Para o marxismo, a causa fundamental de todas as formas de opressão é a divisão da sociedade em classes. Para muitas feministas, por outro lado, a opressão das mulheres está enraizada na natureza do homem. Não seria um fenômeno social, mas sim biológico. Esta é uma concepção inteiramente estática, não científica e não dialética da espécie humana. É uma visão não histórica da condição humana, da qual necessariamente decorrem conclusões profundamente pessimistas. Pois se aceitarmos que há algo inerente aos homens que os induz a oprimir as mulheres, é difícil ver como a situação atual será remediada. A conclusão deveria ser, neste caso, que a opressão das mulheres pelos homens sempre existiu e, portanto, presumivelmente sempre vai existir.
Pelo contrário, o marxismo explica que este não é o caso, e demonstra que, tal como a sociedade de classes, a propriedade privada e o Estado, a família burguesa nem sempre existiu, e que a opressão das mulheres é apenas tão antiga quanto a divisão da sociedade em classes. A sua abolição é, portanto, dependente da abolição das classes, isto é, da revolução socialista. Isso não significa que a opressão das mulheres desaparecerá automaticamente quando o proletariado tomar o poder. A herança psicológica do barbarismo de classe será finalmente superada quando as condições sociais forem criadas para o estabelecimento de relações plenamente humanas entre homens e mulheres. Mas, a menos e até que o proletariado derrube o capitalismo e estabeleça as condições para a realização de uma sociedade sem classes, a autêntica emancipação da mulher não é possível.
Para realizar a revolução socialista, é necessário unir a classe trabalhadora e suas organizações, sem distinção de língua, nacionalidade, raça, religião e sexo. Isto implica, por um lado, que a classe trabalhadora deve tomar para si a tarefa de lutar contra todas as formas de opressão e exploração, e deve colocar-se à frente de todas as camadas oprimidas da sociedade, e, de outro lado, deve rejeitar decisivamente todas as tentativas de dividi-la, mesmo quando estas tentativas são feitas por setores dos próprios oprimidos.
Há um evidente paralelo entre a posição marxista sobre a opressão das mulheres e a posição marxista sobre a questão nacional. Temos a obrigação de lutar contra todas as formas de opressão nacional. Mas isso significa que apoiamos o nacionalismo? A resposta é não. O marxismo é internacionalismo. Nosso objetivo não é erguer novas fronteiras, mas sim dissolver todas as fronteiras em uma federação socialista mundial.
Os nacionalistas burgueses e pequeno burgueses desempenham um papel pernicioso ao dividir a classe trabalhadora em linhas nacionalistas, jogando com os compreensíveis ressentimentos causados por longos anos de discriminação e opressão nas mãos da nacionalidade opressora. Lênin e os marxistas russos travaram uma luta implacável contra todas as formas de opressão nacional, mas também contra as tentativas dos nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses de fazer uso da questão nacional para fins demagógicos. Eles insistiram na necessidade de unir a classe trabalhadora de todas as nacionalidades na luta contra o feudalismo e o capitalismo como a única garantia real de uma solução duradoura para a questão nacional em uma federação socialista.
Em outras palavras, os marxistas abordam a questão nacional exclusivamente de um ponto de vista de classe.
É esse mesmo ponto de vista que fundamenta a atitude dos marxistas com relação à opressão das mulheres. Embora lutando contra todas as formas de discriminação e opressão, devemos rejeitar decisivamente o feminismo burguês ou pequeno burguês que vê o problema essencial como um conflito entre homens e mulheres, e não como uma questão de classe.
Na verdade, toda a história da luta contra as opressões mostra que a questão de classe é fundamental, e que sempre houve uma luta aguda entre as mulheres das classes oprimidas, que marcam sua posição pela mudança revolucionária, e as bem situadas mulheres “progressistas” que usam a questão da opressão das mulheres apenas para seus próprios propósitos egoístas. Em cada etapa, esta diferença de classe se manifestou e, além disso, em formas cada vez mais intensas. Um par de exemplos bastam para ilustrar este ponto.
Já no século 17, as mulheres começaram a apresentar as reivindicações por sua emancipação social e política. A Revolução Inglesa viu uma crescente participação das mulheres na luta contra a monarquia e pela democracia e igualdade de direitos. Em 1649 tivemos a Petição das Mulheres da cidade de Londres, que dizia: “uma vez que nos é dada a certeza da nossa criação à imagem de Deus, e de um interesse em Cristo igual ao dos homens, como também de uma parte proporcional nas liberdades desta comunidade, não podemos deixar de refletir e lamentar que devamos parecer tão desprezíveis aos seus olhos, ao ponto de sermos consideradas indignas de requerer ou representar nossas queixas a esta honorável Casa. Não temos um interesse igual aos homens desta nação, naquelas liberdades e garantias contidas na Petição de Direitos, e nas outras boas leis desta terra? “(De J. O’Faolain e Martines L, Não à imagem de Deus , pp 266-7).
