Os sistemas de saúde em todo o mundo estão ameaçados de colapso. Depois de terem destruído os serviços públicos por décadas, os governos capitalistas (e aqui deve-se incluir a China, a despeito daqueles que enxergam lá um governo comunista) bateram cabeça, divididos entre a pressão da burguesia para a manutenção de sua taxa de lucro e a necessidade de retardar os picos de infecção para não saturar o sistema de atendimento e evitar mortes em massa. Alguns adotaram mais rápido medidas drásticas, outros seguem resistindo em colocar em risco o lucro dos capitalistas e insistem para que os trabalhadores sigam produzindo, em vez de isolar-se. Expressa-se aqui, de maneira surpreendente, a luta entre a classe trabalhadora, que deseja viver, e o capital, para quem o lucro sobrepõe-se a vida.
O ano de 2019 foi de muitas lutas dos trabalhadores e da juventude pelo mundo. Em cada canto, os governos sabem que se negligenciam a vida, terão que enfrentar levantes cada vez mais duros e violentos. Por isso, de maneira geral, a quarentena foi se impondo como medida em praticamente todo o mundo, buscando retardar o ritmo de contágio, ganhando tempo para a descoberta de procedimentos que possam ajudar no tratamento e prevenção e preparando o sistema de saúde – na medida em que o capitalismo permite – para melhor atender aos enfermos.
Notadamente no Brasil, o presidente Bolsonaro adota uma prática assassina, defendendo em pronunciamento oficial que os trabalhadores voltem ao serviço. Paralelamente e em função disso, é cada vez mais alto o brado de “Fora Bolsonaro”!
Lutamos para que os trabalhadores tenham direito à quarentena, diante da absoluta incapacidade do Estado capitalista de cuidar e garantir a vida daqueles que são infectados. Mas, para os trabalhadores autônomos e para os assalariados precarizados, a quarentena é, a um só tempo, garantia de saúde e um pesadelo terrível.
Todos os eventos públicos que envolvam qualquer tipo de aglomeração nas maiores cidades do mundo estão cancelados. No estado de São Paulo há um decreto proibindo qualquer evento como shows, espetáculos teatrais, de dança, circo ou correlatos. Aqui já estão incluídos grande parte dos artistas, impossibilitados de trabalhar. Para os artistas, cujo trabalho não depende do contato direto com o público, as coisas não estão melhores: museus, galerias, exposições, tudo fechado ou cancelado. Se por um lado há muito mais gente assistindo a conteúdo audiovisual em função da quarentena, sabemos que sobre esse consumo quem realmente lucra verdadeiramente são os capitalistas do setor, enquanto as novas produções que poderiam empregar muitos artistas e técnicos estão suspensas. As salas de cinema também estão às moscas ou sendo fechadas, levando a mais demissões.
Com o cancelamento dos eventos públicos e com a quarentena estamos mais seguros diante do vírus e consideramos isso necessário. Mas o fato é que estamos desempregados e inseguros diante da iminente crise econômica.
E as perspectivas são terríveis. Programações de Centros Culturais foram canceladas até maio, junho ou até mais adiante. A já tradicional Virada Cultural, que seria em maio, está cancelada. Até mesmo grandes festivais de música, como Lollapalooza ou a turnê do Metallica pelo Brasil, que empregariam milhares de trabalhadores entre técnicos e outras categorias, estão cancelados, para ficar em poucos exemplos.
Para os que trabalham em projetos que arrecadam cachês através de bilheteria, assim como para os artistas que vivem de seu trabalho nas ruas e praças, mesmo se não houver proibição não há público. Não param de chegar avisos de circos instalados nas mais diversas cidades onde os artistas estão em desespero diante da proibição das sessões. E dada a situação da economia, mesmo após a quarentena, o dinheiro circulante e disponível para se gastar com ingressos deve diminuir muito.
O número de artistas que possuem um emprego assalariado e com direitos trabalhistas e que, portanto, estão em quarentena remunerada é irrisório frente ao universo da categoria. De maneira geral, inclusive, são empregos relacionados à educação no campo da arte, dado que muitos artistas são, ao mesmo tempo professores ou, como gostam de chamar, arte-educadores.
