`Sou viril, ariano, tenho raça!´ (declaração do ator Marcio Garcia*)
Ao passar o olhar sob sites de noticias neste domingo deparo-me com a seguinte citação no site de O Globo:
Márcio Garcia: ‘Não sou como o Bahuan. Sou viril, ariano, tenho raça’
“As pessoas que gostam de mim, como a minha mãe, por exemplo, gostariam de me ver com uma atitude mais austera. Não sou como o Bahuan. Sou viril,ariano, tenho raça. o Bahuan não é assim- avalia Márcio.;possui a carga genética de ser um intocável. Conversei com intocáveis quando fui à Índia para gravar a novela, e é uma coisa de louco. Eles se sentem tão inferiores que nem olham nos olhos do interlocutor. Não posso botar o carro na frente dos bois. Tenho que seguir a direção da trama e esperar a mudança que o personagem ainda vai ter.” (Coluna de Cultura de O Globo, por Patrícia Kogut)
Uma declaração inteiramente racista, do início ao fim. Não só por se auto-declarar “ariano”, mas também por associar esta condição (de sua “raça”) à sua própria virilidade e, além de tudo, por repetir a velha cantilena de todo racista – “carga genética de ser um intocável”. Ou seja, a “raça” inferior já seria inferior por sua própria carga genética, não por lá ter sido colocada por um sistema que cria “superiores” (os capitalistas e todos os seus comensais) e “inferiores” (os proletários, os trabalhadores, todos os oprimidos).
O racismo teve sua origem no início do capitalismo, na necessidade de justificar a escravidão que se reintroduzia de conteúdo diferente da escravidão primitiva, destinada não a ser a forma única de subir da barbárie para uma forma de organização melhor (os bárbaros matavam e, às vezes, comiam seus inimigos – a escravidão os livrava da morte), mas como uma escada para a acumulação primitiva que gerava capitais que escravizaria a maior parte da humanidade como proletários.
Mas a burguesia fez mais que isso. Ela desenvolveu as ciências e para justificar primeiro a própria escravidão e depois para dividir a classe operária (já que ela, burguesia, era minoria na sociedade e para governar com a sua “democracia” necessita dividir os de baixo) inventou o racismo científico, a divisão em raças. É esta bobagem que o ator global repetiu – ou inventaram para ele, nunca se pode ter certeza. Mas o certo é que a invenção e a defesa genética do racismo estão presentes no site de O Globo e noticiadas na primeira página de Domingo, 15 de fevereiro de 2009. Então, não é só o ator (que depois de alguns ataques provavelmente vai desmentir a declaração) que é responsável por isto.
Aliás, racismo é o que aparece nas declarações dos jornais suíços ao tratar do caso da brasileira que foi, ao que tudo indica, atacada na Suiça pelo simples fato de ser brasileira. Os jornais da Suiça e o partido de direita que teve suas iniciais gravadas na pele da brasileira assim estão reagindo:
O “Tagesanzeiger”, jornal influente da Suíça alemã, leciona que o caso de Paula pode ser visto como uma lição sobre a manipulação da mídia e que mostraria o grande interesse da sociedade em pessoas que sofrem de “borderline”, ou seja, um transtorno de personalidade. “O caso da brasileira mostra não apenas o desnível entre poder e impotência de uma cobertura midiática extensa, mas também que estamos tratando de um corpo feminino e, além de tudo, em gravidez e que teria sido abusado”, analisa o redator. Ele ainda prediz conseqüências graves para Paula Oliveira: “a mesma indignação popular pelo suposto ato de violência irá se voltar contra ela mesma”.
Como primeira reação, a União Democrática do Centro (UDC ou SVP, na sigla em alemão), partido da direita nacionalista da qual as iniciais estavam entalhadas no corpo da brasileira, já está exigindo conseqüências para Paula e outras pessoas próximas, caso seja provado que ela deu falso testemunho. O partido ainda exige que ela mesma arque com as despesas das investigações e que as autoridades de imigrações retirem o seu visto de residência no país. “Os danos causados à Suíça pelas acusações infundadas justificam essas ações”, escreve o diretório estadual do partido de Zurique. (Swissinfo, 14/02/2009)
O que estes jornais procuram esconder é o fato de que ataques contra estrangeiros se tornaram coisas comuns na Suíça. Uma funcionária do governo suíço explica a situação:
“O público em geral não se importa com as vítimas dos extremistas. Qualquer um que se pareça estrangeiro ou que tenha pele escura tem razão de ter medo da violência”, afirmou Doris. “Racismo, antissemitismo, islamofobia são inerentes às ideologias de extrema direita”, disse. Doris Angst ataca também o comportamento da polícia local no tratamento de casos de racismo. “A polícia suíça é parcialmente cega quando se trata de casos de extremistas e de neonazistas”, afirmou. (Agência Estado, 12/02/2009)
Qual a origem destas manifestações? Por que elas aumentam em tempos como estes? Leon Trotsky, num estudo clássico sobre o nazismo na Alemanha (ler Revolução e Contra Revolução na Alemanha) explica que o facismo é formado pela “poeira” da sociedade, pelo lúmpem-proletariado, pela pequeno-burguesia que é organizada e armada pela burguesia para ser usada como uma aríete contra o proletariado organizado. Um exemplo disso são as milícias nos morros do Rio, que contam com a proteção (não oficial) da polícia e que estabelecem “regras” próprias nos morros, como não poder bater nos filhos, não jogar bola depois das 19h, não ficar nos bares após determinada hora, etc. Regras que servem para estabelecer seu domínio e impedir qualquer força de organização ou manifestação independente.
Para a burguesia, o que falta no Rio? Exatamente o que tem na Suíça: um partido que organize nacionalmente estas milícias. E que vai contar, tal qual na Suíça, com o beneplácito do aparelho repressor governamental (como denuncia a própria funcionária do governo suíço).
Sim, a esta altura da história é possível duvidar da história de Paula? Muitos o fazem. Mas o que está sendo feito na Suíça eu já vi antes, na imprensa e nas versões oficiais – a forma como eram tratados os opositores da ditadura militar, inclusive a velha história de que foram os presos que se “auto-mutilaram” ou “suicidaram”. Sempre a vítima se torna o criminoso como querem agora os direitistas suíços. O pai de Paula, inclusive, relatou na TV que a filha tem ferimentos nas costas, nos seios, nos órgãos genitais.
Paula estava grávida? Difícil de saber. Paula foi agredida? Provavelmente. Afinal, que motivos teria ela para traçar as letras do partido de direita (e, ainda por cima, a sigla alemã do partido)? A polícia pode tirar outras conclusões com um testemunho “científico”? Pode. E caminha neste sentido.
Afinal, como mostra a declaração do ator global, tudo pode passar por científico, inclusive o racismo. E esta pseudo-ciência que defende o racismo, que baseia os relatórios policiais (inclusive aqueles que no começo do século falavam em “estigmas criminosos”, “rostos propensos ao crime”) combinam exatamente com a declaração da polícia suíça sobre o caso: personalidade que tende a agredir a si própria. O relatório e a declaração mostram para onde irá a investigação e os três homens que chegaram a ser detidos no dia da agressão nunca serão mostrados a público. Afinal, “raças” inferiores só podem se ferir a si próprias ou, como declara o ator global, possuem “a carga genética” de ser inferior.
* Marcio Garcia é o ator que interpreta o personagem Bahuan na tele-novela da Globo “Caminho das Índias”.