A Condenação do Brasil na OEA, a Lei de Anistia e a Criminalização dos Movimentos Sociais

A Condenação do país na OEA pelos crimes cometidos na guerrilha do Araguaia fortalece o trabalho da atual Comissão de Anistia da SEDH e a luta contra a repressão às lutas sociais, com a necessidade de anistiar os perseguidos políticos de ontem e hoje.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de seu órgão jurídico – Corte Interamericana de Direitos Humanos – condenou o Brasil por não punir os responsáveis pelo desaparecimento de pessoas envolvidas na guerrilha do Araguaia, ocorrido entre 1972 e 1974. Tal movimento, vinculado principalmente aos militantes do PCdoB, optou pela resistência armada contra a ditadura empresarial-militar que se apoderou do Estado brasileiro em 1964.

A Corte, sediada em San Jose, na Costa Rica, é o organismo judicial da OEA, que interpreta e aplica a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é um dos países signatários. A Corte decidiu pela incompatibilidade da lei da anistia com o direito internacional e a Convenção Americana. Estabeleceu que o Brasil violou o direito à justiça, pois deixou de investigar, processar e sancionar os crimes, em virtude da interpretação da Lei de Anistia brasileira, reafirmada pelo STF, permitindo a impunidade dos crimes contra humanidade praticados durante a ditadura.

Como conseqüência, determinou remover todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação de graves violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, tais como a prescrição, a irretroatividade da lei e coisa julgada, a fim de assegurar o pleno cumprimento da sentença e que os processos não devem ser examinados pela justiça militar, além de dar pleno acesso aos familiares das vítimas às investigações e julgamentos. De acordo ainda com a sentença, a Lei de Anistia de 1979 não pode ser usada como escudo para desobrigar o Estado brasileiro da apuração dos casos e condenação dos criminosos que agiram em nome da famigerada “Lei de Segurança Nacional”. Nesse sentido, trata-se de decisão tomada em direção absolutamente contrária à produzida em abril deste ano pelo Supremo Tribunal Federal, cuja interpretação da Lei de Anistia favorece a impunidade dos responsáveis por torturas, perseguições e mortes durante a ditadura militar.

O comunicado à imprensa da OEA explica o teor da decisão e suas conseqüências.

Vale a pena trazer alguns trechos da sentença que entendemos serem bastante ilustrativos da posição adotada pela Corte . A íntegra da mesma pode ser vista em (http://bit.ly/fCiqkW).

Interessante também ver a conclusão do voto do Juiz Roberto de Figueiredo Caldas:

“(…)
VI. CONCLUSÃO

30. Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade.

31. É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas”. (grifo nosso).

Vale observar que a demanda da Corte foi proposta pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do RJ e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP). A sentença foi dada após a apresentação da denúncia por entidades defensoras dos direitos humanos no Brasil há mais de 15 anos.

Algumas entidades ingressaram como “amicus curiae” (“amigos da corte”, como se fosse um terceiro interessado na causa), dentre elas a Associação Juízes para a Democracia (AJD), que requereu a procedência do pedido, especialmente, no tocante à Lei de Anistia, principal obstáculo para a investigação dos crimes de lesa humanidade cometidos durante o regime militar. A AJD apresentou para a Corte a “Campanha Contra a Anistia aos Torturadores”, que, em curto período de tempo, reuniu cerca de 21.000 assinaturas, de diversos segmentos e áreas de atuação, “indicativo que parcela significativa do povo brasileiro não aceita a manutenção desta violação até os dias de hoje”.

O que a OEA representa?

No entanto, não podemos ter ilusões. Devemos compreender o que representa uma decisão da Corte Interamericana, com um claro posicionamento sobre a OEA, haja vista que defendemos aqui a condenação realizada ao Estado Brasileiro, mas não podemos ter nenhuma ilusão neste instituto, pois nada mais são do que o Poder Judiciário e o Estado Burguês em nível Internacional, que, como a ONU ou tantas outras instituições internacionais, criadas para sustentar o capitalismo em sua fase imperialista.

Não podemos ter dúvidas. A classe operária não tem motivo para defender nenhum tribunal internacional nas mãos da burguesia. Vale a pena ver o próprio site da OEA (http://www.oas.org/pt/) para ver como reina a hipocrisia. Com Cuba, o tratamento da OEA sempre foi “especial”. Recomendo a leitura do artigo disponível em http://www.granma.cu/portugues/2009/mayo/mier27/oea.html. E com a Venezuela, a OEA tem cumprido seu papel na defesa da ordem burguesa, ao dizer quase que semanalmente, que lá não há democracia. É só abrir os jornais ou ver os noticiários para constatar a maneira como a OEA trata o processo revolucionário venezuelano.

Alguém imagina uma condenação da OEA contra os EUA ou seus aliados? A burguesia, ainda mais a imperialista, não vacila. A função essencial das instituições jurídicas internacionais é ser subordinada aos interesses dos países imperialistas, em especial aos Estados Unidos.

Assim, questionamos: Poderia esse Corte, ou seja, a OEA e a ONU, servir de base a um novo direito, um avanço na situação atual?

Muitas vezes há certa confusão quando a grande imprensa trata do assunto com estardalhaço, muitas vezes dando corda para as decisões progressistas, seja da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, seja do Tribunal Penal Internacional (TPI), vinculado diretamente à ONU. Nestas instituições é evidente a defesa do Estado Burguês, além de impor uma série de limitações que ele possa julgar (Crimes de guerra, Genocídio, Crimes contra a humanidade, Agressão):

No Estatuto não se mencionam explicitamente algumas violações graves do direito internacional humanitário, tais como a demora injustificável na repatriação de prisioneiro de guerra e os ataques indiscriminados contra a população civil ou seus bens, que estão definidas como infrações graves às Convenções de Genebra de 1949 ou ao seu Protocolo Adicional I de 1977.
O artigo 124 do Estatuto de Roma limita a possibilidade de exercício da competência do TPI sobre os crimes de guerra. De acordo com essa disposição, um Estado pode declarar que, durante um período de sete anos, não aceitará a competência do Tribunal para os crimes de guerra presumivelmente cometidos por seus nacionais o em seu território. (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=16390i)

Ou seja, o Estatuto do TPI (conhecido também como Estatuto de Roma) é claro, e é por isso que todos os crimes que hoje Israel comete contra os palestinos, os crimes da OTAN no Afeganistão, ou os crimes dos EUA no Iraque, não serão ali analisados.

