O presidente legítimo saiu do país e transmitiu o poder diretamente ao povo hondurenho representado pela Frente Nacional de Resistência Popular. Reproduzimos aqui o discurso de Juan Barahona em nome da FNRP durante o ato de transferência do poder em 27/1.
Honduras mudou para sempre. Nosso povo, hoje alçado contra a ditadura do inimigo oligárquico e imperialista, converteu-se num gigante da dignidade, do sacrifício e da consciência. Nunca antes na nossa história estivemos mais unidos aos sectores populares, nunca antes se teve tanta consciência dos direitos dos homens e mulheres pobres, nunca antes se mostrou tão claramente a natureza exploradora, totalitária e assassina dos que foram donos deste país e que hoje tremem perante a força esmagadora da Resistência Popular.
Hoje, apesar de dizer isto no fragor da luta e no próprio momento em que as forças do atraso juramentam o seu novo testa-de-ferro, podemos afirmar com todo orgulho que despertamos e somos capazes de construir o nosso futuro.
Antes de continuar, permitam-me um ato solene e imperativo: recordemos as mulheres e os homens que ofereceram a sua vida nesta luta, assassinados de maneira covarde e traiçoeira pelas forças do terror do regime de fato. Com elas e eles percorremos juntos as ruas, respiramos os mesmos gases envenenados, recebemos a mesma metralha, o mesmo cárcere, a mesma humilhação. Mas também, com elas e eles escrevemos as passagens mais belas de luta e resistência que teve a nossa pátria.
No dia em que o seu coração se deteve, morreram para viver eternamente nos nossos corações e na nossa luta!
Viva o exemplo dos heróis do Povo!
Sangue de mártires! Semente de Liberdade!
Por eles e elas juramos que não haverá descanso, que jamais negociaremos os princípios, que não perdoaremos a traição e que vamos transformar este país para que seja livre, democrático, unido e verdadeiramente independente.
Lutamos pela instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte Popular que seja revolucionária e vá mais além de reformas tíbias que deixariam intacto o sistema de privilégios mediante o qual os poderosos vivem com infinitos luxos à custa da exploração do trabalho dos pobres, do roubo dos bens públicos e da extração sem misericórdia dos recursos naturais.
Pretendemos uma sociedade nova, um ser humano novo, que não exalte o egoísmo como valor supremo e sim que pretenda o desenvolvimento integral da coletividade. Aspiramos forjar pessoas solidárias que sintam como próprias as misérias dos demais e que lutem pela eliminação das desigualdades sociais que provocam o capitalismo, o patriarcado e o racismo.
Lutamos por uma pátria livre de ingerências externas, sem bases militares que sirvam para prejudicar nossos irmãos centro-americanos, sem transnacionais que roubem as nossas riquezas impunemente, sem classes políticas que recebam ordens a partir do império. Lutamos pela integração dos povos latino-americanos e pela união da América Central.
Assim sonharam José Cecilio del Valle, Cabañas, Visitación Padilla, Graciela García, José Martí, Juan Pablo Wainwrigh, Manuel Cálix Herrera, Sandino, Farabundo. Nossos próceres e os grandes líderes históricos do Povo Hondurenho e dos povos centro-americanos. Esse foi o exemplo de Morazán, nossa referência máxima, que apesar de haver vivido há duzentos anos, deixou-nos um legado de dignidade de integridade que ainda hoje é uma afronta para os inimigos do progresso.
Francisco Morazán foi assassinado há 168 anos por uma oligarquia retrógrada e covarde, confabulada com o império do seu tempo, tal como faz a oligarquia hondurenha de hoje. Se Morazán vivesse neste tempo, seus inimigos estariam no COHEP e na ANDI, seus inimigos teriam os nomes de Goriletti, Elvin Santos, Pepe Lobo, Carlos Flores, Adolfo Facussé, Rafael Callejas, Rafael Ferrari e outros cuja longa lista dá náuseas mencionar.
Se Morazán vivesse hoje, a classe política que usurpa os poderes do Estado, enviaria contra ele o exército e a polícia, tal como a enviam contra nós, que somos os continuadores das lutas pela soberania e pela liberdade do nosso povo.
Que grande diferença com o Exército Defensor da Lei que ele comandou contra os oligarcas do seu tempo!
Que sentiria o General Morazán se visse os militares e os polícias a dispararem contra compatriotas desarmados, moendo a pauladas crianças e anciãos, violando e ultrajando mulheres e meninas indefesas, e torturando os nossos jovens? O insigne General morreria de vergonha.