As mulheres foram ativas em grupos e seitas religiosas radicais de esquerda do movimento revolucionário, que considerou que as mulheres poderiam ser pregadoras e ministras. Mary Cary, por exemplo, participou do movimento da “Quinta Monarquia”. Em Glória da Nova Jerusalém, ela escreveu: “E se existem bem poucos homens que são assim dotados com o dom do Espírito; também quão poucas são as mulheres! mas não que existam muitas mulheres piedosas, muitas que realmente tenham recebido o Espírito: mas isto em que pequena medida? na medida da sua fraqueza? na medida em que são incapazes de fazer profecias? pois é sobre isso que estou falando, o que esse texto diz que elas farão; o que ainda não vemos realizado… Porém está chegando o tempo em que esta promessa será realizada, e os Santos serão plenamente preenchidos com o Espírito; e não somente os homens, mas também as mulheres farão profecias; não somente os homens idosos, mas também os jovens; não apenas os superiores, mas também os inferiores; não apenas os que possuem títulos da Universidade, mas também os que não os possuem; e até mesmo os servos e os criados”.
Feminismo e a Revolução Francesa
Na época da Revolução Francesa, a situação havia mudado muito. As relações de classe tornaram-se mais claras, mais nítidas. E do mesmo modo a consciência. A revolução já não tinha qualquer necessidade de vestir-se de roupagens bíblicas. Em vez disso, ela falava na linguagem da Razão e dos Direitos do Homem. Mas o que dizer dos direitos da Mulher?
A Revolução Francesa só pode ser entendida a partir de um ponto de vista de classe. Os diferentes partidos, clubes, tendências e indivíduos, que aparecem em desconcertante variedade de arranjos, subindo e descendo tal como as ondas de um mar agitado, foram meramente a expressão de diferentes classes lutando pelo domínio da situação, e a lei geral de toda revolução é que a tendência mais radical sempre tende a deslocar a mais moderada, até que o impulso revolucionário tenha se esgotado e o filme da revolução começa a se desenrolar em sentido inverso. Este é o destino inevitável de toda revolução burguesa, em que o impulso que vem das massas mais cedo ou mais tarde tropeça na contradição entre as suas ilusões e o real conteúdo de classe do movimento.
As divisões de classe dentro do movimento revolucionário manifestaram-se desde o início. Os assim chamados girondinos representavam a tendência burguesa que queria parar a revolução no meio do caminho e fazer um acordo com o rei para estabelecer uma Monarquia Constitucional. Isso teria sido fatal para a Revolução, que só adquiriu a necessária amplitude porque as massas irromperam em cena e começaram a acertar as contas com a reação em estilo revolucionário plebeu. Foi a erupção das massas – tão brilhantemente descrita no livro de Kropotkin – que garantiu a vitória da Revolução Francesa e dissolveu tão completamente a velha ordem.
Em geral passou despercebido que as mulheres desempenharam um papel de liderança tanto na Revolução Francesa quanto na Revolução Russa. Mas não estamos nos referindo aqui às feministas educadas da classe média, que emergiram no curso da revolução, mas sim à classe trabalhadora comum e mulheres plebeias, que se levantaram em revolta contra a opressão da sua classe. As mulheres plebeias e semiproletárias de Paris, que iniciaram a Revolução Francesa em 1789, mobilizaram-se sobre a questão do pão, e não inicialmente sobre a questão da opressão do sexo feminino, embora naturalmente esta questão surgisse no curso da Revolução.
“Excluídas do voto, e da maioria das sociedades populares, as mulheres podiam desempenhar e de fato desempenharam um papel muito importante nas insurreições, particularmente naquelas de outubro de 1789, 10 de agosto de 1792, e, mais importante ainda, nos levantes da Primavera de 1795 (conhecidas como os levantes do Ano Germinal e Prairial 3 de acordo com os nomes dos meses do Calendário Revolucionário introduzido em 1792). As mulheres, mesmo as mais radicais, raramente exigiram o direito ao voto, condicionadas como haviam sido pela distinção de gênero do século XVIII que situava os homens na ‘esfera pública’ e as mulheres na ‘esfera privada’. Elas estabeleceram sociedades femininas populares, a mais famosa das quais foi a Sociedade de Cidadãs Revolucionárias-Republicanas. Mas este clube durou somente de maio até outubro de 1793. No entanto, como apontaram historiadores como Dominique Godineau e Darlene Levy, isto não significa que as mulheres não compartilhavam o programa político e econômico dos homens. As mulheres deram apoio, inclusive encorajando os homens à ação. Elas ocuparam as galerias das sociedades populares, elas criaram seu próprio espaço político fora das padarias, no mercado local, nas ruas “. (A Revolução Francesa, 1787-1799. O Povo e a Revolução Francesa, pelo professor Gwynne Lewis).
Uma revolução sacode a sociedade em seus fundamentos, liberando sentimentos e aspirações há muito reprimidos dentro das massas e de cada camada oprimida. A demanda pela emancipação da mulher assumiu um significado premente. Mas esta demanda foi entendida de forma diferente por diferentes tendências que em última análise se apoiavam em diferentes interesses de classe. Não foi por acaso que as mulheres do proletariado e semi-proletariado parisiense abriram o caminho. Elas eram a camada mais oprimida da sociedade, aquelas que tiveram que suportar o maior peso do sofrimento das massas. Além disso, elas não tinham nenhuma experiência de luta política e de organizações, e entraram em cena livre de preconceitos. Em contraste, os homens eram mais cautelosos, mais hesitantes, mais “legalistas”. Este contraste tem sido visto muitas vezes desde então. Em numerosas greves, em que as mulheres estavam envolvidas, elas têm consistentemente demonstrado muito maior militância, firmeza e coragem do que os homens. Significativamente, foi nas questões de classe – a questão do pão – que estas mulheres começaram a se mover. Exatamente o mesmo aconteceu mais de 100 anos depois, em Petrogrado.
