, a última semana no momento em que escrevíamos este artigo havia assistido um acréscimo inferior a 10%, passando de 943 casos no dia 18, para 1.020 em 25 de abril. Até este último dia a capital federal já apresentava 27 óbitos em decorrência de complicações da Covid-19, com uma letalidade8 de 2,6%, menos da metade dos 6,9% a nível nacional9 e dos quase 7,0% de letalidade registrada mundialmente10.

Contudo, os dados epidemiológicos da doença em Brasília demonstram perfeitamente a brutal desigualdade social na cidade11. Do total de casos e óbitos, respectivamente, 833 e 26 são números relativos a moradores com endereço residencial confirmado em alguma região administrativa (RA)12 de Brasília13. Como informa a Figura 2, enquanto 44,3% dos casos confirmados até 25 de abril se concentravam entre pessoas residentes nas RA classificadas pela Codeplan14 como de alta renda, elevando-se para quase três quartos se acrescida a porcentagem das RA classificadas como de média-alta renda (34,6%), somente 3,6% e 17,5% dos casos confirmados eram de moradores das RA classificadas, respectivamente, como de baixa e média-baixa rendas.

A discrepância com relação à letalidade entre os diferentes grupos das RA por renda revela a desigualdade latente na cidade. Mesmo sendo o grupo de alta renda o com maior porcentagem de casos confirmados, conforme já visto chegando próximo 50,0% do total, a letalidade é de somente 1,4%, quase a metade da já surpreende porcentagem total de Brasília. O grupo de média-alta renda apresenta 3,4%, somente um pouco acima da letalidade total de Brasília. Já as letalidades dos grupos de média-baixa e baixa (respectivamente, 6,2% e 6,7%) são mais que o dobro da considerada para o total de Brasília. Essa relação inversa entre renda e letalidade aponta claramente para o desafio que a saúde pública enfrenta em ofertar tratamento que reverta adequadamente a infecção pelo coronavírus frente à histórica precarização desse serviço público em Brasília. A parcela da classe trabalhadora residente nas RA das faixas de renda mais baixas é a que mais depende dos hospitais públicos, em detrimento dos residentes nas RA de alta renda, que têm à disposição hospitais privados mais bem aparelhados e com menos demanda de pacientes. Ao passo que Paulo Guedes e o presidente do Banco Central garantem mais de um bilhão de reais para dar aos bancos, os governos federal e de Brasília ao invés de combater os problemas de desabastecimento e infraestrutura da saúde pública, ficam no eterno empurra, empurra de responsabilidades15.

Mas surpreende a concentração percentual de óbitos nos dois grupos de média renda, perfazendo incríveis 73,1%. Talvez esse dado aponte para uma concentração nesses grupos daqueles que, descumprindo as determinações de isolamento social, ainda são enfeitiçados pelo canto de sereia da fanfarronice de Bolsonaro, engrossando as pífias e infames carreatas e manifestações em favor dos lucros e do salvamento da economia em detrimento às vidas da classe trabalhadora, bem como clamando abertamente por um golpe de Estado de direita. Os dados falam por si só o que essa parcela da população protofascista está colhendo.

O perene exercício da demagogia

Contudo, alheio aos dados e indicativos que a quarentena tem apresentado, Ibaneis vem intensificando o flerte político com Bolsonaro. Assumiu nos últimos dias um discurso que se aproxima à desfaçatez reverberada pelo presidente a partir de uma boa parcela da burguesia nacional que tem latido pelas redes sociais seus sentimentos mais viscerais de horror à diminuição de seus lucros e de total desumanidade com relação à vida de milhões de trabalhadores16. Trilhando o tortuoso caminho de flexibilização do isolamento social, Ibaneis liberou no dia 22 de abril a reabertura de escritórios de advocacia, contabilidade, engenharia e arquitetura, bem como imobiliárias17. Já no dia 24, novo decreto liberou a realização de eventos religiosos em estacionamentos com os fiéis dentro dos veículos, além de liberar a reabertura de armarinhos, lojas de tecido e do Cine Drive-In18, sinalizando a possibilidade de reabertura de todo o comércio a partir do dia 3 de maio. Mesmo publicando um decreto que obriga o uso de máscaras de proteção a partir do dia 3019, a possibilidade de retomada das aulas presenciais das escolas públicas militarizadas antes do fim de maio é um claro afago ao ego de Bolsonaro, que logo fez declarações de paixão ao governador de Brasília20, assim que conseguiu calar a voz dissonante que ecoava de seu próprio corpo de ministros, com a exoneração do não menos vilipendiador da classe trabalhadora e demagogo Mandetta do Ministério da Saúde. Esse aceno do governador foi criticado e combatido pelos sindicatos dos professores do Magistério Público do Distrito Federal (Sinpro-DF), e o dos professores da estabelecimentos particulares de ensino (Sinproep), juntamente com pais de alunos das escolas militarizadas. Mesmo assim, Ibaneis determinou à Secretaria de Educação um plano para reabertura das escolas, a ser apresentado até o fim de abril. Em seu portal na internet a Secretaria de Educação afirma que “de forma técnica e segura, o Governo do Distrito Federal (GDF) planeja o retorno das aulas na rede pública de ensino a partir de maio”21, não deixando margem a dúvida de que a determinação em agradar ao Executivo Federal permanece no horizonte.