No caso da OEA não é diferente. A OEA, fundada em 1948, funciona desde o pós-guerra como um instrumento do imperialismo para administrar os Estados de toda América. É um instrumento que teve origem na Guerra Fria para combater o comunismo, apesar de ter que se adaptar depois da queda da URSS, nunca deixou de ser “um ministério das colônias” dos EUA, como disse Hugo Chávez certa vez na tribuna da própria OEA. A dependência dos governos burgueses de toda a América ao imperialismo não deixa de existir durante as reuniões da OEA, e por isso suas decisões não são independentes das políticas do governo de Washington.

É nesse sentido que devemos pensar a presente condenação do Estado Brasil. Positiva para o debate, mas sem ilusões. Percebe-se que a anistia acabou virando, de certa forma, uma grande mercadoria, onde a burguesia internacional “joga”, pressionando onde interessa e cedendo, quando pressionada, até onde lhe interessa.

A decisão da OEA e a decisão do STF sobre a anistia

Esta decisão promove um interessante debate sobre a aplicabilidade dos direitos humanos, de um ente reconhecido internacionalmente, para sua ordem jurídica interna, especialmente quando o STF tinha julgado de outra forma esta temática neste ano. Assim, há um aspecto central neste debate sobre a decisão da OEA que é como (se é que vai?) o Estado Brasileiro cumprirá as determinações da sentença, e como o STF (re)agirá.

Assim, para muitos a decisão da Corte faz o que o Supremo Tribunal Federal (STF) não fez em abril, quando teve oportunidade de reconhecer que os crimes dos agentes de Estado não são políticos, mas contra a humanidade. Lembremos: A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) (é o nome formal da petição feita ao STF) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionava a anistia dada à representantes do Estado acusados de torturar e matar opositores políticos durante o regime militar (1964-1985). O caso foi julgado em abril deste ano, quando, por sete votos a dois, prevaleceu a tese do relator da matéria, ministro Eros Grau, entendendo que não cabia ao Judiciário rever um “acordo político” que teria promovido um perdão para “crimes políticos” e “conexos”. O presidente do STF, Cezar Peluso, falou em “generosidade”, no “princípio da igualdade” e da “legitimidade” das partes que fizeram o suposto acordo.

O debate ocorrido em abril foi intenso. Para nós, não restam duvidam que os fatos históricos não convalidam a tese de “acordo político”, e sequer a de “crime político”. O princípio da igualdade é claramente questionado, como a própria OAB apresentou ao STF o caso de 495 integrantes da FAB que não foram beneficiados pela anistia. Da “legitimidade” mais ainda, pois quem impôs a lei foi o último governo militar, que tinha o poder das armas e uma bancada governista.

Não obstante, a questão central não é técnica-jurídica, mas política. Todos sabem que a lei da anistia foi aprovada com os votos de uma maioria obtida artificialmente nas urnas, graças a mudanças na legislação eleitoral e partidária impostas seguidamente pelo regime, à medida que a oposição ameaçava sua hegemonia no Legislativo.

Entendemos que o STF legitimou a anistia à tortura, considerada crime hediondo pela Constituição de 1988 – portanto imprescritível e inafiançável -, mesmo sabendo que os familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia demandavam a condenação do país por esses crimes na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Anteriormente, a Corte havia anulado as auto-anistias dos regimes autoritários do Peru, da Argentina e do Chile. Era inevitável que fizesse o mesmo com o Brasil, na primeira ação relativa à ditadura militar no país julgada no âmbito da OEA. O risco de que uma decisão dessas do STF resultasse num constrangimento diplomático era evidente. O Brasil, afinal, é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Nesse sentido, há grandes advogados de direitos humanos que criticam a decisão da OAB de entrar com a ADPF no STF antes da decisão da OEA, entendendo que houve um erro tático da OAB, até mesmo por conta de “vaidade”, que resultou nesta situação. Se a ADPF fosse ajuizada agora, após a decisão da OEA, é mais provável que o STF se sentisse mais pressionado a julgar como inconstitucional a Lei de Anistia. Por isso mesmo, entendemos que o STF deva se manifestar novamente, pois algo de tamanha magnitude não deve ficar dependente ao jogo de vaidades entre a OAB e os ministros do STF.

O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, disse que a decisão da Corte Internacional deve levar à revisão do que foi decidido pelo STF. O ministério de Relações Exteriores informou, sem dar detalhes, que o Brasil “envidará esforços para encontrar meios de cumprir as determinações” da Corte Internacional que não estejam já sendo obedecidas pelo governo brasileiro. A nota do Itamaraty cita, ainda, o julgamento sobre a Lei da Anistia no Supremo e “os esforços, ainda em curso, de localização e identificação de restos mortais; de compilação, digitalização e difusão de documentos sobre o período do regime militar; e de preservação, divulgação e valorização da memória histórica associada àquele período”.

Esse impasse levou ministros do STF, como seu próprio presidente, Cezar Peluso, e Marco Aurélio Mello a garantir que não haveria mudanças na decisão que garantiu contra punições os responsáveis por violações a direitos humanos durante a ditadura. Para Peluso, o Supremo mantém o direito de rejeitar qualquer ação contra essas pessoas. Marco Aurélio Mello afirmou que a decisão da corte internacional teria apenas efeito apenas “político”, não prático.

