Uma juventude que pede chacinas

Membro da JPMDB, o então Secretário Nacional de Juventude pediu por chacinas e mais mortos no presídio de Manaus semana passada, argumentando ser “meio coxinha”.

Lembro bem da primeira vez em que participei de um Congresso da União Nacional dos Estudantes. Era fim de maio, pouco antes de explodirem as manifestações de junho de 2013. A delegação impulsionada por nós era muito pequena. Andando pela variedade de rostos, faixas, bandeiras, bancas e tendas, me deparei com uma monstruosa estrutura naquela praça de Goiânia. Era o local em que ficava a Juventude do PMDB, que contava com potentes caixas de som, sofás, mesas, refrigeradores e muita gente arrumadinha. Algumas horas depois, apareceram com um enorme trio elétrico, onde falavam e colocavam músicas da moda.

Um de seus líderes mais destacados, Bruno Júlio, protagonizou um episódio nesta semana que ajuda a esclarecer quem são esses jovens, e o que representam. Em uma declaração enquanto comentava a chacina do presídio de Manaus, afirmou: “Eu sou meio coxinha sobre isso. Sou filho de polícia, né? Sou meio coxinha. Tinha é que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana”. Esse clamor sombrio por massacres sanguinários foi feito enquanto Bruno era Secretário Nacional de Juventude do Governo Federal.

O Palácio do Planalto define como tarefa da Secretaria Nacional de Juventude coordenar, integrar e articular políticas de juventude, além de promover programas de cooperação nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados para o segmento juvenil de 15 a 29 anos. Podemos apenas imaginar o que se passava na cabeça de Bruno e de sua equipe ao elaborar essas políticas desde junho do ano passado, quando foi nomeado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Esse tentou atenuar a atitude do pupilo ao dizer que representava a opinião pessoal dele, e não a do governo.

Porém, reservo-me o direito de desconfiar de um político profissional como Padilha. A opinião de Bruno, uma opinião “meio coxinha”, está no cerne da corrente de pensamento que hoje chamamos de direita. Esse desprezo à vida humana, o embrutecimento dos sentimentos, a ausência de solidariedade, a indiferença frente às injustiças. Esses são alguns elementos que constituem a psicologia “coxinha”, que nada mais é do que a moral dominante e difundida na atual sociedade capitalista. Característica em quem cresceu em meio à fartura proveniente pela miséria alheia, com uma formação cultural subordinada ao aceitável pela ideologia dominante, que não vê nada além de anomalias fora de seu mundo de luxos, tristemente essa visão de mundo contamina muitas vezes aqueles que dela são vítimas.

Mas Bruno Júlio não é uma vítima. Ele é um opressor. Um aprendiz de opressor, para ser mais exato. Desde o berço, foi forjado pelas mãos peludas do deputado estadual de Minas Gerais Cabo Júlio, também do PMDB. Sua formação “meio coxinha” consistiu em defender um estado de coisas baseado em uma odiosa divisão entre classes sociais, além de uma estrutura de estado para manter isso sem pudores em usar o sangue, a tortura e a repressão física e psicológica para se sustentar. Ingressado em um dos partidos da ordem política brasileira, o PMDB, foi alçado como quadro jovem para a Secretaria Nacional de Juventude, para aplicar uma política juvenil.

E o que a juventude poderia esperar de uma política formulada a partir de uma equipe composta por gente como Bruno? Nada mais do que uma política de classe, de uma juventude ligada aos filhos de empresários, banqueiros, juízes, políticos e toda uma camada social privilegiada na sociedade brasileira. Os interesses, objetivos e ações desses jovens não têm nenhuma relação com os filhos de trabalhadores de fábricas, comércios, serviços ou de pequeno-burgueses em crise. A juventude não consiste em uma camada amorfa da sociedade, ou que dela se separa. Ela carrega em si as mesmas relações e conflitos vivenciados nas gerações mais velhas.

Diretamente do palco da chacina ovacionada por Bruno, o camarada Felipe Libório de Manaus escreveu um excelente artigo chamado “Massacre prisional no Amazonas: os responsáveis não estão só atrás das grades”. Reunindo um conjunto muito rico de informações para ajudar a entender o que houve e como analisar essas mortes de um ponto de vista marxista, ele destaca que o Brasil está na quarta posição em maior população prisional do mundo para cada 100 mil habitantes. O relatório da mesma fonte registra mais de 622 mil detentos. Desses, 56% são homens entre 18 e 29 anos, e 67% são negros, números que chegam em 58% e 87% respectivamente no estado do Amazonas. São 53% com o ensino fundamental incompleto, 50% com um a três filhos, 27% que cometeram crimes relacionados com tráfico e 21% foram presos por roubos.

São mais de 360 mil jovens encarcerados, e como aponta Felipe, em sua maioria negros, sem escolaridade, sem acesso a um planejamento familiar e que cometeram crimes ligados à pobreza. São apenas 551 pessoas na cadeia por causa de crimes de colarinho branco (peculato, corrupção ativa e corrupção passiva). Bruno Júlio, Secretário Nacional de Juventude de Michel Temer, pediu a chacina da juventude, mas não de qualquer uma como vemos. Disse que tinha que matar mais filhos da classe trabalhadora, encarcerados por não terem lugar no que a sociedade capitalista pode oferecer. Essa massa de seres humanos, homens e mulheres, a pouco tempo meninos e meninas, foi transformada em reserva de força de trabalho encarcerada. E seu número apenas tende a aumentar, uma vez que aqueles que estão soltos sem trabalho já somam 12 milhões apenas nos números oficiais.

Essa é a política de Temer, mantida pelos governos Lula e Dilma, e da qual seu então Secretário Nacional da Juventude apenas era o seu representante mais sincero. Por isso, discordo de Eliseu Padilha. A declaração de Bruno concentra a opinião cristalina do governo. Sem a elaboração pomposa das notas oficiais, sem o rebuscamento dos relatórios governamentais, no jeitão brincalhão que todo jovem tem, independente da classe, o rapaz “meio coxinha” colocou o governo a nu. E um nu nada artístico. Um nu classista, nefasto, bárbaro, assassino. Em uma palavra, capitalista.

No próximo Congresso da UNE, haverão outras estruturas monstruosas e caminhões de som para propagandear a Juventude do PMDB, e de outros agrupamentos com a mesma vocação. Tenhamos em mente Bruno Júlio, e expliquemos de que tipo de gente se compõe essa juventude que pede chacinas, que classe eles representam e quais interesses defendem. Eles são aprendizes de inimigos mortais da juventude nas escolas, universidades, fábricas, lojas, empresas, daquela em busca de emprego ou que está encarcerada. Para a garantia de seus lucros, e da manutenção de seus luxos, esses tantos outros defensores do capitalismo se esforçarão por manter a atual ordem das coisas e não evitarão em dizer, em público ou rindo com seus comparsas: “Sou meio coxinha. Tinha é que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana”.