Ainda que sempre o tenhamos sabido, nunca como hoje fica tão claro que a cúpula das Forças Armadas não serve para ganhar guerras, só serve para dar Golpes de Estado com que derruba governos legitimamente eleitos, quando assim lhe ordena o seu amo do norte ou a minoritária oligarquia, exploradora e corrupta.
Não está longe o dia em que esses generais pagarão os seus delitos, acompanhados também dos empresários políticos golpistas, nos cárceres da Nova Honduras.
Mas também ficou claro que por trás dos inimigos locais do povo hondurenho encontra-se o inimigo número um de todos os povos: o império norte-americano. Se não houvesse contado com o seu apoio, esta oligarquia covarde nunca se teria atrevido a dar este golpe, desafiando a maioria da nação e o mundo.
Os funcionários norte-americanos são tão cínicos que, depois de haver preparado minuciosamente o golpe com os seus servos locais, fingiram depois estar contra, ocultando o seu verdadeiro propósito de legitimar a ditadura mediante a manhosa negociação de San José e mediante umas eleições fraudulentas.
Agora, com números inchados, os golpistas e o seu hipócrita amo do Norte tentam enganar os povos e governos do mundo fazendo-lhes crer que aqui houve “eleições democráticas”.
Houve eleições democráticas, companheiros? NÃO, o que houve foi uma FARSA. Ao povo hondurenho não enganam, porque aqui nós conhecemos e sabemos que meia dúzia de gatos pingados foi votar.
Ainda assim, querem enganar o mundo. Com o que não contavam é que o mundo mudou e se antes quase todos abaixavam a cabeça, hoje muitos povos têm governos dignos que não se ajoelham perante o dólar.
Por isso, a essa tomada de posse espúria não vem a maioria de governos do mundo. Vêm uns quantos, os mais servis. Este repúdio do mundo é um triunfo da nossa luta, companheiros. Graças a esta batalha não puderam fazer um golpe para exportação.
De qualquer modo, os golpistas continuam com o guião preparado pelo império.
O passo seguinte é tentar arrebatar-nos as conquistas que alcançamos durante o governo do Presidente Manuel Zelaya. Os golpistas usam os meios de comunicação à sua disposição, os púlpitos tarifados das cúpulas das igrejas conservadoras e a ONGs vendidas para promover um “Projeto de País” que é só a continuação do modelo neoliberal, que afundou na pobreza uma grande quantidade de pessoas e que hipotecou o futuro de várias gerações de hondurenhos e hondurenhas.
No fundo o que pretendem é cumprir a agenda do Golpe de Estado. O seu objetivo é destruir o Estatuto do Docente, aprovar um novo Pacote para sacar-nos mais impostos, deixar estancado o salário mínimo ou baixá-lo se puderem, subir os preços dos combustíveis e os lucros das transnacionais, levar os nossos recursos minerais, privatizar a água, saquear nossas finanças, entre outras pestes. Pois para isso deram o golpe estes canalhas!
Por que haveríamos de crer nas promessas de uma classe exploradora que teve 30 anos para demonstrar que o seu sistema neoliberal funciona? Como pretendem que o povo se fie num governo integrado por golpistas, repressores, ladrões, fantoches e farsantes?
Não se pode depositar nenhuma confiança no regime que se impõe a ponta de baionetas. A mentira e o engano é a sua norma. Basta ver como fazem “julgamentos” de mentiras entre eles para serem “libertados” dos seus pecados e fazerem crer aos incautos que aqui nada aconteceu. A seguir dizem ao mundo que aqui tudo é “harmonia” e “reconciliação”, apesar de continuarem a matar companheiros e companheiras, apesar de muitos irem para o exílio e outros serem ameaçados de morte todos os dias. Chegam ao ridículo de fazer um show para fingir que o ditadorzinho do Goriletti se afasta do caminho.
E assim querem que nos prestemos a participar do seu “diálogo”!
A Resistência Popular não participará nessa farsa do diálogo da oligarquia e muito menos no seu governo espúrio.
Os golpistas não têm nenhuma possibilidade de enganar mais este povo que alcançou níveis de consciência superiores a qualquer momento anterior. A grande maioria dos hondurenhos e hondurenhas sabe que Pepe Lobo é a continuação da ditadura, é a continuação do neoliberalismo, é a garantia do império para usar Honduras como base de operações militares e sua aposta para deter os processos de mudança na América Latina.
