Em 2024, houve 470 mil afastamentos do trabalho por questões que envolvem a saúde mental, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Um impressionante aumento de 68% em relação ao ano anterior. O que está acontecendo e o que podemos fazer?
A resposta mais comum é simples, porém equivocada. A mesma sociedade capitalista que adoece o trabalhador é a que fornece os profissionais, técnicas e materiais para os tratamentos. Além disso, tem uma concepção hegemônica sobre o que seria a própria doença e suas “causas”.
O status quo psiquiátrico, dominado por um complexo industrial que lucra bilhões com medicamentos, equipamentos e procedimentos, define a doença mental principalmente como um conjunto de desordens que acometem o indivíduo e que são tratáveis nele, sobretudo por meios medicamentosos, fazendo pouco caso da realidade material em que vive o dito doente ou que serve como base para suas classificações.
Nem sempre os profissionais defendem conscientemente as indústrias farmacêuticas ou terapias corretivas rápidas, mas as condições econômicas em que estão inseridos os empurram como partes de uma perversa engrenagem, pronta para reduzir o sofrimento psíquico a uma questão privada, individual. A felicidade estaria dentro de cada um de nós: basta estar com a terapia e os medicamentos “em dia”.
Tudo muito bom para o capitalista. Competindo no mercado, suas empresas precisam de funcionários que tenham, pelo menos, uma produtividade média, isto é, que sejam “saudáveis”. A maioria dos trabalhadores, ciente de que há um exército de reserva enorme para repor os elementos “defeituosos”, de que são peças descartáveis, agarra-se às soluções que lhe são ofertadas para tentar manter um mínimo do precário funcionando bem. Sustentam, mesmo involuntariamente, a grande e lucrativa máquina da recuperação da “saúde”, que tem seus tentáculos entrelaçados ao próprio Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas há um limite para essa estratégia. Quando as condições de vida não param de se deteriorar, os tratamentos hegemônicos encontram dificuldades para esconder a podridão sistêmica generalizada. Mesmo os métodos a curto prazo, supostamente mais eficazes para a contenção do sofrimento e restabelecimento para o trabalho, estão falhando, consequentemente afetando demasiadamente o lucro dos capitalistas e sobrecarregando os caixas do Estado, ou seja, acelerando a crise econômica.
Aliado à ausência de movimentos de massas no Brasil que injetem esperanças de melhorias reais arrancadas pela luta devido ao reacionarismo das direções sindicais, os números de afastamentos devem continuar crescendo. Tentando colocar a cabeça para fora d’água enquanto se debatem para sobreviver, as massas trabalhadoras se apoiam no sistema de proteção social para obterem algum alívio, que ainda resiste existindo.
Lute pelo comunismo
No entanto, muitos trabalhadores, especialmente os mais jovens, estão se recusando a viver dopados e a se tornarem devotos da religião do viver “um dia após o outro”. Para um setor de vanguarda da classe trabalhadora, uma outra saída vem se colocando, que é a luta organizada pelo comunismo.
É melhor que a força que impulsiona a vida, frustrada pelo modo de vida que o capitalismo entrega, manifeste-se na forma de luta coletiva do que na de “doença”. Os tratamentos têm sua importância, devemos reconhecer. Mas, ainda antes que o adoecimento se instale, a organização dos comunistas deve oferecer uma via revolucionária, portanto coletiva, para a revolta individual.
Podemos concluir que, se a única maneira de o proletário sobreviver é continuar trabalhando, o afastamento e os tratamentos correlatos fazem parte de uma recuperação para o trabalho. Ao contrário do que muitos imaginam, o afastamento individual não constitui nenhum tipo de revolta, mas sim sua supressão. Ele expressa a mesma alienação presente no interior da empresa: o suposto descanso ou melhora individual pertence ao capitalista, não ao trabalhador, na medida em que serve para que o trabalho possa ser retomado depois.
A luta organizada pelo comunismo é o tratamento coletivo que vai em direção a uma cura substantiva no indivíduo, pois busca ativamente a superação da alienação que se expressa dentro e fora do trabalho. Isso não é uma utopia; está ao alcance de nossas mãos pela coletivização completa da grande propriedade capitalista, dos tratamentos e de tudo mais que possa se tornar propriedade comum.
É como diz a belíssima e triste canção que se tornou famosa pela voz de Clara Nunes:
“E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas como um soluçar de dor”
O comunismo é a esperança do canto de alegria.