Em cada momento chave da Revolução Francesa – pelo menos nos estágios iniciais – as mulheres das classes mais baixas deram o exemplo. Em outubro de 1789, enquanto os cavalheiros da Assembleia Constituinte falavam interminavelmente sobre reforma e constituições, as mulheres pobres de Paris – as peixeiras, lavadeiras, costureiras, vendedoras, criadas e mulheres de trabalhadores – mobilizaram-se espontaneamente. Estas mulheres sans culottes organizaram uma demonstração e marcharam para a prefeitura de Paris exigindo pão barato. Elas envergonharam os homens ao marchar sobre Versalhes e trazer de volta o rei e a rainha sob uma virtual prisão domiciliar (elas não fizeram distinção entre os dois – e ademais a “mulher austríaca”, a rainha, era mais odiada que seu marido). A cena é bem descrita por George rude no livro A Multidão na Revolução Francesa:
“Então as mulheres começaram a tomar a iniciativa. A crise do pão era algo especialmente tocante para elas e, a partir deste momento, em vez dos homens, foram elas que desempenharam um papel de liderança no movimento. Em 16 de setembro, Hardy lembra que as mulheres pararam cinco carroças carregadas de grãos em Chaillot e as trouxeram ao Hôtel de Ville em Paris. No dia 17, ao meio-dia, o Hôtel de Ville foi cercado por mulheres enfurecidas reclamando sobre a conduta dos padeiros. Elas foram recebidas por Bailly e o Conselho Municipal. “Ces femmes [escreveu Hardy] disaient hautement que les hommes n’y entendaient rien et qu’elles voulaient se mêler des affaires” [“Essas mulheres anunciaram aos gritos que os homens não estavam entendendo nada e que elas iriam resolver as coisas por conta própria “]. No dia seguinte, o Hôtel de Ville foi novamente sitiado e promessas foram feitas. Na mesma noite Hardy viu mulheres tomarem uma carreta de grãos na Place des Trois Maries [Praça das Três Marias] e escoltá-la para a sede do distrito local. Esta mobilização ainda estava em curso quando da manifestação política de 5 de Outubro, e continuou depois.”(George Rude, A Multidão na Revolução Francesa, p. 69).
E ainda:.. “Daí em diante as mulheres agora convergiram para o Hôtel de Ville. Seu primeiro objetivo era pão, o segundo provavelmente armas e munições para os seus homens. Um negociante de tapetes, passando pela entrada do antigo mercado às oito e meia, viu grupos de mulheres parar estranhos nas ruas e obrigá-los a ir com eles para a Câmara Municipal, ‘où l’on devait pour se aller faire du donner dor ‘ [devem ir por bem ou por mal]. Os guardas foram desarmados e suas armas entregues aos homens que seguiam atrás das mulheres exortando-as. Outra testemunha, um caixeiro no Hôtel de Ville, descreveu como, cerca das nove e meia, um grande número de mulheres, com homens entre elas, subiram as escadas e invadiram todos os escritórios do edifício. Uma testemunha disse que eles portavam paus e lanças, enquanto outra insistiu que eles estavam armados com machados, pés de cabra, porretes e mosquetes. Para um funcionário, que teve a ousadia de discutir com os invasores, foi dito ‘qu’ils étaient les maîtres et les maîtresses de l’ Hôtel de Ville’ [que agora eles eram os senhores e senhoras do Hôtel de Ville]. Em sua busca por armas e pólvora os manifestantes rasgaram documentos e livros, e um maço de notas de cem mil da Caisse des Comptes [Contas do Fundo] desapareceu de um armário. Mas o objetivo não era dinheiro nem pilhagem: o Tesoureiro Municipal mais tarde disse à polícia que algo em torno de 3,5 milhões de libras em dinheiro e notas foram deixados intocados. E as notas desaparecidas foram devolvidas intactas algumas semanas mais tarde. Tendo soado o sinal de alerta do campanário, os manifestantes se retiraram para fora, na Place de Grève, por volta das 11 horas”.
“Foi neste momento que Maillard e seus ‘volontaires’ entraram em cena. Segundo seu relato, as mulheres estavam ameaçando as vidas de Bailly e Lafayette. Fosse para evitar tal desastre ou meramente para promover os objetivos políticos dos ‘patriotas’, Maillard deixou-se persuadir a levá-las em marcha de doze milhas a Versalhes para reivindicar ao rei e à Assembleia o abastecimento de pão em Paris. Ao partir, no início da tarde, elas removeram o canhão do Châtelet e [escreveu Hardy] forçaram todas as mulheres que encontraram, de qualquer tipo ou condição social – même des femmes à chapeau [mesmo as mulheres de chapéu] – a se juntar a elas.” (George Rude, A multidão na Revolução Francesa, pp 74-5, minha ênfase, AW).
