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A Guerra de Libertação de 1971 e a Revolução Inacabada de Bangladesh

Há poucos meses Bangladesh brilhou com o fogo da revolução. As massas entraram mais uma vez em cena e redescobriram uma rica tradição revolucionária que remonta às décadas passadas. De fato, as tarefas desta revolução são as tarefas inacabadas de uma revolução inacabada, que começou a mais de cinquenta anos atrás e culminou na Guerra de Independência contra a dominação do Paquistão em 1971. É vital aprendermos as lições desse período, não apenas para entendermos o presente, mas para assegurarmos que a luta revolucionária que está ocorrendo hoje caminhe para a vitória.

A Revolução e a Guerra de Independência subsequente de Bangladesh contra o Paquistão foram eventos devastadores. Contudo, poucos conhecem o que realmente aconteceu.

Os principais partidos políticos de Bangladesh hoje camuflam a guerra sob um véu de mentiras. Eles se apresentam em toda a sua glória, inflando o papel de seus partidos na luta pela independência.

Mas os verdadeiros herois daquela história foram os milhões de bengaleses não identificados que lutaram e que estavam dispostos a sacrificar tudo em nome da causa da libertação. Já era hora de alguém explicar os acontecimentos do jeito que eles realmente ocorreram.

Nos dias 14 e 15 de agosto de 1947 ocorreu um grande crime contra a humanidade. Aproximadamente dois milhões foram mortos, 75 mil mulheres foram estupradas, e 10 a 20 milhões foram deslocados em um frenesi de violência comunal desencadeado pela partição da Índia. Ted Grant explicou os motivos desse crime:

“A partição do subcontinente entre Paquistão e Índia foi um crime cometido pelo imperialismo britânico. Inicialmente, o imperialismo britânico tentou manter todo o subcontinente sob seu controle, mas, durante os anos de 1946 e 1947, uma situação revolucionária erupcionou por todo o subcontinente indiano. O imperialismo britânico percebeu que não poderia mais conter a situação. As suas tropas eram majoritariamente indianas, e ele não poderia se apoiar nelas para fazer o trabalho sujo dos imperialistas.

Foram sob essas condições que os imperialistas apareceram com a ideia da partição. Conforme eles não puderam mais manter o controle sobre a situação, eles decidiram que era preferível jogar os muçulmanos contra os hindus e vice-versa. Com este método, eles planejavam dividir o subcontinente para que fosse mais fácil controlá-lo a partir de fora, uma vez que eles haviam sido forçados a encerrar a sua presença militar. Eles fizeram isso sem a menor preocupação com o terrível derramamento de sangue que poderia ser desencadeado.” (Ted Grant, 2001)

Esse foi um evento completamente evitável. Apenas um ano antes, hindus, sikhs e muçulmanos estavam juntos nas barricadas em uma revolução contra a ocupação britânica na Índia.

A Grã-Bretanha não podia mais manter o controle direto, portanto teve que se voltar para a tática do “dividir e conquistar”. Em colaboração com as elites dominantes hindus e muçulmanas, o subcontinente foi dividido sob linhas religiosas sectárias.

A Índia era a casa da maioria dos hindus, enquanto que a nova nação do Paquistão seria a casa da maioria dos muçulmanos.

A região de Bengala foi dividida entre Oriente e Ocidente. A parte ocidental, sendo de maioria hindu, foi incorporada à Índia, enquanto que a parte oriental, sendo de maioria muçulmana, se tornou o Paquistão Oriental (atualmente Bangladesh).

Ao mesmo tempo em que a população do Paquistão Ocidental e Oriental compartilhavam a mesma religião, eles também desenvolveram culturas e tradições únicas, e falavam línguas completamente diferentes, isso sem mencionar o fato de que eles estavam separados por mais de dois mil quilômetros de território hostil!

Desde o primeiro dia, o Paquistão Oriental estava sob dominação econômica, política e cultural completa por parte do Paquistão Ocidental.