Nessa última segunda-feira, o Senado aprovou um apoio financeiro, já apelidado por alguns de “coronavoucher”, um pagamento de R$ 600 por adulto de baixa-renda, e de R$ 1.200 para famílias com dois trabalhadores ou para mães solteiras em meio à crise da Covid-19. A medida é direcionada a quem possui MEI (microempreendedor individual), a trabalhadores informais e autônomos que estejam desempregados e deve durar três meses.
O problema é que o “coronavoucher”, além de ser um valor muito abaixo do necessário para a sobrevivência dos trabalhadores, irrisório para as necessidades da maioria das famílias, ainda exclui muitos setores importantes Os critérios de renda máxima de até meio salário mínimo por pessoa ou não ter renda familiar acima de três salários mínimos, por exemplo, deixará setores grandes da classe trabalhadora, por vezes com famílias numerosas, sem acesso.
E, o mais importante, enquanto isso, o governo acaba de aprovar um pacote de medidas que, segundo Guedes, chegará a R$ 700 bilhões, garantindo que se depender do governo não faltará “liquidez” ao mercado. Outra medida prevê liberação de R$ 88 bilhões que serão destinados aos estados e municípios. Mas onde estava todo este dinheiro quando o governo cortou na educação e na saúde em 2019? Onde estavam estes bilhões quando impôs um teto para os gastos públicos para sanar um “rombo” no Estado?
Para os patrões nunca falta o dinheiro. Para a massa de trabalhadores resta o desespero. E os artistas, em grande maioria, estão entre eles.
Mas, como chegamos até tal situação?
Uma das formas de investimento público na área da arte e da cultura são os equipamentos culturais públicos que recebem investimento estatal direto para eventos, exposições, espetáculos, festivais etc. Em todos os níveis (federal, estadual e municipal) estes são ínfimos e, nem é preciso dizer, cada vez mais sucateados, terceirizados, entregues para Organizações Sociais (OSs), quando não extintos.
Mas, plenamente de acordo com o ideário privatista, os governos em todos os níveis e de todas as colorações tiveram nestas décadas recentes como carro-chefe de suas políticas para a cultura a criação de editais, onde o Estado oferece dinheiro público para que seja disputado entre os artistas “proponentes”. Por parte do Estado terceirização, por parte do artistas pejotização. Foi a necessidade de converter-se em pessoa jurídica que levou a formação das atuais cooperativas de artistas, formações econômicas de pequenos “sócios”. Juridicamente pequenos empresários, na vida real trabalhadores pobres ultra precarizados.
Além desta modalidade, desenvolveu-se a política de renúncia fiscal (da qual faz parte a famosa Lei Rouanet e o PROAC ICMS), através da qual as empresas têm direito de deixar de pagar parte de seus tributos e investi-los diretamente em projetos culturais. Com isso, deixam de alimentar os cofres públicos e investem em sua autopropaganda. Muitas vezes esse procedimento passa pela criação de instituição próprias, que levam nome e marca da própria empresa, mas com “fins culturais”.
A lógica do pequeno-empresário, associada ao trabalho intelectual do artista e os círculos e ambientes distantes da massa da classe trabalhadora formam o terreno fértil para o pensamento meritocrático, muitas vezes pintado de vermelho, que se prolifera.
Durante as mesmas últimas décadas, as principais organizações (cooperativas, associações e sindicatos) e movimentos dos artistas se adaptaram ao discurso pequeno-burguês e seguiram com suas reivindicações nesta linha. Mais verba, mais editais, mais prêmios, essa era a bandeira. Tratam tais editais como verdadeiras conquistas políticas de sua luta. Mas, se de início algo como a Lei de Fomento ao Teatro contém uma vitória, dado que obriga o Estado e investir diretamente em produções artísticas, por outro lado, contém o germe da derrota futura. Um pequeno desvio após longos períodos pode nos levar a destinos nunca desejados. Assim aconteceu. No lugar de artistas trabalhadores servidores públicos, fomos convertidos de forma geral em pequenos ou micro empresários empreendedores; no lugar de arte e cultura como serviço público e direito da classe trabalhadora, temos arte e cultura como produtos comprados no mercado ou – no melhor dos casos e para uma pequena parcela dos artistas – pelo Estado (com fundo próprio ou renúncia fiscal) a ser ofertado (gratuitamente ou não) ao “consumidor”. Através das leis de renúncia fiscal, a própria contratação dos artistas foi terceirizada para os setores de marketing das grandes empresas, que os converteram em artigo de propaganda de suas marcas.
