Pós-graduação e vínculo empregatício: perspectivas para o movimento de pós-graduandos

Neste ano diversas medidas governamentais tiveram fortes efeitos sobre a estrutura da pós-graduação. Porém, uma teve grande impacto, a portaria que define o fim da dedicação exclusiva para estudantes bolsistas de pós-graduação da Capes e CNPq.

No ano de 2010 diversas medidas governamentais tiveram fortes efeitos sobre a estrutura da pós-graduação no país. Dentre elas, uma teve impacto profundo, a portaria que define o fim da dedicação exclusiva para estudantes de pós-graduação que recebam bolsas de estudos das agencias de fomento Capes e CNPq, vinculadas, respectivamente, ao Ministério de Educação e Cultura (MEC) e Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). A partir da aprovação desta medida, as bolsas auxílios para estudantes de pós-graduação deixam de ser vistas como meio exclusivo de sustento do pós-graduando para tornar-se apenas mais uma das formas de tentar garantir suas condições essenciais de subsistência. A reação entusiasmada da maioria dos estudantes de pós-graduação, que recebeu calorosamente a iniciativa do governo, permite, sobre diversos aspectos, discutir o contexto atual do movimento da pós-graduação e a situação do estudante de pós-graduação no país.

Há algum tempo que nos fóruns das associações de pós-graduandos e de sua associação nacional, a ANPG, vem sendo debatido o papel do pós-graduando em nosso país e as condições que hoje enfrenta no desempenho de suas tarefas. Não obstante o pós-graduando seja responsável pela produção do “grosso” da ciência no Brasil, seu trabalho é pouco valorizado, principalmente quando o conhecimento gerado por esses pesquisadores não é voltado diretamente para a aplicação tecnológica, passível de gerar lucros para empresas privadas. Assim, além da falta de bolsas de estudo, que particularmente nos cursos de humanas e biológicas são privilégio de uma minoria, com frequência se encontra a falta de financiamento apropriado para o desenvolvimento da pesquisa, além da ausência de direitos bem definidos para os que desenvolvem pesquisa nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras.

Se por um lado os pós-graduandos são estudantes, por outro, a maior parte de seu tempo na pós-graduação é utilizada para a produção de conhecimento cientifico importante para o país, e, portanto, para o desempenho de trabalho intelectual que será socializado. Entretanto, esse trabalho, além de não ser, por muitas vezes, remunerado, quando o é carece de reconhecimento enquanto tal, resultando na falta de direitos diversos que possam garantir condições decentes para o desempenho de uma ciência de qualidade como décima terceira bolsa, regulamentação do tempo de trabalho, data-base, reajuste anual nas bolsas, etc. Em virtude disso, as entidades representativas dos pós-graduandos têm se organizado em torno da ANPG para reivindicar do governo federal, responsável pela regulamentação da pós, que essas condições sejam garantidas.

Em resposta, o governo lança uma medida que vem na contramão do quem tem sido as principais bandeiras dos pós-graduandos. Ao invés de reconhecer a pós-graduação enquanto trabalho produtivo e assumir sua responsabilidade em garantir as condições para o seu bom desempenho e qualidade de vida para o pesquisador, o governo transfere a responsabilidade de volta ao pós-graduando pelo provimento de suas necessidades básicas. Ao invés de universalizar as bolsas de pós-graduação e regulamentá-las para garantir o bom desempenho deste trabalho, o governo aprova a portaria conjunta Capes/CNPq 01/2010, dizendo ao pós-graduando que agora ele pode buscar por si próprio formas de aumentar sua receita, através do aumento de sua jornada de trabalho.

Tal medida, no contexto do modelo de distribuição de verbas e bolsas adotado pelo governo para a pós-graduação, tem consequências ainda mais graves. A distribuição de verbas e bolsas aos programas de pós-graduação é baseada em critérios de produtividade científica, mensurados em uma avaliação trienal feita pelo MEC, que atribui notas aos diferentes programas das universidades do país. Nessa avaliação a produtividade discente, ou seja, produção de artigos científicos, livros, capítulos de livros, etc., pelo estudante de pós-graduação tem um peso considerável. Uma vez que o pós-graduando seja obrigado a dividir o tempo investido em sua pesquisa com outro tipo de trabalho, provavelmente teremos como consequência uma diminuição na produtividade e consequentemente no financiamento da pós-graduação, gerando uma situação em que a concessão de bolsas gradualmente sai de cena dando lugar ao trabalho pessoal como forma de manter-se na pós-graduação, situação recorrente em outros países do continente sul-americano como a Argentina, onde sequer existe pós-graduação gratuita. Assim, uma medida que pareceu aos pós-graduandos como uma boa oportunidade, revela-se, quando submetida a uma análise mais profunda, uma política de transferência dos deveres do Estado para com a sociedade para a esfera privada, ou seja, uma política de cunho neoliberal.