Há de se ressaltar que dos sete países da América do Sul com casos em análise na comissão da OEA, entre eles Bolívia e Paraguai, o Brasil foi o único onde não houve julgamento penal dos responsáveis por violações de direitos humanos durante regimes de exceção da década de 70. O Brasil tem, ainda, noventa dias para consultar a Corte sobre possíveis divergências de interpretação da sentença e, caso não cumpra alguma das determinações dos juízes, será alvo de relatório, com sugestões de sanções, a ser apresentado pelo tribunal à Assembléia Geral da OEA.

Por sua vez, a Comissão de Anistia, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a respeito da referida decisão da OEA, se pronunciou em nota pública, logo no dia 15 de dezembro.

Nesse sentido, entendemos que com esta decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado Brasileiro recebe além dessa condenação jurídica explícita, uma condenação moral implícita. É o que explica o jurista e defensor dos direitos humanos, Fábio Konder Comparato: “os responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar (…). Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se” .

A Anistia de ontem e de hoje

O fato é que o resgate histórico desse período da ditadura civil-militar, não somente da guerrilha do Araguaia, mas de tantos militantes que foram assassinados, torturados, desaparecidos, perseguidos, é uma importante bandeira de instituições comprometidas com os direitos humanos, para construir outro modelo de sociedade. Jamais deve ser entendida como uma questão pessoal, individual, como tem sido dito pelos setores conservadores. Não se trata de uma vingança dos opositores da ditadura, contrária à “generosidade” expressa por uma lei de anistia ampla. Sabemos que não foi por falta de generosidade que países vizinhos abandonaram leis que anistiavam agentes de Estado que torturaram e mataram. Foi com muita luta nas ruas para demonstrar as contradições do Estado Burguês e apontar o que significa um período de ditadura militar.

Por conta desta pressão social existente, há um grande embate na burguesia. Há polêmica entre os setores da pequena burguesia, e os setores mais conservadores. Nesse debate, a Corte Interamericana, muitas vezes de maneira hipócrita, possui o posicionamento de repudiar as ditaduras militares, defendendo que a democracia no continente apenas se consolidará se houver um acerto com o passado. É preciso, no mínimo, consolidar a cultura de que o passado não é um exemplo a ser seguido.

Nesse sentido é o que ilustra Maria Inês Nassif: “O aparelho policial e militar foi altamente prejudicado pela presença de agentes que se acostumaram a viver à sombra e acima da lei. Quando se fala em abuso policial e do poder das milícias nas favelas do Rio, por exemplo, ninguém se lembra que a origem dessa autonomia policial diante das leis e perante o resto da sociedade remonta ao período em que o aparelho de repressão tinha licença para sequestrar, matar e torturar sem se obrigar sequer a um registro policial. E que a manutenção da tortura como instrumento de investigação policial existe, atinge barbaramente os setores mais vulneráveis da população e continua não sendo punido. A anistia a agentes do Estado tem se estendido, sem parcimônia, até os dias de hoje” .

A questão envolvendo a tortura de ontem e seu reflexo na tortura de hoje foi tratada por Maria Rita Kehl em sua coluna do Estado de São Paulo, e salienta: “A pesquisadora norte-americana Kathrin Sikking revelou que no Brasil, à diferença de outros países da América latina, a polícia mata mais hoje, em plena democracia, do que no período militar. Mata porque pode matar. Mata porque nós continuamos a dizer tudo bem (…). Pouca gente se dá conta de que a tortura consentida, por baixo do pano, durante a ditadura militar é a mesma a que assistimos hoje, passivos e horrorizados. Doença grave, doença crônica contra a qual a democracia só conseguiu imunizar os filhos da classe média e alta, nunca os filhos dos pobres”. (grifo nosso). (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100501/not_imp545397,0.php).

Ou seja, conforme o estudo da pesquisadora mencionada, conclui-se que a polícia mata mais hoje do que no período militar. E Kehl é brilhante ao afirmar que a democracia “imuniza” a classe média, mas não os pobres. A luta é de classes, e o corte social é bem salientado por ela. A burguesia, ao ver que a psicanalista se pautou uma perspectiva classista, neste e em outros artigos, meses depois, a demitiu.

No entanto, há algo a mais a ser discutido entre a anistia de ontem e a de hoje. Não é somente com a criminalização da pobreza e a truculência das forças armadas que se expressa o descaso com o passado sofrido nos períodos mais sinistros de nossa história. A perseguição aos lutadores sociais segue nesta democracia formal. Ensinam que a Constituição Federal de 1988 representou um retorno à Democracia, rompendo com a Ditadura civil-militar que assolou o Brasil de 1964 a 1985. Neste período de nossa história a repressão atuou de maneira ativa e constante, impedindo a manifestação de idéias e pensamentos contrários aos interesses dos capitalistas. Muitos lutadores da classe trabalhadora foram torturados e executados pelos militares, e um clima de terror foi imposto àqueles que se indignavam com a ordem imposta.

Atualmente muitos acreditam que vivemos em uma Democracia, no chamado Estado Democrático de Direito. Alegam que não há mais perseguições em razão de opinião política, que não há mais censura para a imprensa, que é permitida a existência de partidos políticos das mais diversas ideologias e que tortura e execuções são coisas do passado. Nada mais falso.

O que ocorreu, de fato, foi uma expansão dos limites à ação da classe trabalhadora. Porém, uma expansão muito tímida e bem planejada. É o momento em que os capitalistas, ao verem a insustentabilidade da linha dura, passaram a jogar com a democracia formal, e iludir os trabalhadores para que estes não mais se rebelassem.

Hoje os trabalhadores podem manifestar publicamente suas posições políticas, mas nunca efetivá-las plenamente. Agimos dentro da permissão legal e com isso nos limitamos, muitas vezes, aos interesses dos grandes capitalistas, que fazem e comandam as leis que devemos seguir. As greves são reprimidas duramente, seja com gás de pimenta, balas de borrachas, seja com os interditos proibitórios e multas aos sindicatos. As ocupações de terras ou de moradia são tratadas com toda a truculência da ROTA e dos batalhões de choque. Tais fatos não são novidades, mas são tratados dentro da democracia formal.

