A crise grega: quedas dramáticas dos padrões de vida (Parte 2)

Uma análise do drama grego, com ênfase para as consequências das medidas exigidas pela União Europeia e o Banco Central Europeu.

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5 de julho de 2016

Há um ano, 60% da população grega disse OXI (Não) à austeridade da Troika. Um ano mais tarde, vemos a austeridade continuar e piorar! Viajei à Grécia pelo menos uma vez ao ano durante cerca de 20 anos para comparecer a reuniões e conferências e, nos últimos tempos, o declínio nos padrões de vida é palpável.

Quando se volta a áreas familiares a cada ano, observam-se detalhes que revelam o que está ocorrendo. Alguns dos bares e restaurantes fecharam, uma vez que houve uma queda significativa no número de pessoas que podem se permitir ao luxo de sair de casa para uma refeição ou mesmo para tomar um café!

Um detalhe novo é que a idade média das pessoas que comparecem aos bares subiu de forma significativa. Vê-se um monte de pessoas mais velhas e, por mais velhas, quero dizer 60 anos ou mais, sentadas nos bares em alguns locais, e quase nenhum jovem. A razão disto é que a juventude foi a mais golpeada pela crise, seja por não terem empregos ou com empregos muito mal pagos. Os pensionistas pelo menos tem a receita regular de suas pensões chegando a cada mês.

Você conversa com um camarada jovem que lhe diz que seu pai é um trabalhador dos correios que costumava ganhar 2.000 euros antes da crise irromper, mas que agora só recebe 1.300 euros em consequência dos cortes reais nos salários. Em outubro do ano passado, quando estive na Grécia anteriormente, um jovem camarada médico me falou que estava fazendo pesquisa em um hospital e que levava para casa a soma de 400 euros por mês. Quando o encontrei em junho deste ano, ele me falou que agora estava trabalhando de graça! Isto significa que não estava mais recebendo o dinheiro da bolsa escolar, mas que mantinha a esperança de obter um contrato permanente de trabalho em algum momento.

Então você conversa com um camarada aposentado mais velho com seus setenta anos que lhe diz como quantas vezes sua pensão foi reduzida. No início deste mês muitos aposentados tiveram uma desagradável surpresa quando foram verificar o pagamento de suas pensões mensais em suas contas bancárias. Centenas de milhares de pensionistas verificaram que uma redução significativa tinha sido aplicada as suas pensões, com alguns deles descobrindo que mais de 48% de suas receitas mensais tinham evaporado! Este é o resultado da última rodada de austeridade introduzida no orçamento deste ano. Não tardará a não vermos mais os aposentados nos bares também!

A crise do capitalismo e seus diretos e imediatos impactos sobre os padrões de vida das pessoas na Grécia não é uma abstrata perspectiva para o futuro; é algo que se encontra todos os dias.

Em minha viagem mais recente, quando estava saindo da Grécia, peguei um número de Kathimerini, um dos mais sérios jornais burgueses, e as manchetes de apenas um dia mostravam a terrível situação enfrentada por muitas pessoas trabalhadoras comuns.

Um dos artigos, Os impostos e a recessão golpeiam as receitas das famílias gregas, salientava que:

“A avalanche dos novos impostos lançados neste mês vai desferir um golpe demolidor às receitas das famílias, ao consumo e às perspectivas da economia grega em geral… A expectativa é que tudo isto espalhe a recessão e detenha os investimentos, enquanto leva ao fechamento de mais empresas… a receita disponível das famílias vai encolher novamente devido ao aumento dos impostos e à subida de quase todos os impostos indiretos e das contribuições à seguridade social. Centenas de milhares de famílias estão reduzindo suas despesas básicas, enquanto muitas estão endividadas através de várias obrigações: por exemplo, as faturas não pagas da Empresa Nacional de Eletricidade, que agora totaliza 2,7 bilhões de euros…”.

E, o que é mais significativo, termina assim:

“… oito de cada dez gregos estão constantemente tentando reduzir seus gastos familiares. Seus principais alvos de redução se dirigem ao entretenimento e ao consumo de alimentos, uma vez que estão comprando menos alimentos e mais baratos”. 

Esta notícia sobre famílias reduzindo suas compras, isto é, sua alimentação, é explicada em detalhes em um outro artigo, Valor das vendas dos supermercados apresenta declínio recorde de 8,8 pontos percentuais em março. Vale a pena citar mais extensamente este artigo já que dá relevo ao sofrimento real dos trabalhadores comuns da Grécia atualmente:

“Os primeiros três meses deste ano provaram ser o pior trimestre para o setor de supermercados na Grécia, uma vez que o valor das vendas declinou 7,8% em relação ao mesmo período de 2015.