Aqui vemos perfeitamente o modo pelo qual as mulheres da classe trabalhadora de Paris entenderam a luta. Frustradas e impacientes com a apatia dos seus homens, elas se lançaram na luta com tremendo vigor e arrastaram tudo à sua frente. Mas em nenhum momento elas viram a luta como um conflito das “mulheres contra os homens”, mas sim como uma luta de toda a classe de pessoas pobres e exploradas contra os opressores ricos. Começando com demandas econômicas (“pão”), elas marcharam para a prefeitura, e no processo outra demanda emergiu quase que espontaneamente: a demanda de armas. “Seu primeiro objetivo era pão, o segundo provavelmente armas e munições para os seus homens”. O objetivo era dar o exemplo e incitar os homens para entrar em ação – e isso as mulheres de Paris conseguiram de forma brilhante e salvaram a Revolução.
A emergência das massas no cenário político é o elemento primeiro e mais fundamental de toda revolução. Isto é particularmente verdadeiro com relação às mulheres. Na Revolução Francesa, as mulheres não se limitaram a deixar a política para os homens. Em Paris, vimos a criação das pró-jacobinas Citoyennes Républicaines Révolutionaires (Cidadãs Republicanas Revolucionárias) que usavam um uniforme vermelho e branco, calças listradas, e o barrete vermelho da liberdade, e carregavam armas em suas manifestações. Elas exigiram o voto para as mulheres e o direito das mulheres de ocupar os mais altos cargos civis e militares na República – isto é, o direito da mulher a plena igualdade política com os homens, o direito de lutar e morrer pela causa da Revolução.
No entanto, a própria Revolução caracterizou-se por uma luta constante de partidos e tendências em que a tendência mais radical constantemente superava e substituía as tendências mais moderadas, até a Revolução finalmente exaurir seu potencial e começar a enfraquecer em uma espiral descendente que levou ao bonapartismo e Waterloo. Essa briga partidária no fundo refletia a luta entre classes diferentes. A facção girondina representava aquela parte da burguesia que temia as massas e batalhava por um acordo com o rei. Estes antagonismos de classe – que assumiram uma forma particularmente amarga na Revolução Francesa – também afetaram a questão da mulher de uma maneira fundamental.
As ativistas girondinas – algumas das quais tinham posições muito avançadas na questão formal dos direitos da mulher – colocaram a questão de uma maneira diferente das mulheres sans culotte – sarcasticamente batizadas de ‘tricoteuses’ por historiadores hostis por causa do hábito de fazer seu tricô enquanto as cabeças aristocráticas caiam na cesta. As mulheres das classes pobres de Paris foram, sem dúvida, motivadas por um forte espírito revolucionário, consciência de classe e um inesgotável ódio aos ricos. As mulheres girondinas, oriundas da classe média privilegiada e de famílias burguesas, não tinham os mesmos interesses imediatos das mulheres dos bairros pobres de Paris.
Os girondinos aprovaram uma lei sobre o divórcio, que foi, sem dúvida, um avanço para as mulheres. Mas as mulheres girondinas colocaram uma forte ênfase nos direitos de propriedade das mulheres. Na época da Revolução Francesa, tal demanda não era de forma alguma uma questão candente para a maioria das mulheres, pela simples razão de que nem elas nem seus maridos possuíam qualquer propriedade. As mulheres sans culotte que jogaram um papel tão proeminente na Revolução eram contrárias ao “direito sagrado à propriedade” porque entendiam a revolução do ponto de vista da própria classe delas. Hostis às abastadas burguesas, mesmo quando estas usavam o barrete vermelho da revolução, elas instintivamente lutaram por uma República em que todos os homens e mulheres seriam verdadeiramente iguais – não apenas iguais perante a lei – isto é, elas lutaram por uma sociedade sem classes, um mundo sem ricos e pobres. Sabemos agora que isso era um objetivo impossível na época. As forças produtivas que são a base material para o socialismo não tinham ainda alcançado um nível de desenvolvimento suficiente para permitir isso. A natureza de classe da Revolução Francesa era necessariamente burguesa. Mas isto de nenhum modo era claro para as massas que tão entusiasticamente se mobilizaram pela Revolução, e selaram a vitória dela com seu próprio sangue. Elas não estavam lutando para colocar o poder nas mãos dos burgueses, fossem homens ou mulheres, mas para assegurar a justiça para a sua classe.
A luta entre as tendências revolucionárias e as moderadas manifestou-se nas fileiras das mulheres de uma forma muito aguda. Olympe de Gouges (1748-1793) foi uma típica feminista girondina. Nascida Marie Gouges, a filha ilegítima de um nobre e esposa de um açougueiro em Montauban, no sul da França, ela se rebelou contra a estreiteza da vida provinciana e o modo como o pai havia tratado sua mãe. Depois de um casamento infeliz, ela fugiu para Paris, mudou de nome e tornou-se atriz. Uma figura típica de mulher de classe média que foi inspirada pela Revolução, sem nunca realmente compreender a sua essência, ela passou a escrever peças teatrais e panfletos, pedindo a abolição do comércio de escravos, oficinas públicas para os desempregados (uma ideia mais tarde adotada pelo reformista socialista Louis Blanc) e um teatro nacional para as mulheres. Em 1791, ela publicou a Declaração dos Direitos da Mulher, uma resposta à Declaração da Assembleia dos Direitos do Homem.