O fato de podermos nos manifestar politicamente se restringe a votar e sermos votados, de elegermos quem compõe o governo nos impõe falsa sensação de controle, já que nenhum destes atributos é pleno ou mesmo livre de influências orquestradas pelo poder econômico. É nesta ilusão planejada que os capitalistas mantêm seu poder e nós, nossa subordinação. É o falso jogo da democracia liberal, onde a mesma se justifica pela democracia eleitoral (sendo que nem a mesma se realiza plenamente, ao pensarmos as condições e regras vigentes ao se tratar das eleições).

Assim, ao canalizarmos nossa revolta dentro do aparato legal “democrático” nossas demandas logo esbarrarão nos “limites de tolerância” do Estado Burguês. Todavia, nossa liberdade física ou nossa vida é preservada, já que, além de ser uma ação esperada e, em certa medida, planejada pelos capitalistas, não ameaçamos a ordem vigente. Porém, ao buscarmos mudanças realmente estruturais, ao realizarmos uma simples atividade que deveria ser “normal” na democracia como uma greve e, com isso, ultrapassamos o limite imposto na busca de um novo modelo de sociedade, mesmo que respeitando a legalidade burguesa, a repressão é acionada e promove-se a criminalização, dos quais os “interditos proibitórios” são usados para impedir greves e manifestações.

Diversos movimentos sociais, Movimento das Fábricas Ocupadas, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entidades sindicais, organizações políticas são criminalizadas, dentre outros.

Aos que extravasam os limites impostos a repressão age de maneira contundente. Inúmeras são as denúncias de tortura, assassinatos, desaparecimento, processos e prisões ilegais de militantes, sindicalistas e lideranças populares. O mesmo vale para os integrantes das camadas mais pobres da população, vítimas da criminalização da pobreza.

Tais medidas repressivas extrapolam todo o período de exceção da Ditadura civil-militar brasileira. Só neste início de século XXI, o número de desaparecidos e executados por razões políticas excedem todas as mesmas ações praticadas pelos militares ao longo de vinte anos de ditadura, como conclui o estudo de Kathrin Sikking mencionado acima.

A entidade de direitos humanos chamada “Justiça Global”, realizou, em 2009, um interessante relatório apontando a criminalização da pobreza. Nela, demonstram-se as formas de criminalização da classe trabalhadora nas periferias dos grandes centros urbanos, em especial no Rio de Janeiro. (http://global.org.br/wp-content/uploads/2009/12/Relatório-Os-Muros-nas-Favelas-e-o-Processo-de-Criminalização.pdf) .

O Núcleo de Estudos de Violência da USP é uma das principais referências acadêmicas sobre esta temática. Em sua página há uma grande base de dados onde se verifica números de execução sumária, linchamento, violência policial, etc . No site vemos a indicação de um interessante livro que traz estatísticas que mostram o descumprimento dos direitos humanos (http://nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=1595&Itemid=96). Agora, no dia 20 de dezembro, foi lançado o 4º Relatório de Direitos Humanos do Núcleo de Estudos de Violência da USP (NEV-USP), onde novamente vemos como se dá a criminalização da classe trabalhadora .

A ex-presidente da AJD (Associação de Juízes para Democracia), Kenarik Boujikian Felippe, em entrevista à revista Caros Amigos , nos mostra como o Estado Burguês segue exercendo sua política de extermínio e criminalização da classe trabalhadora. Com os movimentos sociais não é diferente. Só de janeiro a junho de 2009, o MST teve 15 militantes assassinados e 17 novos processos criminais . Ou seja, a repressão atual, tanto na chamada criminalização da pobreza, quanto à criminalização dos movimentos sociais, permanece, e é patente.

Nestes relatórios podemos ver uma grande relação de casos de perseguições políticas, processos judiciais de cunho político, condenações judiciais com claro viés político, assassinatos de militantes e lideranças políticas.

Com este cenário, pergunta-se: vivemos, realmente, em uma verdadeira democracia? Pela própria legalidade burguesa, a democracia com seus fundamentos constitucionais, está vigente no Brasil?

E, com isso, provocar a problemática central que se tenta realizar por meio deste artigo: Lutamos – e devemos lutar – pela real concepção da Lei de Anistia referente ao período de 1964-1985, e saudamos a decisão da OEA de condenar o Estado Brasileiro nos termos que tratamos até aqui, como discutir a repressão atual, em tempos de “democracia”? Não devemos aprofundar este debate e compreender a necessidade de, ao apontar as contradições envolvendo este tema que está em pauta, e denunciarmos as repressões às organizações políticas na atualidade?

Pela expansão da luta envolvendo a Anistia

Devido às pressões populares e ao próprio plano de abertura política planejado pelas elites capitalistas, foi promulgada em 28 de agosto de 1979 a lei n° 6683, que concedia anistia “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes(…)”.

Este “perdão” institucional aos que se insurgiram contra a ditadura civil-militar que assolou o Brasil por mais de vinte anos, seja através da via armada (através das diversas organizações paramilitares de oposição ao regime, classificadas pelos militares como “terroristas”), seja através de comportamentos considerados “subversivos”, que ameaçavam a estrutura do poder constituído e a “segurança nacional”, conforme doutrina difundida entre os militares brasileiros, abrangeu também os próprios militares e seus financiadores, que torturaram, mataram e desapareceram com grande número de lutadores do povo deste período.

A anistia “ampla, geral e irrestrita”, exigida pelo clamor popular, se manifestou como um falso aperto de mãos forçado entre os militares e os lutadores populares, abrindo a cortina da história para a entrada do modelo “democrático” que atualmente vigora no Brasil. As mesmas elites que organizaram o golpe em 1964 e que se beneficiaram do regime, financiando e coordenando as ações dos próprios militares, continuam na mesma posição de comando econômico e político de antes e ainda mais influentes.