Entre rumos a se livrar e caminhos a trilhar

Entretanto, ao sabor dos ventos políticos que sopram da tempestade que assola a Esplanada dos Ministérios com o abandono do barco, feito pelo rato em pena de marreco Sérgio Moro, não seria de se espantar que Ibaneis desse meia-volta pelo caminho de aproximação com a vil posição assumida por Bolsonaro frente à pandemia que denominou de “gripezinha” e que já ceifou a vida de tantos brasileiros. Independente de onde a demagogia de Ibaneis o fizer seguir em seu processo de viabilizar seu nome no cenário político nacional para a eleição de 202222, é fundamental munir a classe trabalhadora e a juventude com consciência e instrumentos que as façam se libertar dos rumos traçados pelos crápulas representantes políticos daqueles que detêm o controle das alavancas da economia brasileira e mundial e que caso algum fazem diante das milhares de vidas já perdidas e das mortes que a manutenção de seus lucros ainda exigirão.

Além do incansável trabalho de denúncia das artimanhas políticas adotadas por esses que se dizem preocupados pelo bem da população, faz-se necessária a tão mais incansável atividade de debate e explicação dos conhecimentos produzidos pelas vanguardas proletárias que já passaram pelo mundo, além das várias lições extraídas e aprendidas nos séculos de batalhas que compõem a história da luta de classes, que praticamente é a própria história da humanidade.

Os valorosos camaradas da Esquerda Marxista veem empreendendo com afinco essa atividade, produzindo conteúdo de qualidade no jornal Foice & Martelo e também no portal da organização na internet, bem como realizando debates junto aos comitês “Fora Bolsonaro” e aos segmentos artístico,  de mulheres e da juventude e ofertando cursos, tudo por plataformas de comunicação a distância e pelas redes sociais, observando as ainda necessárias medidas de isolamento social23.

Dentro dessa atividade de debate e explicação, destacamos o curso on line, ofertado pelos camaradas de Brasília, cujo primeiro tema será Os Ataques de Bolsonaro e dos Patrões e a Demagogia de Ibaneis em meio à Pandemia do Coronavírus, a ser desenvolvido no dia 2 de maio próximo. Convidamos aos leitores participarem do curso e contribuírem com a construção de consciência da classe trabalhadora. Inscrições gratuitas clicando aqui!

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Referências:

1 MOURA, Renata. Academias e museus também serão fechados. Agência Brasília, Brasília, 15 mar. 2020.

2 SALLUM, Samanta. Decreto prorroga suspensão de atividades no DF até 31 de maio. Congresso em Foco, Brasília, 1º abr. 2020.

3 NOTÍCIAS STF. Ministra nega pedido de aplicação a servidores federais de decreto do DF sobre trabalho remoto. Brasília: STF, 24 mar. 2020.

4 G1 DF. Coronavírus: Ibaneis mantém aulas suspensas até 31 de maio; eventos e comércio ficam restritos até 3 de maio. Brasília, 1º abr. 2020.

5 MATOSO, Filipe; YOSHIMINE, Rita; HANNA, Wellington. Secretário de Saúde do DF deixa cargo em meio à crise do coronavírus. G1 DF. Brasília, 16 mar. 2020.

6 G1 DF. “Não é hora de politizar ou polemizar”, diz Ibaneis sobre declarações de Bolsonaro quanto à Covid-19. Brasília, 25 mar. 2020.

7 SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Informe nº 54. Brasília, 25 abr. 2020.

8 Porcentagem de óbitos em relação aos casos confirmados.

9 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Painel Coronavírus. Acesso em 26 abr. 2020, 23h00.

10 JOHNS HOPKINS UNIVERSITY. COVID-19 Dashboard. Acesso em 26 abr. 2020, 23h31.

11 Vide Secretaria da Saúde do Distrito Federal (2020).

12 Divisão administrativa de Brasília, que agrupa conjunto de bairros.

13 Entre o restante de casos confirmados, 113 fazem parte da população privada de liberdade (em sua grande maioria encarcerada no Complexo Penitenciário da Papuda), 52 são residentes em outros Estados, 12 não tinham informação de residência e 10 residiam em Brasília, mas sem informação sobre a região administrativa de residência.

14 CONDEPLAN. Pesquisa de Emprego e Desemprego. Brasília, ano 28, n. 8, ago. 2019.

15 VALENTE, Jonas. DF pede mais apoio do governo federal no combate à pandemia. Agência Brasil, Brasília, 7 abr. 2020.

16 Sobre a odiosa posição de parte da burguesia brasileira, leia: COLZANI, Evandro. Quantos devem morrer para que os patrões não tenham perdas? Esquerda Marxista, São Paulo, 25 mar. 2020. LIBÓRIO, Felipe. Para a burguesia, a vida dos trabalhadores não vale nada. Esquerda Marxista, Manaus, 6 abr. 2020.

17 FLÁVIO, Lúcio. GDF determina abertura de novos espaços. Agência Brasília, Brasília, 22 abr. 2020.

18 FILGUEIRA, Ary. Missas, rituais e cultos liberados desde que realizados dentro de automóveis. Agência Brasília, Brasília, 24 abr. 2020.

19 FERREIRA JÚNIOR, Hédio. Uso de máscaras de proteção passa a ser obrigatório a partir do dia 30 deste mês. Agência Brasília, Brasília, 23 abr. 2020.

20 OLIVEIRA, Mayara. “Tô apaixonado por ele”, brinca Bolsonaro ao elogiar Ibaneis. Metrópolis. Brasília, 22 abr. 2020.

21 FERRAZ, Ian. GDF pede estudos para analisar possível abertura das escolas. Brasília: SEE, 22 abr. 2020.

22 PAULA, Alexandre de. MDB quer Ibaneis candidato à Presidência em 2022. Correio Braziliense. Poder. Brasília, 1º nov. 2019.

23 Sobre isso, leia mais em: CORRÊA, Pedro. Os comunistas na internet e a criatividade militante (parte 1). Foice & Martelo. São Paulo: Esquerda Marxista, edição especial 4, 16 abr. 2020.