Há muita coisa que é de interesse neste documento, com seu apelo comovido dirigido às mulheres: “Mulher, acorda, o sinal de alerta da razão está a ser ouvido em todo o universo; descubra os seus direitos. O poderoso império da natureza não está mais cercado por fanatismo, preconceito, superstição e mentiras. A chama da verdade dissipou todas as nuvens da tolice e da usurpação. O homem escravo multiplicou sua força e precisa da sua ajuda para quebrar suas cadeias. Tendo-se tornado livre, tornou-se injusto para com sua companheira. Oh, mulheres, mulheres! Quando vocês deixarão de ser cegas?”
Ela também escreveu uma nova forma de Contrato Social entre o homem e a mulher, para substituir os votos matrimoniais existentes, começando com as palavras: “Nós, _____ e ______, movidos por nossa própria vontade, nos unimos pela duração de nossas vidas, e pela duração de nossas inclinações mútuas, sob as seguintes condições: pretendemos e desejamos tornar nossos bens comuns, reservando entretanto para nós mesmos o direito de dividi-lo em favor de nossos filhos e daqueles para os quais possamos ter uma inclinação particular, mutuamente reconhecendo que nossa propriedade pertence diretamente aos nossos filhos, qualquer que seja o leito de onde eles venham, e que todos eles, sem distinção, têm o direito de ter o nome dos pais e mães que os tenham reconhecido, e que estes sejam cobrados para subscrever a lei que pune a renúncia de seu próprio sangue. Nós, igualmente, obrigamo-nos, em caso de separação, a dividir nossa riqueza e a reservar antecipadamente a parcela que a lei indica para os nossos filhos, e em caso de uma união perfeita, aquele que morre vai despojado de metade de suas posses em favor de suas crianças, e se a pessoa morre sem filhos, o sobrevivente herdará, por direito, a menos que o moribundo tenha disposto metade dos bens comuns em favor de quem ele julgou merecedor. “
“Eu ofereço um método infalível para elevar a alma das mulheres, unindo-as a todas as atividades do homem, e se o homem persiste em achar este método impraticável, que ele compartilhe sua fortuna com a mulher, e não ao seu capricho, mas de acordo com a sabedoria das leis. O preconceito é derrubado, a moral é purificada, e a natureza readquire todos os seus direitos. Adicione a isso o casamento dos padres e o fortalecimento do rei no seu trono, e o governo francês não poderá falhar.” (De “Olympe de Gouges”, Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em Darline Gav Levy, H Applewhite, e Johnson M, eds, Mulheres na Paris Revolucionária, 1785-1795, pp 92. – 96).
No entanto, toda a perspectiva de Gouges era a de uma girondina, isto é, de uma mulher burguesa liberal. Deve ser notado que, no novo contrato de casamento, a ênfase principal é colocada sobre a questão da propriedade. E, no final, ela argumenta em favor do “fortalecimento do rei no seu trono”. Isso é inteiramente no espírito girondino, já que a ala moderada da Convenção estava batalhando por um acordo com o rei e o estabelecimento de uma monarquia constitucional. Mais tarde, ela publicou um apelo contra a execução do rei, que selou seu destino. Ela foi executada pelos jacobinos. No seu caminho para a guilhotina, fez um discurso que incluía as palavras:
“Patíbulos e carrascos, são então estes os resultados da Revolução que deveria ter sido a glória da França, alcançando sem distinção os dois sexos e servindo como um modelo para o universo?” Estas palavras, proferidas por Olympe de Gouges enquanto era levada para a guilhotina, mostram o quão pouco ela entendeu da realidade da Revolução. A execução do rei foi uma linha divisória que separava as duas fases da Revolução no período de sua ascensão. Ela desferiu um golpe decisivo contra o centro nervoso da contrarrevolução, onde conspirações estavam constantemente sendo tramadas, um golpe que intimidou a aristocracia, que enviou uma mensagem desafiadora para todas as cabeças coroadas da Europa e, acima de tudo, que traçou uma linha separando todos os elementos indiferentes e vacilantes daqueles que fervorosamente desejavam levar a Revolução adiante.
Filisteus condenaram a Revolução Francesa pelo uso da violência. O Terror foi universalmente condenado em termos que lembram as palavras de Gouges. Mas sem o Terror revolucionário dos jacobinos, a Revolução não teria sobrevivido. As massas precisaram empregar medidas desesperadas para se defender contra a ameaça da contrarrevolução realista que, se bem sucedida, teria afogado em sangue a Revolução. Toda a história, começando com a revolta do escravo Spartacus, mostra que a crueldade sangrenta da classe dominante, quando ela se vinga contra as massas, não conhece limites. O Terror usado contra os aristocratas, padres e contrarrevolucionários no primeiro período teve um caráter progressivo. O Terror usado mais tarde contra os revolucionários, a fim de consolidar a reação termidoriana era contrarrevolucionário. Aqueles que não conseguem ver a diferença merecem as nossas condolências, mas nunca poderão ser levados a sério.