Mesmo as cooperativas de artistas, formas já precarizadas de pequenos empreendedores associados (sem direitos trabalhistas), permitiram gradativamente em seu interior o aprofundamento da destruição dos direitos que empurrou os próprios membros ao MEI.
Fora das Cooperativas e das MEIs ou Microempresas, o mais comum é o trabalho completamente desregulamentado, sem direito algum e sem qualquer tipo de contrato. E, nestes casos, podemos garantir, isso ocorre para quem tem ou não tem DRT. O capitalismo em sua forma mais crua não faz essa distinção.
Enfim, não apenas com a complacência, mas pelo atendimento das próprias reivindicações das organizações dos artistas, a condição do artista como trabalhador foi relegada ao sonho. O artista tornou-se pequeno empresário. Mas não existe capitalista sem capital e, diante da crise, sai-se da utopia à miséria em instantes.
Os sindicatos dos artistas em SP
Hoje, as organizações políticas que reivindicam representar os artistas e que criaram o próprio monstro não tem a menor condição de combatê-lo. Olham para sua face e veem a si mesmas.
O Sindicato dos Músicos em SP e o Sindicato da Dança, parecem viver noutro planeta. Parece que nada se passa no mundo em que vivem. Se limitam a reivindicar que artistas da música e da dança sejam incluídos no projeto do governo de socorro aos autônomos.
O SATED, sob a presidência de Dorberto Carvalho (filiado ao PSOL) e com uma diretoria mais do que eclética (onde direita e esquerda são apenas nomes que dão aos próprios braços para ajudar a lembrar qual usam para escrever), tem pelo menos o mérito de ter percebido que algo se passa e discutem, propõe e agem.
Há que reconhecer que sua ação para garantir a paralisação de gravações de programas e novelas em emissoras de TV é correta e contribuiu para a defesa da integridade de artistas e técnicos, para quem foi garantida a quarentena.
Além disso, dado que a categoria que representam é constituída majoritariamente por dezenas de milhares de profissionais autônomos, o sindicato constituiu um fundo de apoio aos artistas que necessitam de algum socorro mais emergencial. Também não se pode criticar essa medida em si, que está em conformidade com as melhores tradições do sindicalismo, que se manifesta nos fundos de greve e na solidariedade em todo tipo de crise. Apenas o baixíssimo resultado da arrecadação demonstra quão pouco representativo é este sindicato distante de sua base real.
As propostas do SATED para os artistas enfrentarem a crise
O verdadeiro problema aqui não são as medidas imediatas adotadas pelo SATED, mas o fato de que suas propostas de solução para a crise significam basicamente curar o moribundo dando-lhe mais veneno.
Numa primeira iniciativa, os dirigentes do SATED, através do gabinete de um deputado do PT, reivindicaram do governo do Estado um (adivinhem) voucher para os artistas que tenham DRT – sigla para Delegacia Regional do Trabalho, que designa um registro oficial do Estado brasileiro que atesta que você é artista profissional e que só pode ser obtido através da apresentação de diploma em escolas técnicas ou superiores credenciadas ou cumprindo critérios do próprio sindicato – além, é óbvio, de pagar ao sindicato. Essa medida é bem semelhante a que já anunciamos, aprovada na segunda-feira pelo Senado. Pelo menos o parlamento brasileiro em seu conjunto está à esquerda do SATED e considera que não deve ser restringido aos reconhecidos pelo Estado e que portem carteirinhas.
Em resumo, o sindicato exige apoio aos artistas, mas não aos que estão em pior condição, aos que, em geral, estão sem trabalho, passando dificuldades ou até necessidades, mas especificamente aos que têm registro! Não aos desempregados de forma geral, mas aos que o Estado atribuiu um número oficial, uma ínfima minoria ante a infinidade de artistas submetidos ao desemprego nesta crise! É o sindicato que o Estado capitalista gosta, assim como este é o Estado capitalista de que essa diretoria gosta e precisa, pois sem a tal DRT eles perdem parte importante de sua sustentação financeira. E é aí que seu calo mais aperta.
