No dia 20 de Novembro de 1695 morreu Zumbi dos Palmares, o maior exemplo de luta contra a escravidão no Brasil. Mais de 320 anos depois de sua morte, não há mais escravidão em nosso país, mas a marcha fúnebre da população negra prossegue!
Em 2021, o Brasil teve 45.562 homicídios, o que, segundo O Estudo Global Sobre Homicídios, realizado pela ONU em 2023, significava que o Brasil era o país com o maior número de homicídios do mundo!
Já em 2023, são contabilizadas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 46.328 mortes violentas. Para se entender a gravidade destes números: em um ano, o massacre em Gaza matou oficialmente 41.909 pessoas!
Desse número escandaloso de mais de 46 mil mortes violentas, 77% dos homicídios foram contra negros, e 82% das mortes por violência policial foram de pessoas negras.
Nestes últimos 11 anos no Brasil, 1 pessoa negra foi morta a cada 12 minutos. Para os que são sobreviventes, resta a fila quilométrica do desemprego, ou o emprego em escala 6×1, o posto no trabalho informal, sem qualquer garantia trabalhista, os salários que não garantem sequer a cesta básica, o esgoto à céu aberto, a negativa do direito ao lazer e a cultura, a falta de médicos e professores em postos de saúde e em escolas.
Em 2024, os negros seguem ocupando 46% dos empregos informais, sem direitos trabalhistas e nas piores condições de existência. O capitalismo também mantém o trabalho igual com salário desigual, onde as mulheres negras recebem 38% menos que as demais mulheres, e homens negros recebem 40% menos que homens não negros. Da mesma forma, das 49 milhões de pessoas que vivem sem saneamento básico, 70% são negras ou indígenas (Dieese).
São alguns dos dados que evidenciam a miserável condição da população negra no Brasil. Evidencia-se que, desde a escravidão iniciada nos anos 1530 até o tempo presente com o assalariamento, o fio condutor é o modo de produção capitalista, do mercantilismo ao imperialismo, com seus resultados devastadores.
Tudo isso ancorado na administração do governo Lula ao Estado burguês, que paga religiosamente R$ 3,4 trilhões para a burguesia, entre juros e refinanciamento da dívida interna e externa, agronegócio, isenções fiscais etc. Enquanto isso, “gasta” com o proletariado R$ 1,3 trilhão, basicamente com previdência e assistência social, saúde, educação, cultura etc.
Diante dessa realidade que ceifa as vidas proletárias e, com mais intensidade, dos proletários negros, nós, comunistas internacionalistas, afirmamos que não se combate o racismo com subjetividade!
Abaixo o idealismo subjetivo negro
Diante deste cenário de superexploração e massacre dos trabalhadores negros, o Dia da Consciência Negra deve trazer, acima de tudo, a compreensão do nível de consciência de classe para si em que estamos como movimento negro. Neste sentido, a realidade nos demonstra que grande parte do pensamento antirracista “radical”, ou mesmo aquele que se considera revolucionário, tem se reproduzido no campo do pensamento pequeno-burguês. Trata-se da mera representação ou vocalização do Negro, como um ser “ancestral”, em ambientes que a burguesia historicamente negou aos oprimidos no capitalismo.
A adaptação destes pensadores parece considerar que isso já basta, e que devemos lutar não pela destruição das bases para a opressão que gera o racismo, mas sim para tornar os espaços institucionais mais inclusivos. Para eles, os negros “não teriam tempo para a revolução, mas para sobreviver”, como se o programa revolucionário para as necessidades urgentes dos trabalhadores negros, apresentado pelos comunistas, fossem dissociados da realidade.
Esse programa confuso foi fruto das políticas “antirracistas” da burguesia no período pós-guerra, em especial às políticas afirmativas, adotadas como forma de promover uma dissolução da consciência de classe no movimento negro, e sob isso, nasce uma prática intelectual da direção do movimento negro desconectada da esmagadora maioria da população negra.
Em contradição, alguns desses intelectuais chegam a afirmar que os negros não devem mais olhar para o próprio sofrimento, que isso seria somente reproduzir a “colonalização da mente”, uma maneira submissa de olhar para si próprio, imposta pela “branquitude”. Para estes, o pensamento é determinante em relação ao mundo material, onde a batalha dos negros é centralmente cultural e no campo da epistemologia “decolonial”. Uma filosofia idealista subjetiva, subproduto do pós-modernismo francês, espaço geográfico que seus defensores julgam ter superado.
Esse pensamento é tanto equivocado, quanto extremamente perigoso. A subjetividade do negro é moldada pelo mundo onde ele é racializado, isto é, a imposição social da ideologia das raças, pelo mundo onde a força de trabalho negra surge como mercadoria a ser superexplorada. Onde o ser é expropriado de todos os meios de produção e possibilidades de desenvolvimento humano.