Outro exemplo de uma feminista girondina foi Théroigne de Méricourt (1766-1817). Tendo feito a vida como uma cortesã antes da Revolução, levantou a questão dos direitos das mulheres, mas, novamente, de um ponto de vista puramente girondino. Esta infeliz feminista foi atacada por mulheres jacobinas enquanto caminhava nos jardins das Tulherias, em junho de 1793, despida e apedrejada. Ela terminou sua vida em um asilo de loucos.
De um ponto de vista humano, podemos simpatizar com estas infelizes mulheres que, ao seu modo, tentavam melhorar a sorte das mulheres, ainda que das mulheres burguesas. Mas o que isso mostra para além de qualquer dúvida é que um abismo de classe separava as feministas burguesas das mulheres revolucionárias das classes oprimidas, e que a linha que separa os ricos dos pobres, girondinos de jacobinos, foi desenhada com sangue. Apelos para unir todas as mulheres, independentemente da classe social, não tem repercussão na massa de mulheres da classe trabalhadora que lutam ao lado de seus companheiros para conquistar uma sociedade mais justa.
As divisões de classe entre as ‘Sufragistas’ (movimento pelo voto feminino)
Os primeiros anos da ascensão do Movimento Trabalhista na Grã-Bretanha foi também um período de intensa agitação na classe trabalhadora e também entre as mulheres. O Novo Sindicalismo nasceu no final do século 19 em uma série de greves combativas, que mobilizaram os trabalhadores não organizados, segmentos que antes não tinham participado. Algumas destas greves envolveram mulheres da classe trabalhadora, como a famosa ‘greve das meninas da fábrica de fósforos’. Entre as mulheres da classe média, houve uma agitação crescente pelo direito de voto. No entanto, as sufragistas da classe média estavam apenas interessadas em obter a igualdade formal – e teriam ficado muito contentes com a conquista do direito de voto para as mulheres proprietárias, ou seja, para as mulheres da sua própria classe. Lembremo-nos de que, na época, muitos homens não tinham direito ao voto. No entanto, os acontecimentos logo demonstraram a natureza reacionária do feminismo burguês, o qual deixou claro sua hostilidade para com a causa do povo trabalhador, fossem no caso homens ou mulheres.
Como Jen Pickard assinalou corretamente em seu artigo sobre Sylvia Pankhurst: “Os nomes da família Pankhurst são sinônimos da luta pela conquista do voto para as mulheres, mas o que distinguiu a atitude de Sylvia Pankhurst da atitude de sua mãe Emmeline e sua irmã Christabel foram questões de classe. Isso resultou, na década de 1920, depois de quase 20 anos de luta, na candidatura de Emmeline ao parlamento pelo partido Tory [partido conservador, principal partido da burguesia na Inglaterra] e em Sylvia tornando-se membro fundadora do Partido Comunista britânico”.
A União Social e Política das Mulheres (WSPU) foi criada em 1903 como resultado da indecisão do Partido Trabalhista Independente sobre a questão do voto para as mulheres. A WSPU cresceu rapidamente e em 1907 tinha 3.000 seções, atraindo professoras, balconistas, escreventes, costureiras e trabalhadoras têxteis. Seu jornal “Voto para as Mulheres” vendia 40.000 cópias por semana. Elas foram capazes de encher o Albert Hall e organizar uma manifestação com 250.000 participantes no Hyde Park.
Em 1911, ao mesmo tempo em que o governo liberal de Asquith prometia um parlamento independente (Home Rule) para a Irlanda, também acenou com a perspectiva do direito de voto para as mulheres (proprietárias). Mas os liberais traíram as duas promessas. Quando as sufragistas recorreram a ação direta para a sua causa, elas foram tratadas com a repressão mais brutal: surras, prisão e a tortura da alimentação forçada. Esta campanha foi organizada principalmente por mulheres da classe média. Mas a tática de quebrar janelas, defendida pela ala burguesa das sufragistas, não levou a lugar nenhum. A classe dominante permaneceu em irredutível oposição ao voto para as mulheres.
O verdadeiro caminho para o movimento dos direitos das mulheres teria sido estabelecer laços com o movimento operário, que na época estava envolvido em uma dura luta com a classe patronal. Esta foi uma época de ascensão da luta de classes na Grã-Bretanha, com greves em massa de estivadores e trabalhadores dos transportes. O “Liberal” Asquith mandou tropas para reprimir uma greve de mineiros no sul de Gales. Um setor do movimento das mulheres tentou fazer isso com algum sucesso. Sylvia Pankhurst preferiu adotar os métodos de agitação e propaganda entre mulheres da classe trabalhadora na região leste de Londres. Em Bermondsey, no sul de Londres, as mulheres em greve numa fábrica de alimentos se juntaram a outras 15 mil de fábricas e oficinas locais em uma reunião em massa em Southwark Park. Elas exigiram aumento de salário e o direito de voto. Este era o caminho: usar a arma da luta de classes para vincular a luta por demandas econômicas às demandas políticas, especialmente a demanda do voto para as mulheres.