Mas esse é apenas o começo da confusão política. Em seu perfil no Facebook, no dia 26/03, Dorberto Carvalho apresentou o documento enviado pelo SATED ao Itaú e ao Santander, com propostas a esses que são dois dos três maiores bancos privados do país, para que criem micro-editais para empregar os artistas neste período, através de programas vinculados às suas próprias instituições culturais. Seriam editais com microcrédito para produção de espetáculos virtuais, obviamente apenas para quem tem DRT e para quem é sócio do sindicato. Quem não se enquadra não é problema deles. Ou seja, o SATED recorre aos bancos, aos magnatas do mercado financeiro, para que esses resolvam a situação de desemprego dos artistas – ou dos seus associados, sendo mais específico.
O coronavírus desnudou a incompetência do capitalismo para lidar com uma doença contra a qual teríamos todo o conhecimento científico, recursos humanos e materiais para termos nos preparado há muito tempo. Além disso, ele foi o estopim para uma crise econômica vultuosa, que vem sendo gestada justamente pelo sistema capitalista, que destrói todas as conquistas humanas mais importantes para garantir os lucros do mercado financeiro. Diante da ameaça da crise, cuja origem é o capital financeiro e seu domínio absoluto sobre toda a economia, o sindicato recorre ao… mercado financeiro. É certamente um marco para um sindicato que pretende representar trabalhadores e cujo presidente está filiado a um partido que apresenta-se como socialista.
O coronavírus provoca a epidemia, mas o verdadeiro desastre é este sistema.
A crise econômica, para além do coronavírus
O governo, quando corta, sempre pensa na cultura em primeiro lugar. E, dessa vez, não seria diferente.
O plano emergencial do governo determina, por exemplo, o corte de 50% no Sesc e Senac, totalizando R$ 1 bilhão, segundo a CNC podendo levar ao fechamento de 144 unidades do Sesc pelo Brasil e mais demissões de cerca de 6 mil funcionários, caso não seja imediatamente revertido. O pacto do governo realizado com a Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entidade sindical responsável pela administração do Sesc e do Senac, anuncia que a verba seria utilizada pelas empresas para o “combate” ao coronavírus.
A medida de corte do governo é um ataque aos trabalhadores, funcionários do sistema S, mas também aos artistas que prestam serviços por meio da venda de seus trabalhos a unidades do Sesc e do SESI, sendo estes um dos mercados com melhor remuneração e demanda para os artistas que não se enquadram nos padrões da dita “cultura de massas”.
Vale lembrar que o sistema S é mais uma das formas de repasse de dinheiro público para a iniciativa privada, pois grande parte da verba vem de impostos sobre folha dos trabalhadores e da patronal, mas a administração da verba cabe às confederações patronais. Tudo isso deveria ser público. Mas mesmo sendo privatizado, está sendo destruído.
Alguns economistas já apontam que o desemprego pode alcançar 20 a 30 milhões de brasileiros, somando o fechamento dos pequenos comércios, empresas de serviços e indústrias, que deve levar a demissões em massa.
As notícias de demissões na área da cultura só devem piorar no próximo período. A produtora Casablanca, por exemplo, responsável pelas novelas da Record, demitiu todos seus funcionários na semana passada (23). Os trabalhadores eram contratados como pessoa jurídica, e por isso saíram da empresa sem direitos trabalhistas ou rescisão contratual. Isso se repete por toda a parte. Desde as novelas, passando pelo Domingão do Faustão, ao Cirque du Soleil, as demissões são notícia no universo dos artistas e técnicos de espetáculos e do entretenimento.
Os dados do IBGE apontam que cerca de R$ 5 milhões de pessoas no país trabalham nesse setor, gerando, segundo informações da atual Secretaria Especial de Cultura, 2,64% do PIB brasileiro. Isso sem contar os artistas populares, de rua, e outros não reconhecidos pela pesquisa, que serão especialmente afetados pela crise. O desemprego tão massivo nesse setor terá consequências no conjunto da economia.
A quarentena deve ser, nesse momento de pandemia do coronavírus, um direito do trabalhador para sua segurança e para segurança daqueles que com ele convivem. No entanto, a aplicação dessa medida sem políticas adicionais, que garantam as condições materiais necessárias para a sobrevivência dos trabalhadores da cultura e da arte, devem levar a uma situação ainda mais grave no próximo período.
