A crise na saúde em Joinville

Dona Celina, 77 anos, moradora de Joinville, é diagnosticada com câncer de intestino e espera há mais de um mês por uma cirurgia de extrema urgência no Hospital Municipal São José (HMSJ), para retirada da parte final do intestino e colocação de uma bolsa de colostomia. A demora agrava o problema a cada dia, mas não há previsão para a realização dos exames e da cirurgia necessários. 

Este é apenas um exemplo da crise que ocorre no atendimento público municipal de saúde de Joinville há tempos, e que só se agrava. A população espera meses por cirurgias e consultas eletivas e horas sem fim por atendimento nos Pronto Atendimentos, Unidades Básicas de Saúde e hospitais. 

No início de julho, os hospitais de Joinville tinham 10.368 solicitações de cirurgias eletivas pendentes. No HMSJ eram 4.848 solicitações, sendo 4.132 de Joinville.

Já a macrorregião do Planalto Norte, que abrange Joinville e outros 25 municípios, tinham no início de julho 19.509 pacientes aguardando cirurgia eletiva. 

A situação está sendo alvo de comissões na Câmara de Vereadores e questionada pela população diariamente, nas ruas e em grupos de WhatsApp, assim como pela imprensa. A Prefeitura tem afirmado que a crise é decorrente da epidemia de dengue na cidade e aumento da procura por problemas respiratórios. Atrás destas justificativas circunstanciais, que qualquer pessoa que procura atendimento vê, estão anos de abandono e falta de investimento adequados na saúde.

No Hospital São José, o Pronto Socorro está sempre lotado. No Hospital Infantil, notícias na imprensa indicaram que em alguns dias houve espera de até 13 horas. 

Nas unidades básicas de saúde, as filas na madrugada – que já haviam sido extintas no município – retornaram. Equipes que há oito anos trabalhavam com 10, 12 agentes comunitários de saúde, hoje contam com apenas dois ou três. 

Em todas as unidades de saúde o diagnóstico é o mesmo: estrutura abandonada e, principalmente, falta de pessoal. Desde 2014 a Prefeitura de Joinville não realiza concurso público, o que por si só já mostra a dimensão da falta de servidores municipais em todas as áreas.

O problema da dengue

Na segunda-feira (17/07), Joinville confirmou a 34ª morte por dengue em 2023. Para se ter uma ideia, em 2022 foram registradas 19 mortes pela doença ao longo de todo o ano. A cidade é a campeã de óbitos por conta da doença no Brasil e em julho já registra quase 28 mil casos. Em todo o ano passado foram 32 mil. É preciso considerar ainda que, além disso, há mais 21,8 mil casos em investigação. 

Diante destes números, o Ministério Público de Santa Catarina instaurou Inquérito Civil para apurar ações de combate à dengue na cidade.

Dados de todo o ano de 2022
Dados de 2023, até 19/07/2023

Este sério problema de saúde pública não é um raio em céu azul e não pode ser justificado responsabilizando a população pela falta de cuidados individuais contra os focos do mosquito. Ele é fruto de anos de destruição dos serviços de acompanhamento epidemiológico na cidade, seguindo a mesma prática federal.

Com a falta de concurso público na cidade, Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) e Agentes de Combate a Endemias (ACEs), fundamentais no trabalho de prevenção da doença, são cada vez mais escassos e desviados de suas funções principais. 

Os ACSs, que deveriam visitar diversas famílias, estão trabalhando na recepção das unidades básicas de saúde, no lugar dos agentes administrativos. Já os ACEs, que, segundo o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville, precisariam ser cerca de 300 para atender toda a cidade, são apenas 70. Faltam ainda condições de trabalho.

O resultado disso vemos no gráfico abaixo, com a explosão de focos do mosquito de dengue nos últimos anos em Joinville:

Fonte: Prefeitura de Joinville

Além disso, não é possível olhar para uma doença como a dengue sem situá-la nacionalmente. Somente nos primeiros cinco meses de 2023 foram confirmadas 503 mortes por dengue no Brasil. É quase metade de todas as mortes pela doença registradas em 2022. No ano passado, ao menos 1.016 óbitos por dengue foram contabilizados, o que é considerado um recorde desde 1980.

