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OTAN: uma aliança pelo que?

Desde o começo do ano, um personagem tem protagonizado os noticiários, especialmente depois do início da Guerra na Ucrânia. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) está no centro do furacão político e militar que abalou a economia mundial. Do lado russo do conflito, o Kremlin alega que sua ofensiva se dá preventivamente, para evitar que a Ucrânia entre para a União Europeia e para a OTAN. Já os partidários da OTAN são os principais apoiadores do governo e do exército ucraniano. Para além da propaganda chauvinista, os marxistas precisam entender do que se trata a OTAN e como se posicionar em relação a ela.

O Tratado do Atlântico Norte, do qual são signatários os países membros da OTAN, manifesta que seus integrantes “reafirmam…o desejo de viver em paz com todos os povos e com todos os governos”. O histórico da aliança militar, entretanto, é outro: os rastros de provocação, intervenção e sangue, desde a sua fundação, quase sempre levam para a trilha da OTAN.

A ascensão da OTAN

A OTAN foi fundada em 1949, por iniciativa dos Estados Unidos, e incluiu inicialmente EUA, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Portugal, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, Islândia e Luxemburgo. Grécia e Turquia aderiram em 1952.

O tratado declara em seus artigos a intenção de resolver os conflitos entre seus membros através da diplomacia, e manifesta a defesa da democracia, da liberdade, dos direitos individuais etc. Claro que sem aprofundar o que seja sua visão comum de democracia, liberdade etc. Mas o artigo mais conhecido e mais importante é o artigo 5:

“As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente…”

No contexto da Guerra Fria, a mensagem era clara. A principal missão da OTAN era ser mais um meio de dissuadir uma possível expansão ou intervenção da União Soviética em mais países europeus. Os imperialistas dos EUA e da Europa estavam assustados com as grandes conquistas do Exército Vermelho na vitória contra os nazistas, a que se seguiu a expropriação do capital na China e no Vietnã e as diversas explosões da luta de classes pelo mundo. A burguesia temia que, pressionada pelas massas ou de acordo com seus próprios interesses, a burocracia dirigente da União Soviética fosse “longe demais”.

Em 1955, em resposta à entrada da Alemanha ocidental à OTAN, a União Soviética lidera a criação do Pacto de Varsóvia, também como complemento ao plano de integração e colaboração econômica entre os estados operários do Leste Europeu. É importante frisar que o desenvolvimento da indústria e da economia desses estados ainda marca as relações econômicas desses países. Isso explica, por exemplo, a importância da Ucrânia para a economia da Rússia.

Com a restauração capitalista, ex-repúblicas soviéticas logo aderiram à OTAN, como Polônia, República Checa (1999), Romênia, Bulgária, Eslováquia, Eslovênia,  Estônia, Lituânia e Letônia (2004). Ironicamente, até mesmo Vladimir Putin, sugeriu, segundo ele mesmo “meio a sério, meio como uma piada” ao presidente norte-americano Bill Clinton a entrada da Rússia na OTAN.

Acontece que um setor da nova classe dominante russa, cujo poder está ligado principalmente ao setor de commodities e militar apropriados da União Soviética, precisava preservar seus próprios interesses. Os mesmos que logo entraram em conflito com os do imperialismo americano, na disputa pelos mercados da Europa. Foi quando Putin precisou tornar-se um “ultranacionalista”.

Aventuras e desacordos

Apesar de se apresentar como uma aliança de caráter defensivo, e pela manutenção da segurança na Europa e no Atlântico Norte, em 1999 a OTAN realizou uma brutal e covarde campanha de bombardeios na Iugoslávia. Sua alegação era para supostamente deter abusos de direitos humanos no Kosovo, onde eclodira um movimento separatista albanês contra a opressão dessa nacionalidade. 

A campanha da OTAN não obteve aprovação do conselho de segurança da ONU, e não tinha motivação “humanitária”. O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, enfrentava então uma crise política por supostamente ter um caso extraconjugal com uma estagiária de 22 anos da Casa Branca. Havia ainda pressões por mais liberalizações na economia da região e o interesse estratégico da OTAN de posicionar mais tropas próximas à fronteira com a Rússia. Estima-se que 1.200 civis foram mortos pelos bombardeios.

A OTAN também participou das invasões do Iraque, que nunca atingiram o objetivo declarado de encontrar armas nucleares, e do Afeganistão, supostamente para acabar com a atividade de grupos terroristas no território, que poderiam atacar os EUA ou a Europa. A ocupação do Afeganistão durou 20 anos e terminou em agosto de 2021. A retirada das tropas ocupantes foi vergonhosa, com o país voltando novamente ao controle dos reacionários fundamentalistas do Talibã. Está fresco na memória do mundo as cenas de dezenas de milhares de pessoas pendurando-se em aviões e tentando fugir desesperadas. Mas segundo o secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, a organização permanece forte e seu objetivo foi cumprido: “É verdade, invocamos o artigo 5º em 2001. Mas não o invocamos para proteger ao Afeganistão, e sim para proteger os EUA, que é membro da OTAN”.

Em 2019, o primeiro-ministro francês, Emmanuel Macron, em entrevista concedida à revista The Economist, criticou duramente seus companheiros de aliança, pela falta de coordenação na agressão à Síria:

A OTAN está em estado de morte cerebral”;
“Não há nenhuma coordenação na tomada de decisões estratégicas entre Estados Unidos e seus aliados da Otan. Nenhuma. Há uma ação agressiva, descoordenada, de outro aliado da Otan, a Turquia, em uma zona em que nossos interesses estão em jogo.”