A diferença na atitude e perspectiva de classe resultou em uma cisão no movimento sufragista em linhas de classe, e também levou a uma divisão na família Pankhurst. Em janeiro de 1914, poucos meses antes da Guerra, Sylvia foi chamada a Paris para uma reunião com a mãe, Emmeline, e a irmã, Christabel. Situada em um confortável exílio em Paris, Christabel era a imagem da saúde, enquanto Sylvia estava desgastada pela prisão e greves de fome. Em contraste com a posição de classe defendida por Sylvia Pankhurst, sua irmã Christabel insistiu na independência do WSPU de todos os partidos que os homens organizavam. Christabel exigiu a exclusão da Federação do Leste de Londres do WSPU. Ou seja, ela exigiu a expulsão das mulheres da classe trabalhadora do movimento sufragista.
Esta classe média esnobe argumentava que a Federação do Leste de Londres tinha uma constituição democrática e era demasiadamente apoiada em mulheres da classe trabalhadora. Parece que a mãe tentou uma conciliação, mas Christabel foi inflexível, exigindo um “corte limpo”. Assim, em janeiro de 1914, A Federação do Leste de Londres foi forçada a romper com a WSPU e formar uma organização separada (East London Federation of Suffragettes – ELFS). Isto ilustra perfeitamente a atitude do feminismo de classe média com relação à classe trabalhadora. Jen Pickard comenta: “Esta cisão na WSPU refletia uma polarização geral ocorrendo na sociedade britânica entre 1911 e 1914, cada grupo-chave de trabalhadores (estivadores, trabalhadores em transportes, ferroviários, engenheiros) esteve envolvido em greves. Mesmo entre as integrantes da WSPU, que foram presas e alimentadas à força, foram as mulheres da classe trabalhadora que sofreram as piores condições e o pior tratamento. “
Aqui, novamente, a questão de classe foi fundamental. A cisão no movimento sufragista mostra a real atitude das feministas burguesas com relação às mulheres da classe trabalhadora, ao socialismo e ao movimento operário. Ao colocar a questão como um conflito de “homens contra mulheres”, elas desempenham um papel negativo e inevitavelmente acabam em uma posição reacionária, como ficou claro apenas alguns meses após a separação. Em 1914, a Primeira Guerra Mundial interrompeu o desenvolvimento da luta de classes na Grã-Bretanha. Da noite para o dia, as feministas “rebeldes” Emmeline e Christabel transformaram-se imediatamente nas chauvinistas mais fanáticas. O nome do jornal do WSPU foi alterado de “Votos Para As Mulheres” para “Britannia”. Seu lema era “Rei, Pátria, liberdade”.
Esta foi uma traição abjeta e descarada da causa das mulheres. Ela expôs a verdadeira natureza de classe da burguesia feminina, e o abismo que a separa da classe trabalhadora e do socialismo. Com todo seu radicalismo verbal e demagogia, em última análise, elas estavam predispostas a unir-se com os homens de sua classe – a classe dominante – contra os homens e as mulheres do proletariado: contra aqueles que tiveram que encarar a guerra, morrendo e sofrendo enquanto elas acenavam a bandeira em uma situação de conforto e segurança. É sempre a mesma história.
Sylvia Pankhurst, para seu crédito, se opôs à guerra – embora de um ponto de vista pacifista e confuso – e fez uma campanha nas fábricas para obter pagamento igual para as mulheres que tinham sido recrutadas para substituir os homens, que estavam na frente da batalha, na indústria de armas e de engenharia. Ela publicou um jornal chamado O Encouraçado dos Trabalhadores e, mais tarde, ingressou no Partido Comunista, onde manteve uma posição ultraesquerdista. Sua compreensão do marxismo era muito limitada, mas pelo menos ela tentou adotar uma posição de classe. Em 1918, as mulheres britânicas com mais de 30 anos de idade conseguiram o direito de votar. Isto não foi um resultado da tática das sufragistas, mas sim um subproduto da Revolução Russa e da efervescência revolucionária que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, que abalou a classe dominante britânica e a obrigou a fazer concessões. Aqui, novamente, constatamos que as reformas são apenas um subproduto da revolução.
A emancipação da mulher e o socialismo
As revoluções burguesas do passado proclamaram os “direitos do homem”, mas na prática nunca alcançaram a igualdade da mulher. De fato, o avanço na situação das mulheres sob o capitalismo foi, em parte, um produto derivado da luta de classes e, em parte, o resultado da mudança do papel das mulheres na produção. Certos direitos políticos foram conquistados nos países capitalistas avançados (uma minoria em termos mundiais), mas a emancipação verdadeira não foi alcançada e nunca poderá ser alcançada nos limites do capitalismo.
Já em 1848, Marx e Engels levantaram a demanda pela abolição da família burguesa. No entanto, a família não pode ser abolida em um único golpe. Esta demanda não pode ser satisfeita a menos que haja uma base material para isso. Isto só pode ser atingido pela derrubada do capitalismo e a criação de uma nova sociedade baseada em um plano harmonioso e democrático da produção, com o envolvimento de toda a sociedade nas tarefas comuns da administração. Uma vez que as forças produtivas estejam livres da camisa de força da propriedade privada e do Estado-nação, será possível atingir rapidamente um nível inimaginável de bem-estar econômico. A velha mentalidade de medo, ganância, inveja e avareza desaparecerá na medida em que as condições materiais que lhe dão origem sejam removidas.