É essa base material que gera a subjetividade do negro. É, portanto, evidente para os comunistas, o erro de enfrentar o racismo no campo subjetivista. Esse pensamento parte da pequena burguesia, que vê o mundo primeiro a partir de seu ponto de vista particular de classe, e, por isso, é a classe perfeita para a elaboração dessas novas teorias do racialismo negro.
Suas condições materiais, no geral, permitem que se tenha acesso ao estudo, à saúde, à moradia, ao emprego etc., incrementada na busca pela sua própria ascensão social. Essa base define a partir de onde que esses intelectuais vão elaborar suas teorias sobre os problemas dos negros no Brasil e no mundo.
Em posição oposta a isso, os trabalhadores negros são uma parcela imensa do proletariado brasileiro, superexplorado pela sua condição de classe e pelo seu processo de racialização promovida pelo capitalismo a partir do século XVIII. Não podem se dar ao luxo de discutir desde um ponto de vista subjetivo pois sofrem os efeitos do racismo diariamente, tanto pela discriminação quanto pela violência policial, tanto pela violência psicológica quanto pelo cotidiano violentamente miserável. São a parcela que mais sente a falta da presença do Estado em políticas de saneamento e que, por isso, vivem com o esgoto a céu aberto na porta de casa, a parcela que vive com a falta de acesso a educação, que em muitos casos não tem como perspectiva frequentar a escola.
Na verdade, as grandes massas de negros não consideram a educação como uma perspectiva, entendendo a universidade como algo muito afastado de sua realidade. Essa realidade escancara o afastamento entre os intelectuais negros pequeno-burgueses dos negros no geral. A linha que divide-os é a linha de classe.
Neste sentido, podemos concluir que o nível de consciência da direção do movimento negro está completamente influenciada por ideias estranhas à classe onde os negros estão majoritariamente presentes, a classe trabalhadora. Seu pensamento é produzido pela pequena burguesia intelectualizada e acadêmica, aceita nos salões ilustrados do Capital.
É um obstáculo que precisa ser superado, pois implica em uma limitação prévia à luta real dos negros. Um dos elementos mais sintomáticos disso é o conjunto das organizações que se dizem revolucionárias ou comunistas, mas que também adotam as mesmas ideias oriundas da pequena burguesia negra, negando-se a elaborar um programa proletário contra o racismo, face da moeda capitalista.
A origem desses pensamentos, que substituem a luta revolucionária e pelo democratismo pequeno-burguês, datam da década de 1960-70, onde o governo Nixon utilizou das políticas afirmativas para arrefecer a luta de classes no país, no período de conquistas dos direitos civis, e para cooptar uma parte do eleitorado negro diminuindo as bases do partido dos Pantera Negras. Isso acontece em um processo ativo do governo americano, CIA e Fundação Ford por criar novas lideranças e disseminar a falsa ideia de inclusão do negro na sociedade capitalista, onde os negros faziam uma lenta jornada rumo a resolução de seus problemas:
“De 1969 em diante, aumentando o número de representatividade eleitoral, assim como programas de cotas raciais, o crescente acesso à empregos governamentais e educação de elite enfraqueceram as bases de suporte para as políticas revolucionárias dos Panteras entre os negros. Do final da Reconstrução (1877) até 1969, não mais do que seis negros ocupavam cargos na Câmara dos Deputados (U.S. House of Representatives) de uma só vez. Mas apenas dois anos mais tarde, a representação negra mais do que dobrou, contando com treze membros em cadeiras na Câmara dos Deputados em 1971. O número continuou a crescer durante a década, atingindo 18 cadeiras em 1981 e mais de 40 cadeiras hoje em dia. Seguindo o desastre na convenção do partido Democrata em Chicago em 1968, o partido Democrata obteve acesso a ativistas eleitorais negros e reformou o processo de indicações com a Comissão de McGovern-Fraser. A representatividade negra entre delegados de partidos mais do que dobrou em 1972 para cerca de 15%. A representatividade eleitoral negra cresceu genericamente no início dos anos 70. De maneira que em março de 1969, 1.125 negros ocupavam cargos políticos nos Estados Unidos, e até maio de 1975, o número havia mais do que triplicando, passando a ser 3.499. Este número incluiu 281 negros em cargos legislativos ou executivos, 135 prefeitos, 305 executivos de condado, 387 juízes e policiais eleitos, 939 membros eleitos do ministério da educação, e 1.438 pessoas em outros cargos eletivos no governo municipal. Durante este período, uma variedade de organizações negras radicais decidiu trabalhar em direção a um programa eleitoral negro unificado que cruzaria o espectro político. Essa noção foi promovida na convenção nacional política negra de 1972 em Gary – o que o cientista político Cedric Johnson chamou de “casamento forçado das aspirações radicais do Black Power com os modos convencionais de política”. Enquanto as declarações programáticas da convenção incluíam uma retórica radical, o principal resultado político foi para ajudar a estabelecer “políticos” negros e moderados… como os principais agentes de raça no contexto pós-segregação.” (Joshua Bloom e Waldo E. Martin. Pretos contra o Império: A História e Política do Partido dos Panteras Negras, 2013. Tradução: TraduAgindo, 2020)
Essa fórmula, aplicada para lidar com o Partido dos Negros, o BPP, que possuía aspirações revolucionárias, foi reproduzida pela política externa norte-americana, e bastante aplicado no Brasil.