Ainda sobre as incursões da Turquia contra a minoria curda, que luta pela sua autodeterminação num enclave entre o norte da Síria e o sul da Turquia:

“O que significará o artigo 5 amanhã? Se o regime de Bashar al-Assad decidir adotar represálias contra a Turquia, vamos nos comprometer com eles? É uma pergunta crucial”.

Macron ainda defendeu uma maior autonomia “em termos de estratégia e capacidade militar”, e defendeu o diálogo com a Rússia. Justo a Rússia, que obteve grande vitória estratégica na Síria. Seu aliado Bashar Al Assad saiu vitorioso diante de uma série de inimigos. Entre os derrotados estão desde o Estado Islâmico, passando por outras milícias jihadistas, apoiadas e armadas direta ou indiretamente pelo imperialismo americano, que as usa com o objetivo de pleitar seus próprios interesses.

A questão é clara. Não é sempre possível conciliar os interesses nacionais dos membros da OTAN entre si, e com seu patrão maior o imperialismo americano. Esse é o cenário que nos leva à crise atual da Guerra na Ucrânia, com uma Europa que não pode abrir mão da Rússia, pelo menos não sem graves consequências.

É tudo por dinheiro

O aprofundamento da crise do capitalismo, que leva ao acirramento da concorrência pelos mercados, é o verdadeiro motivo por trás do aumento das contradições nacionais entre os capitalistas, e o verdadeiro motivo da sangrenta guerra que está a ser travada entre a Rússia e a OTAN pela Ucrânia.

A Rússia nunca pode se integrar totalmente ao Ocidente, pois os interesses da burguesia russa, do setor de gás, petróleo e militar, são intrinsecamente concorrentes com o do imperialismo dos EUA. Tanto o imenso complexo industrial militar dos EUA quanto o da Rússia precisam de mercados para escoar a produção e fazer justiça de existir e alimentar-se de dinheiro público.

Apesar da pressão e dos apelos dos Estados Unidos, a Europa se tornou completamente dependente do gás russo, tanto para aquecer suas casas como movimentar suas indústrias. Essa dependência da Europa em relação a Rússia é uma situação que desestabiliza as pretensões de unidade da OTAN.

É certo que a Casa Branca entende o quanto a Ucrânia é fundamental para a Rússia, tanto do ponto de vista histórico como militar, mas fundamentalmente, econômico. O verdadeiro problema para a Rússia de uma adesão da Ucrânia à OTAN é esta cobertura militar ser usada por uma apropriação pelo imperialismo dos EUA e da Europa da indústria ucraniana. O complexo industrial militar russo é interdependente da infraestrutura ucraniana. Além disso, é pela Ucrânia que se estabelece o corredor envolvendo os portos, a agricultura de grãos e as rotas do gasoduto Nord Stream 2 por onde o gás russo é escoado para a Europa.

A pressão política e econômica sobre a Europa está crescendo. O rigoroso inverno pode ser um ponto de virada na disputa Rússia-OTAN, já que o fornecimento de gás para a Europa pelo Nord Stream 1 está operando com apenas 20% da sua capacidade. Ainda assim, a Alemanha foi “convencida” a aumentar seus gastos militares a 2% do seu PIB (100 bilhões de euros) diante da “ameaça” russa. O complexo industrial militar dos EUA não para de jorrar munição para a Ucrânia. Já escoaram US$ 8,8 bi em material militar para ajudar o exército ucraniano, e mais US$ 1 bi estava a caminho no mês de setembro.

A última cúpula da OTAN ocorrida em Madri entre 28 e 30 de fevereiro encerrou com a promessa de aumentar de 40 mil para 300 mil as tropas da organização na Europa. Foram aprovadas a entrada da Finlândia e da Suécia, que inicialmente tiveram que enfrentar a resistência da Turquia pelos seus desacordos sobre as operações contra os curdos. A resistência turca foi quebrada pela autorização fornecida pelos EUA, para a compra dos modernos F-35. É tudo por dinheiro.

O que é a OTAN e como combatê-la

Há uma clara pressão dos EUA para que a Europa e a Alemanha em particular aumentem seus gastos militares. O espantalho é a ameaça russa, mas a trilha do dinheiro leva à constatação de interesses muito mais concretos. A OTAN é hoje uma ferramenta do imperialismo norte-americano, para garantir sua hegemonia política e econômica na Europa, e suas operações servem ao complexo industrial militar.

Como o histórico dessa organização demonstra, qualquer um na esquerda que defenda a OTAN como uma organização “democrática” ou para a manutenção da “paz” não é um ingênuo, e sim um aberto traidor da classe trabalhadora e um defensor do imperialismo.

A Macedônia do Norte entrou na OTAN com o apoio e entusiasmo do primeiro-ministro grego do SYRIZA Alex Tsipras, depois que o país aceitou adicionar “do Norte” para atender uma reivindicação nacionalista de diferenciar-se da Macedônia grega. O líder do Labour Party, Keir Stamer, declarou que o compromisso de seu partido com a aliança é “inabalável” e que Jeremy Corbin está “errado”. Na situação atual da Ucrânia, qualquer um que reivindique mais armas para a Ucrânia, está claramente pedindo mais lucro para o complexo industrial militar.

Os trabalhadores não têm lado na luta entre reacionários. Devemos seguir o caminho dos ferroviários gregos que impediram que um carregamento de tanques dos EUA fosse enviado para a Ucrânia. A classe operária é a classe que tem o poder de parar a produção e a circulação. Sem armas para as guerras dos imperialistas! Cabe à classe trabalhadora de cada país lidar com os seus opressores e exploradores!