Assim, os capitalistas puderam, teatralmente, simular uma mudança de poder político através de um relaxamento institucional, mantendo as mesmas estruturas de antes e preservando seu poderio sobre o povo de maneira ainda mais forte, já que mantém a estabilidade do sistema maquiando-o como legítimo e, portanto, livre de razões para ser alvo de ações armadas, como foi durante os chamados “anos de chumbo” da ditadura.

Este modelo de democracia é resultado da concepção liberal, onde serve para a manutenção do desenvolvimento do capital, com defesa irrestrita da propriedade privada dos meios de produção e a liberdade em explorar a força de trabalho da classe operária que, despossuída (expropriada) dos meios de produção, somente possui sua força de trabalho para vender. Essa sociedade que aparece como um conjunto de mercadorias é impulsionada pelos capitalistas e se expressa na consolidação do Estado “Democrático” de Direito, impondo à todo o mundo um modo de vida, um modo de produção da riqueza, dizendo que essa é a melhor ou a única forma de sociabilidade. Escondem que a democracia possui elevada eficiência em manter a dominação dos capitalistas. Mas, quando interessa, quando se faz necessário a imposição de mais força e uma ruptura para conter o ascenso das massas, a burguesia não vê problema que se utilize das guerras, das torturas, etc. O imprescindível, para eles, é manter a liberdade para a reprodução e acumulação do capital.

Tanto é que a mesma linha dura contra os opositores do sistema permanece ainda pior que durante o governo militar. A diferença é que, em épocas de “democracia”, a destruição e eliminação dos inimigos são feitas de forma cirúrgica, atacando os que extravasam os limites de tolerância e ameaçam realmente a estrutura do modelo de dominação.

Como o processo de exploração vem se acentuando de forma drástica em todo o mundo, empurrando cada vez mais pessoas ao desemprego e à miséria, os focos de resistência e organização dos trabalhadores se expandem e, com isso, a tolerância do Estado Burguês é cada vez mais extravasada. Assim, as torturas, as execuções e os desaparecimentos de lideranças do povo crescem exponencialmente e se escancaram cada vez mais medidas de criminalização.

Um exemplo aponta claramente isso. O Movimento das Fábricas Ocupadas foi abafado pelo Estado Burguês antes que ganhasse pernas ainda maiores. O ataque veio num momento de avanço da organização dos trabalhadores para a realização de novas ocupações e fortalecimento da luta internacional pela expropriação dos meios de produção, e na defesa aberta da construção do socialismo. Assim, tiveram que acionar execuções de dívidas, leilões, penhoras de faturamento, efetuaram-se boicotes e sabotagens econômicas, e decretou-se intervenção judicial impondo o fim do controle operário e a criminalização dos trabalhadores.

O medo de que outras fábricas fossem ocupadas e seguissem o exemplo era enorme. Declarações da Fiesp já exigiam uma medida “firme contra este movimento de fábricas ocupadas”.Vale lembrar que na decisão judicial que decretou a intervenção o argumento do Juiz é bastante claro:

“Quinto, e talvez o mais importante reflexo negativo do custo social da atitude da executada: a acolher-se o argumento de que tudo pode ser feito para a manutenção de mil postos de trabalho, estar-se-á legitimando o desrespeito odioso das leis e jogando por terra o Estado Democrático de Direito. Imagine se a moda pega?”

Vale lembrar que para executar a decisão judicial, foi enviada às fábricas sob controle dos trabalhadores, 150 policiais federais fortemente armados, impedindo a organização dos trabalhadores e destituindo e demitindo os operários eleitos democraticamente do Conselho de Fábrica (veja mais em www.tiremasmaosdacipla.blogspot.com
e na seção “fábricas” de www.marxismo.org.br ). Tudo foi feito sob medida para conter e destruir este foco perigoso de resistência ao modelo de exploração e dominação dos capitalistas, criminalizando os trabalhadores e sua organização política.

Atualmente, permanece a fábrica Flaskô como alvo do sistema, que busca liquidá-la jurídica e economicamente, como forma de desacreditar esta experiência vitoriosa de gestão operária. Os trabalhadores, no entanto, continuam resistindo heroicamente e não medem esforços na luta pela estatização sob controle operário e na mobilização dos trabalhadores de outras fábricas para que as ocupem e avancem no processo de mudança social. São diversos os ataques criminalizantes (veja mais em www.fabricasocupadas.org.br).

Esta realidade do Movimento das Fábricas Ocupadas não difere dos demais movimentos populares, como sabemos em cada cidade, bairro, região que estamos. Diversos lutadores do povo são processados e presos, claramente por razões políticas, e outros tantos são simplesmente eliminados. E, por isso, nosso dever é demonstrar que isso ocorre em plena “democracia”. Se isso é democracia, efetivamente ela não resolve nossos problemas. Devemos, portanto, explicar que a “democracia” é um instrumento de classe, e que está posta para manter a estrutura de dominação.

Iniciativas interessantes para combater esta criminalização dos movimentos sociais é a realização de tribunais populares. Organizações sociais julgam os casos, explicando o viés político da repressão sofrida, e como o aparato judiciário está à serviço da burguesia. O MST, historicamente, tem adotado esta forma de denunciar a contradição entre o justo dito pela classe trabalhadora, e o justo pelo Estado Burguês. O Movimento das Fábricas Ocupadas realizou um grande Tribunal Popular em 2008, que julgou a intervenção criminosa contra o controle operário ). Diversas entidades de direitos humanos e organizações sociais, desde 2008, também se articulam com esta iniciativa, que pode ser conhecida em (http://www.tribunalpopular.org).

Assim, para expandirmos os limites da tolerância do sistema e, com isso, a mobilidade das camadas populares na luta contra a dominação dos capitalistas, é necessário iniciarmos um amplo debate sobre uma nova anistia aos trabalhadores e suas lideranças, que vêm lutando neste período de “pós-ditadura“, contra o modo de produção capitalista que nos tem levado à barbárie com o aumento da desigualdade social.