Massacrada com a falta de bolsas de pós-graduação e com a falta de emprego no mercado de trabalho a maioria dos pós-graduandos interpretou que a medida era boa, pois permitiria que o pós-graduando saísse da pós-graduação com experiência profissional no currículo, o que proporcionaria uma melhor chance de competir no mercado de trabalho. Entretanto, essa forma um tanto quanto estreita de ver a situação, deixa de levar em conta que a medida não cria uma vaga sequer ou oportunidades de emprego no mercado de trabalho. Então o que temos é uma medida que nos dá uma noção falsa de melhoria na chance de obter emprego, quando na verdade apenas acentua a tendência atual de, aumentando as exigências do candidato a uma determinada vaga, dar um critério aparentemente justo para a exclusão social, critério que longe de aumentar a qualidade de vida do pós-graduando enquanto categoria tem como consequência o aumento da auto-exploração. Devemos ter em mente que o governo não mexeu no problema do emprego e nem na questão da conexão entre universidade e mercado de trabalho.

Outro argumento frequentemente usado pelos estudantes é o de que a portaria é boa porque permite o acumulo de experiência docente para os futuros professores. Esse argumento também é falso, pois a experiência docente poderia ser adquirida de forma mais eficaz se fosse implantada como parte da formação do pós-graduando dentro dos programas de pós, por exemplo, através do oferecimento de disciplinas optativas na própria universidade, ministradas por estudantes de pós-graduação, como pré-requisito para adquirir o título de mestre ou doutor, ou ainda por algum tipo de estagio de longa duração feito pelo pós-graduando, que ministraria parte de disciplinas oferecidas por seus orientadores.

Foi utilizando-se de problemas reais sofridos pelos pós-graduandos, e alegando apresentar uma solução para esses problemas, que o governo, de forma “astuta”, logrou fazer com que os pós-graduandos acreditassem que se resolvia, não só seus problemas financeiros atuais, mas também os problemas de falta de empregos para pós-graduandos recém-formados e de formação docente ineficaz desses mestres e doutores. Para impor tal engano aos estudantes, o governo pegou carona na mentalidade individualista que domina o mundo acadêmico, além de fazer uso de sua velha estratégia (que vem desde os tempos do Reuni) de deixar que a universidade “decida” se irá aderir ou não à portaria, se eximindo de qualquer responsabilidade pelas consequências de suas medidas. De quebra, ainda teve alguns ganhos indiretos, já que sem dúvida a portaria favorece uma fragmentação ainda maior da categoria dos pós-graduandos, pois fortalece a mentalidade da busca por soluções no âmbito individual para problemas que só podem ser resolvidos coletivamente. Os pós-graduandos que cada vez menos procuram o movimento da pós-graduação, alegando falta de tempo, agora devem dedicar o tempo que não tinham buscando preencher os buracos deixados por um Estado omisso. Cada um deverá se dedicar a conquista de seu próprio emprego, por vezes ao preço de uma disputa contra seu próprio companheiro de pesquisa e possível companheiro de luta.

Dessa forma, a pós-graduação segue recebendo golpes e golpes, assim como seguem os trabalhadores numa sociedade em que a política do Estado está voltada à redução dos gastos públicos com o setor público e o seu direcionamento ao setor privado, principalmente à exportação de matéria-prima para países imperialistas. Para mudar esse quadro os pós-graduandos precisam entender que só vão conseguir pensar as consequências das medidas governamentais para o setor quando participarem de debates com seus colegas de trabalho, se utilizando de suas entidades representativas e de seus fóruns, e mais ainda, quando entenderem que só discutir não basta, nem coletivamente e muito menos pelos corredores da universidade, mas que é preciso agir e agir de forma sincronizada. É preciso unidade. É justamente porque temos tempo limitado que temos que usá-lo de forma eficiente, não dispersa, mas organizada, e mais que nunca nos apoiarmos uns nos outros. Assim, quando um de nós tiver dificuldades para continuar, poderemos ter a consciência tranquila de que nossos companheiros darão continuidade àquilo que começamos.

Só a pós-graduação é capaz de pensar a si própria, de construir o modelo de universidade que irá permitir uma verdadeira democratização do conhecimento e pressionar pela construção desse modelo. Enquanto ela não passar a encarar seus problemas sob um ponto de vista político, veremos a produção de ciência cada vez mais voltada aos interesses de uma minoria da sociedade, que a cada dia suga para si o dinheiro do Estado e o obriga a secar as fontes de verbas públicas para o setor público. Almejar projetos de tamanha grandeza e ainda por cima contra-hegemônicos vão exigir a mudança do pensamento individualista para o pensamento coletivo, e não só uma mudança de pensamento, mas de prioridades, de posturas, de ações. Não se trata de ser solidário, certamente colheremos amanhã o que estamos plantando hoje. Por isso, olhar para a sociedade de uma forma global é cuidar do nosso futuro. A unidade na nossa categoria, por uma pós-graduação verdadeiramente voltada a ampliar o bem estar humano é certamente o mais promissor dos caminhos, é plantar sementes para o futuro.

Vinícius Dantas é Coordenador Geral da Associação de Pós-Graduandos da UFSCar
Email: Vinicius.dantas@hotmail.com
Blog: ospensamentossaolivres.blogspot.com

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