Nenhuma medida que proteja os artistas foi tomada pela nova diretora da pasta da cultura, Regina Duarte. Sua assessoria apenas comunicou que as ações culturais que sofrerem impacto por causa da Covid-19 devem ser “documentadas, fundamentadas e ajustadas” para que “danos possam ser mitigados”. Não há nenhuma nota da secretaria de políticas voltadas aos trabalhadores da cultura e da arte, apenas suposições de medidas futuras para proteção das ações de empresas que são parte do setor.
A prefeitura de São Paulo chegou a anunciar um edital para shows e espetáculos em janelas de prédios da cidade, mas a justiça barrou sua aplicação. Novamente, apesar da aparência, o veneno é apresentado com um rótulo de remédio. Apenas um setor preparado para a concorrência comercial no ramo poderia acessar tais recursos, na lógica da disputa de mercado, excluindo a imensa maioria, reproduzindo a lógica que nos trouxe até aqui.
Em defesa dos trabalhadores da arte e da cultura
Apesar de ser comum entre os artistas a utilização do termo para designar nossa categoria profissional, em política é preciso deixar claro que não existe uma “classe artística”. Aliás, mesmo os artistas são divididos em classes. Há artistas que são patrões, proprietários, empresários que exploram o trabalho alheio e sobre ele constroem sua riqueza. E há artistas (e aqui engloba-se toda uma gama de profissionais do ramo da arte, desde a produção, técnicos e artistas do palco) que vivem de seu próprio trabalho, da venda de seus serviços e cujo trabalho é explorado pelo capital de variadas formas. Seus interesses são antagônicos e inconciliáveis.
Atualmente o sindicato dos artistas e técnicos de espetáculos representa, independente da classe social, todo aquele que tem DRT, ou seja, todo aquele a quem o Estado reconhece como “artista”. Precisamos de um sindicato que represente apenas trabalhadores e se oponha abertamente à burguesia. O mesmo vale para todos os segmentos.
O sindicato deve ser sustentado por seus associados e não por dinheiro de bancas para obtenção de DRT ou repasses do Estado. Independência financeira para uma verdadeira independência política, inclusive e especialmente do Estado capitalista, balcão de negócios da burguesia
É preciso uma organização sindical que tome partido dos trabalhadores da arte, que tenha um caráter de classe, o que passa por expulsar os patrões – ou pseudopatrões – da sua própria diretoria e assumir uma posição clara de luta em favor da classe trabalhadora e de seus setores mais precarizados.
Corona é a epidemia, mas o desastre é o sistema
Vivemos numa era em que o homem já foi à lua e mapeia com seus robôs a superfície de Marte; aeronaves quebraram a barreira do som; o genoma humano foi decodificado e mesmo o do coronavírus já não é segredo. A ciência atingiu alturas nunca sonhadas quando a sociedade enfrentou a peste bubônica ou mesmo a gripe espanhola.
Ainda assim, em 2009 uma epidemia de uma variedade nova do vírus Influenza H1N1 matou (oficialmente) 18.700 pessoas – estudos acadêmicos falam de várias centenas de milhares de mortes não notificadas.
Qualquer um poderia supor que uma sociedade com alto nível tecnológico e científico pudesse preparar-se melhor para a próxima epidemia. Deu-se o contrário. De lá para cá, em todos os principais países do mundo foram reduzidos drasticamente o número de leitos hospitalares e UTIs por habitante e, em muitos locais, mesmo em números absolutos.
De outro lado, a população mundial aumentou de 2009 para 2020 em mais 1 bilhão. O coronavírus, tendo aproximadamente a mesma capacidade biológica de contágio da gripe comum, encontrou um planeta com cidades de populações ainda maiores, mais insalubres, com densidades demográficas e condições calamitosas cada vez mais propícias ao desenvolvimento da epidemia e se alastrou com velocidade surpreendente.
Soma-se a isso a precarização dos serviços públicos, com o desvio dos recursos públicos para o serviço da dívida, que abastece os bolsos dos mega especuladores do mercado financeiro, a privatização, a falta de saneamento, o desemprego e a miséria a que são submetidas cadas vez maiores massas de trabalhadores. De 2008 até os dias de hoje, o mundo viveu uma profunda crise econômica, levando a intensos ataques contra as conquistas sociais e a um rebaixamento dos níveis de vida.