Para tanto, é fundamental que se fortaleça também as fileiras populares contra a anistia auto-decretada aos militares, torturadores e colaboradores do regime militar. Para uma consciência histórica de nosso povo, é fundamental que torturadores e executores daquele período sejam punidos, juntamente com os atuais agentes da repressão que vem prosseguindo com o trabalho infame de contenção das massas através do derramamento de sangue e dos gritos de dor profunda.

Com ampla mobilização e pressão popular é possível conquistar a liberdade de vários lutadores do povo, que injustamente perecem nos porões da “democracia” burguesa. A legitimidade das ações dos movimentos populares advém do direito de resistência dos trabalhadores contra um modelo injusto de exploração, que empurra massas cada vez maiores à miséria e mantém a todos submetidos a uma minoria, cuja riqueza produzida pela classe trabalhadora é destinada.

Isso nos mostra que a chamada transição democrática possui limites e contradições. Formalmente temos nossos direitos na Constituição Federal, mas na prática vemos diariamente eles serem desrespeitados.

Todas as ações da classe trabalhadora encontram-se fundadas na ordem constitucional vigente, na qual garante livre a liberdade de expressão e o direito de manifestações (Constituição Federal – artigo, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; artigo 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; artigo 5º, IX, liberdade de expressão; artigo 8º, livre associação profissional).

Da mesma forma, as acusações diárias sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, extremamente salutar numa sociedade que almeja cumprir com os preceitos democráticos, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.).

Nunca é demais trazer os fundamentos do Estado Democrático de Direito, dispostos na Constituição Federal:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: “(…) II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”.

No art. 3º, podemos ver os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Da mesma forma, temos os direitos sociais, tão negligenciados pelo Estado. Está na lei, na Constituição Federal, e os movimentos organizados exigem tão-somente sua aplicação.


Artigo 6º “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Nesse sentido ainda temos o artigo 7º, que traz um grande rol de direitos dos trabalhadores, que ao lutarem para sua implementação, tem suas entidades sindicais sofrendo multas, seu líderes sendo presos, além dos abusos ao terem perseguições, desconto em folha de seus dias de greve, etc. O mesmo podemos dizer do artigo 9º, que trata da greve, mas que hoje se torna impossível realizar uma greve que cumpra seu real e histórico objetivo.

Ou seja, ao sair na rua e reivindicá-los, se organizar para lutar, a repressão vem, e vem forte.

Por tudo isso, a luta segue firme e os desafios são enormes. Qualquer ameaça aos capitalistas, eles se utilizam de todas suas armas, seja os grandes meios de comunicação, seja o aparelho policial e judicial, ou seja, todo o Estado burguês para defender seus interesses e combater a organização que ameaça seus privilégios.

A consigna “lutar não é crime”, impulsionada pelos movimentos sociais é de grande valia para denunciar os limites da democracia formal, e fortalecer a compreensão de que é imprescindível a destruição do Estado Burguês e a construção de outro modelo de sociedade, já que lutar contra o capitalismo significará a constante criminalização pelos capitalistas. A perspectiva de compreender este processo no viés da luta de classes se escancara.

Nesse sentido, a propriedade é central neste aspecto. Sabemos que ela é o cerne do capitalismo. A propriedade privada dos meios de produção, conquistada pela burguesia com a acumulação privada de capitais, permitiu expropriar os trabalhadores para que não tivessem o que vender, a não ser sua força de trabalho. A suposta igualdade contratual é uma grande falácia que precisa ser denunciada. As contradições, uma vez mais, estão patentes entre o direito formal (o que está na lei) e o que é feito na prática, inclusive pelas decisões “judiciais” da burguesia.

A Constituição Federal diz que a propriedade somente será garantida se cumprir sua função social, sendo que esta se caracteriza pelo cumprimento do direito nas relações de trabalho, das normas ambientais e do bem-estar dos trabalhadores. A Constituição Federal garante que a propriedade é um direito fundamental do cidadão (art. 5°, XXII), desde que a mesma cumpra sua função social (art. 5°, XXII). No âmbito rural, por exemplo, cumprirá sua função social a propriedade que atenda, simultaneamente, os requisitos das disposições que regulam as relações de trabalho, dentre outros, a que favoreça o bem-estar dos trabalhadores (artigo 186, III e IV). Já o Art. 170 da Constituição Federal dispões os casos que deverão ser expropriadas: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III – função social da propriedade; VIII – busca do pleno emprego.”

Na prática sabemos como os militantes dos sindicatos, do MST, dos movimentos de moradia são tratados.

Portanto, sempre a agressiva acusação dos trabalhadores fazerem parte de uma corrente política somente mostra o verdadeiro intuito da burguesia de constranger suas lideranças e reprimir a organização dos trabalhadores enquanto classe, que questiona o capitalismo e o caráter do Estado vigente, inclusive do Judiciário que trata a burguesia muito diferente. A clássica máxima de Engels permanece vigente: “O Estado é o balcão de negócios da burguesia”. E, nesse sentido, sabemos que o Judiciário um espaço importante deste balcão.