Pepe Lobo NÃO É O NOSSO PRESIDENTE, como Goriletti tampouco o foi. É o “presidente” dos Kaffati, Hándal, Facussé, Ferrari, Maduro, Callejas, entre outros; é o “presidente” dos traidores, dos corruptos, dos entreguistas.
Por isso, hoje a Faixa Presidencial legítima não passa ao Lobo; quem a recebe é o povo lutador, o povo digno. Hoje a Faixa Presidencial é recebida, em nome da maioria da população, pela Frente Nacional de Resistência Popular!
É, naturalmente, uma honra que como Resistência nos seja feita esta transferência das mãos do legítimo Presidente Manuel Zelaya, o único que foi eleito pela vontade majoritária do Povo.
Companheiros e companheiras,
A Resistência não recebe esta faixa como um troféu ou um simples reconhecimento do seu esforço. Recebe-a sim como uma altíssima responsabilidade: a de representar o Povo e conseguir que prevaleça a verdadeira Democracia participativa e popular.
Pois bem, o caminho frente a nós apresenta-se cheio de desafios, a Frente Nacional de Resistência Popular já é uma força nacional com impressionantes capacidades de mobilização e uma esmagadora simpatia, mas faz falta dar passos importantes rumo à sua consolidação.
A partir de agora a palavra de ordem é Organização! Mobilização! Formação!
Estes três eixos de trabalho devem ser assumidos pelos núcleos de Resistência em cada bairro, em cada comunidade rural, em cada centro de trabalho e em cada um deles deve primar a democracia interna. A FNRP deve canalizar as necessidades de grupos de Camponeses, operários, indígenas, negros, grupos LGTB, artistas, povoadores urbano-marginais, micro pequenos e médios empresários, movimentos ambientalistas, mulheres, organizações estudantis, forças políticas progressistas e democráticas, professores, profissionais, grupos de direitos humanos, jovens, igrejas populares e outras organizações. Ou seja, de todos os sectores explorados, oprimidos e marginalizados da nossa nação, sem exceção alguma.
O leque de ideologias que integram a Frente deve assumir uma atitude de debate sincero e maduro. A unidade dentro da diversidade é a característica mais valiosa que temos até hoje e é necessário fortalecê-la. Nesse sentido é necessário reconhecer a liderança e atitude do nosso presidente Manuel Zelaya Rosales, que chegou ao extremo de sacrificar-se arriscar a sua vida para lutar pela democratização da nossa Pátria.
Hoje o Presidente Zelaya venceu as inúteis tentativas de quebrar a sua vontade e ofuscar o seu exemplo. É também uma maneira digna de encerrar um ciclo no qual pela primeira vez desde que se reiniciaram as eleições no nosso país, um presidente aproximou-se das necessidades do povo, enfrentou as classes mais conservadoras do país e foi capaz de assumir a agenda dos setores populares.
Que pequenos se vêem os seus inimigos! Quão covardes se mostraram!
Companheiro Presidente, saiba que a Resistência o aprecia como um líder inquestionável. No seu regresso encontrará um povo em luta, imparável e com mais valor e mais vontade de derrotar a ditadura. Também uma Resistência Popular melhor organizada e mais consciente.
O Povo Hondurenho inicia a partir deste momento uma etapa distinta na luta pela construção de um país novo.
A Frente Nacional de Resistência Popular tem clareza da responsabilidade assumida e, como diz literalmente seu plano estratégico, deverá “Fortalecer-se como instrumento de poder popular, para a conquista do poder, construindo uma nova institucionalidade rumo à refundação da República, para o surgimento de uma nova democracia popular na qual participemos todos e todas e sejamos protagonistas de um Estado de justiça social, para garantir a solidariedade, a liberdade e a independência, através de uma Assembléia Nacional Constituinte que formule e aprove a primeira Constituição Política feita pelo povo, com uma visão latino-americanista”.
O caminho não será fácil, estará cheio de obstáculos e sacrifícios, mas temos a certeza de que no fim triunfaremos frente à oligarquia e seus amos imperiais.
Do nosso lado temos o apoio do povo, a experiência da luta popular e a consciência da justeza das nossas aspirações.
Saberemos responder à responsabilidade que hoje assumimos.
Viva o povo heróico de Morazán!
Viva o Presidente Manuel Zelaya Rosales!
Viva a Frente Nacional de Resistência Popular!
Viva a Assembléia Nacional Constituinte Popular!
Resistimos e Venceremos!
FRENTE NACIONAL DE RESISTÊNCIA POPULAR
Tegucigalpa, 27 de Janeiro de 2010.