A Revolução Síria atingiu sua etapa mais elevada até agora. O número e o tamanho das manifestações bateram recordes; cidades próximas à capital Damasco são tomadas pelos soldados desertores; embriões de poder popular surgem na forma de conselhos do povo.
Depois de estarem em baixa por um período, as manifestações na Síria voltaram a um nível recorde em termos de tamanho e distribuição geográfica. A página de facebook “Revolução Síria 2011” estima o número de manifestantes entre três e cinco milhões na sexta-feira e o número de locais em dezenas e centenas, cobrindo todo o país. O fato mais notável é que os protestos estão se tornando um fenômeno cotidiano em muitas áreas. Significativamente, o movimento se expande dentro das duas maiores cidades do país, Damasco e Aleppo, envolvendo a periferia como Al-Mazeh, na região metropolitana de Damasco, e Salah Al-Din, em Aleppo.
As forças do regime não foram capazes, após tentar durante semanas, de ganharem para seu controle áreas como Baba-Amrou, na cidade de Homs, e Khan-Shekun, na área rural de Idleb. Estes fracassos das forças de Assad parecem ter pavimentado o caminho para as forças do Exército Livre da Síria (ELS) para ganhar o controle de uma cidade-balneário chamada Zabadani, a somente 45 km de Damasco. Poucos dias depois, eles garantiram uma vitória temporária expulsando as forças de segurança do regime em Douma, região metropolitana de Damasco. Isto indicou definitivamente uma mudança no equilíbrio de forças entre o regime e a revolução.
Nos últimos dois dias, o desenvolvimento foi dramático. Lutas intensas ocorreram por toda a Síria, principalmente em torno da capital Damasco, onde os soldados desertores afirmam ter o controle parcial sobre algumas áreas a somente oito quilômetros do palácio presidencial. Hoje, o comandante Maher Al-Na’imi, porta-voz do ELS, falando à TV Al-Arabia disse que as forças do ELS estavam fortalecidas e confiantes com as recentes divisões nas forças armadas. Ele mencionou que nas últimas horas unidades estacionadas na periferia de Damasco tinham desertado com seus veículos militares (tanques etc.). Se isto se confirmar, seria a primeira vez que os soldados desertores disporiam de veículos e artilharia pesada.
Al-Na’imi ameaçou com duras consequências se o regime não detiver seus ataques sobre as áreas cercadas de Damasco ou se a força aérea for usada contra os soldados desertores, lembrando ao regime que o palácio presidencial se encontra dentro do alcance do ELS, a somente oito quilômetros de distância. Contudo, um analista militar de Beirute explicou que o regime está refreando o uso da força aérea por temer deserções nesta! Outro analista falando do Cairo destacou que dois terços do exército sírio estão sendo mantidos nos quartéis por medo de uma deserção imediata em massa se forem lançados contra o povo. Al-Na’imi acrescentou que tinha informação de que cerca de 1.500 oficiais do exército estão detidos devido ao fato de as forças sírias de inteligência suspeitarem de sua lealdade.
Muitos desses informes permanecem sem confirmação, mas existem crescentes indicações que refletem a situação real sobre o terreno. Isso indicaria uma virada na Revolução Síria. O regime está amedrontado. As tropas e os tanques foram fortemente preparados para o combate dentro de Damasco pela primeira vez hoje, e existem informes de explosões nas Praças Abasi’yn e Al-Fourdos. Informou-se que se iniciaram lutas corpo-a-corpo, com os manifestantes lutando com pedras e com as mãos nuas. Foi informado que um dos capangas do regime foi morto pelos manifestantes e que um ônibus da segurança foi destruído.
Se somando ao que parece ser um rápido colapso das forças do regime nas últimas horas, notícias interessantes chegam da cidade de Zabadani. Há semanas vêm surgindo notícias da formação de comitês populares e de comitês revolucionários em áreas como Dar’aa, Homs, Der Al-Zor e Idleb, mas sem detalhes concretos que possam ser confirmados sobre o assunto. Hoje, pela primeira vez, pude vislumbrar parte deste processo por meio da declaração que chegou do “Conselho Local Livre de Zabadani”. Esta declaração segue abaixo exatamente como a recebi:
“O Conselho Local Livre de Zabadani:
Tendo vivido em liberdade por dois meses após sua juventude ter repelido o ataque violento das gangues de Assad destinado a destruí-la e a sabotá-la, e depois de persistir firmemente diante de qualquer ataque, Al-Zabadani procurou construir sua própria experiência democrática. O povo da cidade se reuniu para criar um sistema eleitoral baseado na filiação familiar em que cada grupo de mil cidadãos tem um assento. As famílias concordaram em formar grupos de cerca de mil pessoas cada, e todos os componentes e seitas da sociedade participaram do processo, principalmente os cristãos, onde um padre fez um discurso comovente na assembleia constituinte. Cada família ou grupo de famílias foram convidados a eleger um representante para cada grupo de mil membros e uma comissão geral foi formada, dos quais 60 concorreram para a eleição do conselho local, resultando na formação de um conselho de 28 membros distribuídos por gabinetes. Elegeram um presidente e um secretário e formaram uma série de gabinetes: político, financeiro, saúde e salvamento, militar e de segurança, administração e serviços gerais. O Conselho e os gabinetes assumiram suas funções e a greve geral foi suspensa [aparentemente tinha ocorrido uma greve geral na área]. As escolas reabriram suas