Sabemos os limites da ordem burguesa liberal, mas temos que combater a ilusão ainda vigente. A provocação abaixo é interessante neste sentido: ou o capitalismo cumpre o que está na Constituição ou na Lei, ou seguiremos o propondo o que indica outra admirável voz do Judiciário:

“Em termos concretos, duas são as alternativas que se apresentam para o momento e que devem ser tomadas com urgência:
a) ou fazer valer de forma eficaz, irredutível e inderrogável os direitos sociais, preservando a dignidade humana e ao mesmo tempo mantendo a esperança da efetivação de um capitalismo socialmente responsável (…),
b) ou iniciar a elaboração de um projeto de outro modelo de sociedade a partir dos postulados socialistas de divisão igualitária dos bens de produção e da riqueza auferida. Afinal, se dentro da lógica capitalista não for viável concretizar os preceitos supra, que estão inseridos no contexto dos direitos humanos inderrogáveis, previstos em Declarações e Tratados internacionais, assim como em nossa própria Constituição, impondo-se a hegemonia do raciocínio que caminha na direção da redução das garantias sociais, com aprofundamento das desigualdades e retrocesso no nível da condição humana, por que continuar seguindo esse modelo?”
(Yes, Nós Temos Sociedade e Direito. Jorge Luiz Souto Maior, 24 de março de 2009)

Diferentemente do Professor e Juiz Jorge Luiz Souto Maior, não vemos estas duas opções. Há somente a segunda, mas a primeira é útil para escancarar a contradição do Estado Burguês, combater a ilusão no terreno das ilusões, como nos ensinou o camarada Lênin. Um bom caminho é tratarmos deste caso emblemático da condenação do estado brasileiro na OEA logo após decisão da constitucionalidade da Lei de anistia do STF.

As contradições estão claras, assim como a repressão à luta organizada, seja de ontem, seja a de hoje! Seguiremos firmes, e lutaremos diariamente para que “a moda pegue”, como diz o Juiz da Intervenção no caso do Movimento das Fábricas Ocupadas. Mas, ao contrário do que ele diz, nós, assim como outros movimentos sociais e entidades sindicais, como organizações políticas da classe trabalhadora, é que lutamos pelo Estado Democrático de Direito, mas que somente se realizará com a sociedade livre, justa e solidária, enfim, a sociedade socialista.

Conclusão

Por tudo isso, entendemos que a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos favorece o debate sobre a repressão de ontem, e, por isso, a implementação da Comissão Nacional de Verdade, proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos que, por pressão dos setores reacionários e cumplicidade do governo Lula, até hoje não saiu do papel. A burguesia não perde tempo. O Ministro Nelson Jobim, do PMDB, que continua no governo Dilma, já se manifestou contrário a cumprir a sentença, apesar de o Itamaraty reconhecer que o Brasil é obrigado a cumprir a decisão, por ser signatário da Convenção dos Direitos Humanos.

Ressaltamos o que temos dito durante todo o governo Lula: rompa com a burguesia, que se expressa pelo rompimento com os partidos burgueses, como o próprio PMDB. É inadmissível que o governo do PT e o próprio PC do B, partido que reivindica a guerrilha do Araguaia, até hoje não tenha aberto os arquivos da ditadura e punir a burguesia mais reacionária que combateu os que lutaram pela liberdade em um dos períodos mais sinistros da nossa história.

Nesse sentido, é necessário viabilizar de fato uma Comissão de Verdade da mesma forma que já foram criadas na Argentina, no Chile, no Uruguai e em outros países que viveram ditaduras, e promova a abertura dos arquivos da ditadura e puna exemplarmente torturadores e assassinos que agiram em prol do regime militar. Somente uma grande mobilização das organizações democráticas e da classe trabalhadora será capaz de pressionar o governo para a sua implantação.

Mas, mais do que isso, devemos denunciar a repressão à luta social hoje. Como a democracia formal tolera as perseguições, torturas, criminalizações contra a organização política e seus militantes e lideranças na atualidade?

Os limites da democracia formal são óbvios, e, por isso, defendemos o projeto de lei abaixo (e que se encontra em www.fabricasocupadas.org.br
e www.flasko.blogspot.com), onde mostra a necessidade de denunciar as repressões, perseguições, criminalizações hoje existentes e que as mesmas devem ser anistiadas. Convidamos à todos à refletir, multiplicar o debate e levar para os parlamentares no Congresso Nacional e para a presidenta Dilma.

Assim, não temos dúvida dos limites da transição democrática, onde escancara que o Judiciário continua reprimindo os que lutam contra a ordem estabelecida, com a mesma intensidade da época da ditadura civil-militar, mas apenas com uma fumaça no ar de que supostamente estaríamos na democracia.

Sabemos que a partir do debate do passado, temos que pensar o presente, para construir o futuro que queremos – livre, justo e solidário, ou seja, a sociedade socialista! Pois como disse Chico Buarque em outros tempos: “Amanhã vai ser outro dia…”. Este amanhã ainda não chegou, mas chegará!

Nesse sentido, nós, da Esquerda Marxista, saudamos a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Renovamos nossa posição de sermos favoráveis a que sejam abertos todos os arquivos da ditadura, que sejam punidos todos os torturadores, que a tortura seja crime imprescritível. Mas não queremos trocar isso pelo direito da burguesia imperialista de intervir onde ela quiser porque se julga dona da justiça eterna. Nós sabemos que para ter uma verdadeira justiça é preciso cumprir aquilo que pediu o poeta Cazuza:

“A burguesia é a direita, é a guerra…
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia”

Sim, tinha razão Cazuza. Enquanto houver burguesia não existira poesia e muito menos justiça.

Portanto, para combater o sinistro passado do período da ditadura civil-militar, e da mesma forma, combater a barbárie instalada na atualidade pela ditadura do capital, como palavra de ordem, propomos às lideranças e militantes de todos os movimentos sociais, entidades sindicais, organizações políticas, entidades de direitos humanos, advogados populares, enfim, todos lutadores populares vítimas da criminalização de 1985 até hoje, uma verdadeira anistia ampla, geral e irrestrita!

• Pelo cumprimento das decisões da OEA quanto à condenação do Estado Brasileiro!
• Pela denúncia do papel subordinado da OEA ao imperialismo!
• Por uma verdadeira anistia de ontem, e de hoje!
• Socialismo ou barbárie, venceremos!

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PRESIDÊNCIA DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Projeto de Lei n°____

Projeto de lei n°___ – Anistia a todos quantos no período de 05 de outubro de 1988 até a data da promulgação da presente lei praticaram crimes políticos ou conexos com estes, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º – É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 05 de outubro de 1988 até a data da promulgação da presente lei, cometeram crimes políticos ou conexos com estes.