“(…) queda na demanda, uma vez que o volume das vendas registrou uma queda de 8,6% comparado ao volume do primeiro trimestre de 2015. Os consumidores estão reduzindo mesmo nos mais básicos dos produtos, que vão desde o leite ao sabão de lavar roupa em pó.

“(…) queda de 6% no valor das vendas em janeiro na comparação anual, seguida por uma queda de 8,3% em fevereiro e coroada por outra queda de 8,8% em março…

“(…) em março, os supermercados viram o volume de suas vendas caírem 13,5% na comparação anual, que também foi a maior queda já registrada em um mês desde 2013. Em fevereiro, a queda foi de 11,7% e, em janeiro, 11,2%.

“(…) o volume dos negócios se reduziu ainda mais nos produtos alimentícios, reduzindo-se em 8,4% no primeiro trimestre de 2016 em relação ao ano passado…

“O volume das vendas de alimentos desabou notáveis 13% no primeiro trimestre…

“(…) a queda no valor e no volume das vendas de categorias básicas, tais como produtos lácteos é muito impressionante: os produtos lácteos viram o volume de suas vendas caírem 10,9% a partir do primeiro trimestre de 2015, e o valor das vendas caíram 8,9%”.

Quando temos uma queda tão dramática nas vendas de produtos lácteos, podemos ver o quanto está ruim a situação dos trabalhadores e pobres na Grécia. Significa que em algumas famílias temos o início da má nutrição! De fato, em uma viagem anterior li a respeito de crianças desmaiando nas salas de aula porque não tinham tomado o café da manhã.

É isto o que a austeridade significa para as pessoas da classe trabalhadora. Não se trata apenas de redução nas despesas de entretenimento e outros “luxos”. De acordo com a OCDE, 1,7 milhões de gregos, quase 20% da população, não têm o suficiente para comer. As pessoas estão comendo menos e o que comem é de qualidade deteriorada. É a saúde de toda uma geração que está sendo aqui afetada.

Há quatro anos começamos a ouvir relatos de casos de malária que não eram de pessoas que tinham viajado aos países tropicais infestados de malária, mas de pessoas infectadas na própria Grécia! Nas décadas de 1950 e 1960, uma ampla campanha conseguiu erradicar a malária, e em 1974 a Grécia foi considerada livre da malária. Os cortes massivos nos gastos de saúde foram um fator que contribuiu ao ressurgimento da malária. Em 2013, o governo de então anunciou planos de fechamento de 50 dos 132 hospitais da Grécia. Os cortes provocaram que cerca de 30% da população grega foram empurrados para baixo da linha de pobreza, e ficaram sem nenhum acesso aos cuidados de saúde.

Na mesma edição acima citada de Kathimerini há um outro pequeno artigo, Pesquisa revela que 8 entre 10 gregos sentem que as medidas não atingem o alvo, que afirma o seguinte:

“Oito entre 10 gregos acreditam que as políticas do governo estão levando o país na direção errada, com sete entre 10 dizendo que sua situação financeira pessoal está degenerando como resultado das reformas recentes.

“Somente um em 10 dos entrevistados aprovavam um novo fundo de privatização…

“(…) somente 2,5% disseram que acreditavam que as reformas atingiram os gregos ricos e privilegiados, em linha com as promessas pré-eleitorais do governo”.

Tudo isto é o resultado concreto das medidas de austeridade impostas à Grécia. Não se pode reduzir salários, empregos, pensões e gastos públicos e em seguida esperar que o mercado se expanda. E que solução para tudo isto propõem a União Europeia e o Banco Central Europeu? Ainda mais austeridade!

Os trabalhadores gregos e a juventude rejeitaram tudo isto quando votaram por SYRIZA no governo em janeiro de 2015. E deixaram sua opinião muito clara quando votaram NÃO [OXI] no referendo de julho. Em seguida, Tsipras ignorou a vontade do povo e cedeu às pressões da União Europeia. Ele conseguiu vencer novamente nas eleições de setembro com a promessa de que com ele no governo a dor seria menor. Em vez disso, temos cada vez mais austeridade. Tudo isto explica a queda massiva da popularidade de Tsipras e do governo de SYRIZA. Mais sobre isto em um futuro artigo.

É isto o que está acontecendo agora. Imaginem o que aconteceria aos padrões de vida das pessoas se o remédio de George Soros for aplicado, conforme descrito em meu artigo anterior!

[Continuará]

Artigo publicado originalmente em 5 de julho de 2016, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “Greece in crisis – Part two: Dramatic falls in living standards.

Tradução de Fabiano Leite.