portas e as novas bandeiras foram levantadas, sendo saudadas todas as manhãs, juntamente com palavras de ordem para a queda de Bashar Al-Assad e seu miserável e criminoso regime. Os imãs das mesquitas foram substituídos por aqueles que pertencem ao povo e que estão comprometidos com a Revolução. Um ramo especial de segurança e investigações, os tribunais populares e um centro de detenção foram estabelecidos. Os veículos do Exército Livre colocaram placas especiais e começaram a patrulhar, formando grupos para controlar e vigiar todas as forças potencialmente hostis. Comitês registram a entrada e saída de estranhos. Todos estão participando em massa para preparar o que for necessário para repelir um ataque potencial, incluindo as necessidades alimentares, militares e de saúde, e também para acomodar os refugiados que solicitam segurança contra a brutalidade dos bandidos e de seu regime. Além disso, para fornecer suprimentos a outras cidades e vilas em ruínas e para ajudá-los a se libertarem. A Câmara Municipal nomeada pelo regime foi proibida sob pena de detenção e julgamento de qualquer autoridade que não tenha sido eleita em eleições livres. As ruas e praças foram rebatizadas com os nomes dos mártires. A clínica de um personagem da oposição, Dr. Kamal Labawani, foi escolhida como o centro para o Conselho Livre da Cidade, uma vez que está localizada perto da mesquita principal no centro comercial antigo da cidade onde começaram as manifestações e onde os primeiros mártires caíram. A democracia é uma experiência nova e um bebê recém-nascido que necessita de atenção e todos sabem que lhes faltam experiência e cultura da democracia e que é necessário passar ao sistema de partidos. Mas, primeiro, é necessária uma atmosfera de liberdade para um ponto de partida diferente se formar e cristalizar. É um começo e um começo bem sucedido se Deus quiser. Queremos que seja o início da libertação de todas as terras e povos da terra natal que são heróis queridos e merecem todo o respeito, todo o bem e todo apoio. E Deus vai trazer o êxito…”.
O que estamos vendo em Zabadani é, obviamente, o surgimento de um poder alternativo. O regime já não tem qualquer meio para afirmar sua autoridade e as massas criaram seus próprios órgãos democraticamente eleitos de poder. Em todas as revoluções na história do capitalismo, a começar com a Comuna de Paris de 1871, tais formas de poder de Conselhos apareceram. Em russo, eles eram chamados de “Soviets”. Eles formaram a base para o governo revolucionário depois da Revolução de 1917 e depois, a “União Soviética”.
Conselhos semelhantes apareceram nas revoluções egípcia e tunisiana. Não está claro se conselhos deste tipo já se desenvolveram no mesmo grau em outras áreas da Síria, mas é provável. Além disso, Zabadani se tornou um ponto focal de atenção para as massas que lutam por toda a Síria. Portanto, é provável que outros locais se inspirem nela e sigam seu exemplo. Estes conselhos significam o início de uma situação de dualidade de poder, pelo menos em nível local. Se estes forem desenvolvidos a um nível superior, os dias do regime estariam contados.
Infelizmente, os políticos pequeno-burgueses da oposição que se autonomearam como “líderes” do povo nunca acreditam ou confiam nas massas. Mais concretamente, eles temem o movimento independente das massas como uma ameaça a sua própria posição de “liderança”. Ainda assim, depois de ver estes maravilhosos desenvolvimentos e a determinação de ferro das massas, o Conselho Nacional Sírio (CNS) e a Comissão Geral da Revolução Síria (CGRS) estão ambos pedindo a intervenção estrangeira para “salvar a revolução de ser militarizada!”
No momento em que as massas estão tomando a iniciativa e se armando, criando seu próprio poder, esses senhores da oposição liberal estão apelando pela “paz”, um apelo que equivale a deixar o povo desarmado em face da brutal repressão militar.
As coisas estão se movendo rapidamente. É difícil aferir com precisão o estágio atual do movimento. O que está claro para muitos ativistas na Síria é que não há como voltar atrás. O desenvolvimento de um poder dual em Zabadani e em outros locais somente pode ser resolvido de uma das duas formas seguintes: ou as massas tomam uma ousada iniciativa, ou o regime esmaga o movimento em sangue.
Está na ordem do dia:
•Uma greve geral nacional deve ser imediatamente convocada. Ocupar postos de trabalho, fábricas e escritórios. Paralisar o que resta do poder do regime.
•É tempo de uma insurreição geral armada. Mobilizar os soldados livres. Armar as massas. Apelar para as fileiras e para os oficiais de baixa patente do exército a desertar e a se juntar ao povo revolucionário. É hora de tomar Damasco. “Marchar sobre Versalhes”.
•Não à intervenção estrangeira. As massas da Síria podem e devem concluir o trabalho elas mesmas. Denunciar os líderes políticos que mantêm o povo iludido. As massas são mais do que capazes de derrubar Assad.
•Conselhos de trabalhadores em todas as fábricas e locais de trabalho.
•Conselhos eleitos democraticamente em todos os bairros. Ligar os conselhos revolucionários de todas as aldeias, vilas, cidades e locais de trabalho em um Conselho Nacional de representantes democraticamente eleitos, expressando a vontade do povo e os interesses da revolução. Abaixo a impotente e falida CNS e GCRS! Por um governo revolucionário baseado em comissões de trabalhadores, camponeses e jovens!
Domingo, 29 de janeiro de 2012.
Tradução: Fabiano Adalberto Leite