§ 1º – Consideram-se políticos, para efeito desde artigo, os crimes praticados a fim de assegurar a efetivação de garantias sociais presentes na Constituição Federal, nas declarações internacionais de Direitos Humanos das quais o Brasil é signatário ou motivados pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

§ 2º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, dentro dos objetivos elencados.

§ 3º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de racismo e delitos de intolerância.

Art. 2° – É estendida a presente anistia, nas esferas cível e criminal, às organizações, grupos e movimentos políticos, representativos ou não, por meio do qual foram cometidos crimes políticos ou conexos com estes.

Art. 3° – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 4°- Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, ___de_________de 2011; 190º da Independência e 123º da República

DILMA ROUSSEFF
Presidenta da República Federativa do Brasil

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Excelentíssima Senhora Presidenta da República Federativa do Brasil:

A Constituição Federal de 1988 significou um avanço em diversas áreas, em especial no que tange à democratização política e às garantias sociais.

Rompendo definitivamente com o regime ditatorial que assolou o país de 1964 a 1985 e instaurando formalmente o regime democrático, a presente Constituição aproximou as camadas populares dos ditames governamentais e da justiça, possibilitando a expansão de direitos e a participação do povo nos rumos políticos, econômicos e sociais do país.

No entanto, apesar da asseguração de direitos e garantias de interesse da população e da abertura institucional do Estado, é clara a permanência de realidades de extrema pobreza e negação material de direitos, o que provoca reações de enfrentamento e de solidariedade que se traduzem em ações políticas.

Assim, inúmeros são os conflitos envolvendo questões de terra, com a luta pela reforma agrária e o desenvolvimento sustentável; Questões envolvendo reforma urbana, com ocupações de áreas e prédios, de propriedade pública ou privada, para fins de moradia; Ocupações de fábricas, na luta pela manutenção dos empregos pelos trabalhadores; Restrições ao direito constitucional do direito de greve, com a aplicação recorrente de interditos proibitórios; Perseguições políticas, com demissões de sindicalistas, diversas ameaças, às lideranças dos movimentos sociais; Manifestações públicas, conflituosas ou não, envolvendo diversos setores sociais pelas mais diversas causas, etc. Em contrapartida, inúmeros são os atos violentos e arbitrários praticados contra estes cidadãos, seja por parte da polícia, com espancamentos, prisões arbitrárias e até mesmo execuções, seja por parte de particulares, através de milícias obedientes ao poder econômico, que agem muitas vezes com a aquiescência de agentes públicos.

Aliada à repressão contra estas reações do povo, o Poder Judiciário vem cumprindo um papel preocupante: intensifica o processo de subordinação destes setores, judicializando friamente questões que envolvem luta política. O atual processo de criminalização de cidadãos e movimentos envolvidos com as reivindicações populares ou mesmo na busca de uma nova realidade social, cria um ambiente de exceção que demonstra a limitação e a fragilidade da democracia tão arduamente conquistada.

No entanto, a fim de consolidá-la e expandi-la, é premente uma revisão da forma com que é encarado pelo poder público, em especial pelo Poder Judiciário, as organizações e cidadãos envolvidos com a busca da chamada justiça social, cujo programa reflete-se, sobretudo, com a efetivação das garantias sociais presentes na Constituição Federal de 1988, nas declarações internacionais de Direitos Humanos ratificadas pelo Brasil e nas outras fontes de idéias intimamente relacionadas com os anseios na população brasileira, na busca de uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3°, I).

É bom, para tanto, lembrarmos do preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos, que previne sobre a necessidade deste compromisso, “considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”. Tal prevenção submete-se aos princípios presentes nesta declaração, que determinam, dentre outras, as seguintes garantias:


Artigo XXII
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXV
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV
2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

Garantias, reforçadas pela Constituição Federal, em seu art. 6°, que apregoa que “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”

Na busca da efetivação destes direitos, muitos são criminalizados. E esta busca, que vem se radicalizando e se expandindo, é devida a não asseguração pelo poder público dos direitos sociais a grande parcela da população. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) reforçou a compreensão desta problemática, “Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos” (preâmbulo).

Assim, a fim de iniciar uma revisão da forma com que tais conflitos são encarados e contribuir na realização ideal do ser humano, é imprescindível a extinção dos processos instaurados e as penas aplicadas contra estes setores. Com o devido reconhecimento por parte do Estado, através da aplicação de Anistia aos incursos em crimes políticos do período pós-constituinte, um salto rumo a uma verdadeira conquista democrática no país será finalmente possível.

Ademais, é importante considerar que o reencontro do atual caminho democrático iniciou-se com a Anistia conquistada em 1979. Encerrando os efeitos das medidas ditatoriais do regime militar, a lei 6683/1979 contribui sobremaneira com a abertura política, formalmente conquistada em 1985 e, fundamentalmente formalizada através da Constituição Federal de 1988. Importante citar que esta mesma Constituição expandiu os efeitos da Anistia sancionada em 1979, abarcando inclusive o período democrático anterior à sua promulgação, demonstrando que este remédio não é exclusivo de regimes de exceção mas, sobretudo, de períodos democráticos mal consolidados, cujo diálogo com o povo ainda não foi amplamente constituído.

A permanência do aparato repressivo do regime militar, com sua ideologia autoritária, é apenas um dos elementos da mácula ainda persistente em nosso país. A intolerância contra reivindicações legítimas do povo compromete os objetivos da nossa Carta Magna, que reconhece a soberania popular e preceitua a liberdade política como um de seus fundamentos.

Por tudo isso, a Anistia aos que legitimamente se insurgiram, cujos atos configuraram crimes conforme a legislação vigente, a fim de efetivar direitos e garantias sociais para si ou para toda a sociedade, é um passo fundamental rumo a um novo Brasil, em que a liberdade e a igualdade se solidifiquem realmente como valores supremos.

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