Segundo dados da OMS, a dengue está entre as 14 doenças que compõem a categoria de tropicais negligenciadas, o que impacta fortemente o Brasil. Enquanto isso, um estudo brasileiro publicado em março de 2023 demonstrou que as verbas destinadas a estas doenças não avançaram no país desde 2004.  

Precarizar para terceirizar 

Funcionários dos Pronto Atendimentos da cidade denunciam situações de falta de luz e água nas unidades, além da tradicional falta de medicamentos. A precarização é a justificativa perfeita para o projeto de privatização defendido pelo prefeito Adriano Silva (Novo), que busca entregar o Hospital Municipal São José e a UPA Sul para a administração de uma Organização Social (OS). 

No caso do Hospital São José, a adoção de uma OS é defendida pelo prefeito desde a campanha eleitoral e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) foi contratada em abril do ano passado por R$ 808 mil, para estudos sobre a viabilidade desse modelo de gestão. 

No caso da UPA Sul, das oito OSs credenciadas pela prefeitura para concorrer à entrega, quatro já são alvos de denúncia de envolvimento em corrupção. Além disso, todas elas respondem a processos trabalhistas. Tudo isso joga por terra a roupagem anticorrupção do governo Novo. 

Ressalta-se que a entrega de serviços públicos à OSs é uma conhecida forma de terceirizar e um terreno fértil para a corrupção, de acordo com estudos do próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Em artigo de 2019, assinado pelo promotor de justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Santos de Carvalho, lê-se:

“Dentre os fatores que tornam uma tal atividade estatal vulnerável à corrupção, merecem destaque: 1) o volume de dinheiro público envolvido, a fim de maximizar as oportunidades de desvio de recursos; 2) a existência de mecanismos simples e de baixo custo para ocultar a natureza criminosa de sua atividade; e 3) a fragilidade dos mecanismos de controle sobre a atividade pública. 

A presença desses três fatores explica, em grande medida, por que os contratos de gestão, pelos quais a Administração Pública cede a organizações sociais a gestão de serviços públicos, são um terreno profícuo à corrupção” (A atuação do Ministério Público em Face das Organizações Sociais de Saúde). 

Como marxistas, sabemos que a corrupção é um processo intrínseco ao capitalismo e ao Estado burguês. Nesse sentido, a desfaçatez com que os cofres públicos são roubados por meio das OSs apenas deixa ainda mais claro os mecanismos deste sistema apodrecido. 

E o problema com as OSs não para no desvio de dinheiro público. Visando o lucro, é comum que unidades de saúde administradas por este modelo deixem de oferecer serviços considerados pouco rentáveis, os insumos utilizados são de baixa qualidade e superfaturados, os funcionários são em número insuficiente e mal pagos. 

Em Santa Catarina, um bom exemplo da destruição que a entrega à OSs pode realizar está no SAMU de Santa Catarina, entregue em 2012 a uma empresa que, menos de 10 anos depois acumulava multas (incluindo R$ 2 milhões por irregularidades trabalhistas), greves, falta de ambulâncias e médicos. A situação chegou a ser alvo do Tribunal de Contas do Estado e a solução foi… entregar para uma nova OS. 

A imobilidade dos sindicatos

Em meio a este caos na saúde que causa mortes todos os dias, as entidades de defesa dos trabalhadores permanecem em silêncio. Pouco se escuta dos sindicatos municipal e estadual da saúde, tampouco do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville, que solta notas contra as OSs, mas não mobiliza os trabalhadores e a comunidade em defesa da saúde pública. 

Apenas a organização dos trabalhadores enquanto classe – com seus métodos de combate, como greves, assembleias, manifestações e a luta pelo controle econômico da sociedade – são capazes de parar a privatização dos serviços públicos e exigir saúde pública, gratuita e para todos. 

Se você concorda, entre em contato com a Esquerda Marxista e junte-se a esta luta.