O caminho estará aberto para uma transformação radical das condições de vida, e, portanto, para uma transformação das relações entre homens e mulheres, e de todo o seu modo de pensar e agir. Sem esse salto gigantesco, toda a conversa sobre mudar o caráter e a psicologia das pessoas será apenas uma conversa fiada e enganosa. O ser social determina a consciência.
O papel das mulheres da classe trabalhadora foi visto na Rússia em fevereiro de 1917. O czar foi derrubado por uma revolução que começou no Dia Internacional da Mulher, quando as mulheres trabalhadoras de Petrogrado decidiram entrar em greve e protestar nas ruas, apesar da recomendação dos bolcheviques locais, que temiam a ocorrência de um massacre. Guiadas por seus instintos proletários de classe, elas puseram de lado todas as objeções e começaram a revolução. Veremos muitos mais exemplos como este no futuro.
A verdadeira emancipação das mulheres somente será possível quando a classe trabalhadora como um todo se emancipar. O socialismo vai permitir o livre desenvolvimento da personalidade humana e o estabelecimento de relações autenticamente humanas entre homens e mulheres, livres de pressões externas brutais, sejam sociais, econômicas ou religiosas. No entanto, tal sociedade pressupõe um nível de desenvolvimento econômico e cultural que situa-se em um patamar mais elevado do que as nações capitalistas mais desenvolvidas. Na Rússia, em outubro de 1917, essa base não existia, dado o atraso predominante. Portanto, apesar dos enormes avanços possibilitados pela Revolução, a posição das mulheres na Rússia foi jogada para trás, primeiro pelo stalinismo, e agora mais ainda pela tentativa de voltar a impor o capitalismo. A posição das mulheres na Rússia e no Leste da Europa é agora pior do que nunca. Isto não deveria surpreender ninguém. Nos limites do capitalismo, nenhum avanço real é possível em nenhum lugar, e muito menos na Rússia.
As mulheres vão desempenhar um papel essencial na derrubada do capitalismo e na construção do socialismo. Mas trata-se aqui, novamente, das mulheres da classe trabalhadora lutando por sua própria emancipação – e de toda a classe. Portanto, não se trata de uma questão de homens ou de feministas universitárias de classe média “ensinarem” as mulheres a lutar por “causas femininas”, mas sim das mulheres da classe trabalhadora adquirirem consciência de classe e confiança em si próprias através da sua participação na luta de classes. No processo de luta para transformar a sociedade, homens e mulheres também se transformam. Podemos ver como, em cada greve, os trabalhadores erguem-se à altura de seres humanos reais e deixam de lado a mentalidade de escravos. Quanto mais verdadeiro isto seria no caso de uma revolução!
Esta é a única maneira de alcançar a libertação genuína, não só das mulheres, mas das mulheres e também dos homens. Na verdade, uma coisa não é possível sem a outra. Lutamos para a libertação, não deste ou daquele grupo, mas da própria humanidade. Isso não significa de modo algum que as mulheres devem abandonar a luta por melhorias imediatas. Pelo contrário. Sem a luta diária por avanços sob o capitalismo, a revolução socialista seria impossível. Mas, por um lado, é necessário entender que, sob o capitalismo, qualquer avanço terá sempre um caráter parcial, distorcido e instável, e será constantemente ameaçado pela crise do sistema e pela deterioração geral da situação, e pela decadência social, moral e cultural. Por outro lado, é necessário vincular firmemente a luta contra a opressão das mulheres com a luta da classe trabalhadora contra o capitalismo. Esse é o único caminho possível para a vitória.
Naturalmente, as cicatrizes psicológicas do barbarismo de classe com o seu cálculo egoísta, sua ganância e seu egoísmo, não vão desaparecer da noite para o dia, mesmo após a derrubada do capitalismo. Um período de tempo deve transcorrer antes que todo o lodo finalmente desapareça. Mas desde o início as relações entre homens e mulheres começarão a melhorar. As terríveis pressões econômicas que obscurecem vidas e distorcem todas as relações humanas serão imediatamente abolidas com a introdução de emprego decente, moradia e educação para todos. Um plano socialista democrático da produção irá criar as condições para que todos participem do funcionamento da sociedade. Isto, entre outras coisas, abolirá a antiga família introvertida e o indivíduo atomizado, e criará as condições para uma psicologia inteiramente diferente, enraizada nas novas relações livres e humanas.
A eliminação da sociedade de classes e, eventualmente, da mentalidade de escravo que flui do lodo da sociedade de classes, levará à criação de um novo homem e de uma nova mulher: seres humanos livres, capazes de viver juntos em harmonia, como pessoas liberadas, inteiramente livres da velha psicologia servil e possessiva. Tendo libertado homens e mulheres da perseguição humilhante de coisas materiais, que distorce e degrada a vida humana, será possível, pela primeira vez, que as pessoas se relacionem entre si como seres humanos. A relação entre homens e mulheres – o relacionamento mais bonito e natural – será livre para desenvolver-se sem qualquer coerção externa, cálculo egoísta ou dependência humilhante.
Traduzido por Ruy Penna