Uma economia planificada, sob um governo dos trabalhadores, baseada em nosso conhecimento histórico e científico, poderia ter construído um sistema de saúde projetado para os dias de crise, de pandemia. O sistema capitalista não é capaz de manter sequer o suficiente para dar conta de dias comuns, onde acidentes de trânsito, doenças-cardiovasculares, respiratórias, doenças crônicas entopem unidades de saúde superlotadas, mal equipadas e com défict de funcionários. Conforme já publicamos neste site, quando o corona chegou, já estávamos lotados. O capital reduz o custo da reprodução da força de trabalho ao mínimo necessário. Numa época de crise estrutural do capital, este custo pode inclusive ser pressionado para abaixo do mínimo para esta reprodução, dado o tamanho do exército de desempregados à espera de uma oportunidade de ser explorado e poder sustentar-se. O limite para o rebaixamento é a luta de classes.
Os artistas estão, em sua grande maioria, ao menos temporariamente, desempregados. Junto ao coronavírus vem a crise econômica e sabemos o preço que pagam os trabalhadores da arte e da cultura em tempos de crise. Para a classe trabalhadora, quando falta o pão, tudo mais é secundário. Quanto ao Estado capitalista, diante do imperativo do corte de gastos públicos, a arte é justamente aquilo que o povo não sente falta – porque na verdade, nunca viu. Quanto aos capitalistas, estes não investem em arte, de fato, mas em propaganda – e às vezes elas até se parecem ou pode incluir alguma arte, mas estão longe de ser a mesma coisa.
O que fazer?
Os artistas não podem acreditar que vivem em um mundo separado da massa trabalhadora. O capitalismo proletariza os artistas cotidianamente. Apenas um programa de medidas drásticas de ruptura com o atual sistema pode permitir uma saída que salvaguarde a vida dos trabalhadores e abra uma perspectiva de enfrentamento para a crise econômica mundial que se anuncia e já se verifica. Diante disso, os artistas, juntamente com o conjunto da classe trabalhadora devem exigir:
- Não pagamento da dívida interna e externa! Anular a dívida pública!
- Estatizar os bancos e o sistema financeiro!
- Suspender a remessa de lucros para o exterior, controle de câmbio e do comércio exterior!
- Estatizar todo o sistema de saúde – planos, laboratórios, hospitais! Quebrar a patente de todos os remédios, testes clínicos e outros necessários para a saúde.
- Comitês de Saúde e defesa comunitária em cada bairro e local de produção e trabalho!
- Estatizar todo o sistema de transporte!
- Estatizar os grandes grupos industriais, latifúndios e o “agro-negócio”!
- Anular as reformas trabalhista e da previdência! Estatizar todo grupo ou empresa que demitir ou reduzir salário durante a crise! Liberar todas as aposentadorias, licenças médicas e benefícios que estão represados à espera de “análise” ou “perícia”! Seguro desemprego a todo trabalhador desempregado ou “informal” já! Aqui estão incluídos os artistas, independente de ter ou não DRT e de qualquer outro critério.
- Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!
Apenas com estas medidas emergenciais é possível salvaguardar a classe trabalhadora da sanha do capital nesta crise. Mas os artistas precisam desenvolver o programa em seu próprio campo de atuação, o que começa por:
- Substituição de todos os editais de renúncia fiscal por programas de investimento direto, controlados pelo Estado e não pelos departamentos de marketing das grandes empresas;
- Fim da política de editais concorrenciais que colocam artistas em luta uns contra os outros pelas migalhas de verba caídas do Estado capitalista;
- Todos os artistas cadastrados/credenciados em cada um dos programas dos governos em níveis municipal, estadual e federal, cuja capacidade e qualidade artística seja atestada, devem ser integrados ao aparato estatal como servidores públicos assalariados e com direitos trabalhistas, e designados ao trabalho de desenvolvimento artístico e cultural junto aos equipamentos públicos de educação, cultura, assistência e outros;
- Estatização das grandes redes de televisão, das redes de salas de cinema e outros equipamentos estratégicos explorados pelo capital;
- Estatização de todo o sistema S, sob controle dos trabalhadores e de suas organizações. Este patrimônio é dos trabalhadores e não deve ser administrado por federações patronais.
Apenas medidas como esta podem abrir uma via realmente nova para a arte e os artistas. De nada adianta para o doente tomar mais veneno. Convidamos todos a este debate e, acima de tudo, a esta luta!