O movimento negro brasileiro na década de 70 tinha fortes raízes no movimento operário. O Movimento Negro Unificado (MNU) nasceu junto na ascensão deste processo em São Paulo, e vinculava a luta dos negros às reivindicações da classe operária, entendendo corretamente que apenas marchando juntos os oprimidos podem vencer o inimigo comum.
Entretanto, com a intervenção da Fundação Ford e o aparecimento de novas lideranças (podemos citar o antigo membro da Ação Integralista Brasileira, Abdias do Nascimento) e com a capitulação da direção política do Partido dos Trabalhadores, o MNU passa por um processo de degeneração e afastamento das suas bases.
Deixa, assim, de representar as ideias de um movimento negro proletário e revolucionário, passando a aderir cada vez mais às ideias de multiculturalismo, e consequentemente, passa a ler o mundo a partir de um ponto de vista subjetivista. O inimigo passou a ser o branco e não mais a classe dominante. E o trabalhador branco passa a ser colocado no mesmo patamar que o capitalista branco.
É certo que discutir os efeitos psicológicos do racismo, da divisão entre brancos e negros promovida no interior de nossa classe, bem como a autoestima da classe trabalhadora negra, deve fazer parte de todos os debates construídos no movimento negro. Porém, com esta problemática servindo ao único objetivo de colocar em marcha revolucionária nossa classe em unidade.
Historicamente, os negros de diversas regiões de África foram trazidos ao Brasil para serem escravizados, submetidos ao trabalho forçado e obrigados a conviver, sem consentimento, com outros negros de culturas, idiomas e identidades diferentes, sendo despossuídos de suas identidades e como sujeitos.
Devemos, portanto, identificar como tais condições impulsionam a luta pelo fim da Polícia Militar, das instituições burguesas promotoras do racismo e, na raiz, do próprio desenvolvedor desses mecanismos de exploração tangível e intangível, o capitalismo. Como comunistas, produzimos análises e políticas que visam derrotar o capitalismo, a burguesia, isto é, abrir caminho para um mundo sem classes e sem racismo.
Por um programa operário para acabar com a Marcha Fúnebre
Por esse motivo, o Movimento Negro Socialista se contrapõe à maioria das direções do movimento negro do Brasil, que atualmente é constituída quase que exclusivamente de acadêmicos e pequeno burgueses, em que apresentam uma perspectiva “antirracista” totalmente descolada dos interesses de nossa classe.
Contra a Marcha Fúnebre que assassina a população negra, exigimos o fim da polícia militar. A polícia não tem a função de manter a dominação da classe dominante, ao invés de “segurança”, como alega a burguesia, a polícia serve ao controle social e aos massacres nos bairros proletários, em especial a Polícia Militar, esta que é herdeira da ditadura militar.
Também exigimos a redução da jornada de trabalho e emprego para todos, pois enquanto boa parte dos jovens e trabalhadores negros são explorados em regime de escala 6×1, tendo apenas um dia de descanso, uma massa da população negra tem negada o direito ao trabalho, e vê-se nos postos do trabalho informal ou mesmo no crime.
Exigimos salário igual para trabalho igual, pois não aceitamos que a população negra, assim como as mulheres e estrangeiros, vivam em condições miseráveis e sejam usados como mão de obra barata para reduzir o custo geral de salário dos trabalhadores.
Também lutamos para que todo orçamento necessário para que tenhamos serviços públicos, gratuitos e para todos sejam destinados. Nos últimos anos presenciamos reforma da previdência, teto de gastos para saúde e educação, isto enquanto mais de 40% do orçamento da união é destinado ao pagamento de juros e amortização das dívidas interna e externa. A classe trabalhadora, e em especial sua parcela negra, sobre com as faltas de médicos e equipamento em postos de saúde e hospitais, falta de professores e estrutura escolar, falta de saneamento básico, transportes públicos cada vez mais caros e superlotados, além de uma série de outros problemas.
Apenas uma plataforma política que combata esses problemas pode animar jovens e trabalhadores negros, produzir um levante das massas negras por suas demandas e romper a divisão racial em nossa classe, promovendo a unidade da classe trabalhadora contra o capitalismo!