Vinte e duas famílias capitalistas do Paquistão Ocidental possuíam cerca de 66% da indústria e 80% dos bancos do Paquistão Oriental nos anos 70. Carachi se tornou a capital, apesar da maioria da população residir no Oriente.

Além disso, o salário médio dos trabalhadores do Paquistão Ocidental era de 35 libras por mês em comparação à 15 libras por mês no oriente. O Paquistão Oriental era um mercado cativo para bens feitos no Paquistão Ocidental, conforme a riqueza fluía do oriente para o ocidente.

90% do exército era oriundo do Ocidente, e apenas 16% da elite dos servidores civis eram de paquistaneses orientais. Urdu foi declarado como a língua nacional, apesar de ser a língua de apenas 7% da população, em contraste com 55% da população que falava alguma forma de bengali.

A classe dominante do Paquistão Ocidental suprimiu as liberdades democráticas dos bengalis para defender os seus próprios privilégios e assegurar uma extração máxima de lucros.

Embora formalmente livre dos seus mestres coloniais britânicos, o Paquistão Oriental era agora uma semi-colônia do Paquistão Ocidental, servindo de abrigo para uma massa de bengalis oprimidos.

Lênin uma vez ressaltou que a questão nacional é, em última instância, uma questão de pão. A questão da liberdade econômica está inserida no coração da luta pela independência.

O Estado do Paquistão tinha dinamites plantadas em suas próprias fundações.

Os primeiros indícios de descontentamento emergiram em 1952, com um movimento de massas pelo reconhecimento e pelo uso da língua bengali. O movimento ganhou apoio de massas após a polícia atirar e matar dezenas de ativistas estudantis.

Durante esse movimento, o jovem Mujib-ur-Rahman, o pai da tirana recentemente deposta, Sheikh Hasina, ganhou destaque. Ele eventualmente se tornaria o líder do partido nacionalista bengali, a Liga Awami, que mais tarde jogaria um papel chave na luta pela independência.

Os primeiros indícios de descontentamento emergiram em 1952 com um movimento de massas pelo reconhecimento e pelo uso da língua bengali / Imagem: domínio público

Mujib era oriundo das classes médias, de  origem de proprietários de terras, e foi inspirado pela “democracia ocidental”. Ele era extremamente carismático e bem educado – o representante ideal para a pequena burguesia bengali ascendente.

As eleições gerais de 1954 resultaram na vitória da coalizão nacionalista bengali, a Frente Única (Jukta Front), que ganhou com 65,5% dos votos. Horrorizados com o aumento do repúdio ao nacionalismo paquistanês ocidental, a elite do Paquistão Ocidental, além de dissolver o governo após meros 56 dias de gestão, também foi forçada a conceder o reconhecimento oficial da língua bengali em 1956.

Foi em meio ao caos dos anos 50 que a moderna consciência nacional bengalesa foi forjada.

A “democracia” paquistanesa acabou em 1958. Um turbilhão político, social e econômico levou ao banimento dos partidos políticos e a um impasse entre as classes em disputa.

Em 1958, o oficial do exército, Ayub Khan, chegou ao poder por meio de um golpe militar, governando através da força, se equilibrando entre as classes sociais para “salvar o país da anarquia”. A lei marcial foi implementada, e todos os encontros políticos foram proibidos. A cultura bengali foi suprimida.

Ayub Khan convidou o exército americano para construir bases militares no país, tornando o Paquistão em um posto avançado do imperialismo ianque na região.

Internamente, o Paquistão presenciou um crescimento econômico sem precedentes durante os anos 60 sob a ditadura militar. Os sindicatos eram praticamente ilegais, tornando o Paquistão em um paraíso para o investimento estrangeiro.

A industrialização forjou uma poderosa classe trabalhadora nas cidades que pipocavam pelo Paquistão, classe essa que se tornava cada vez mais descontente em relação ao regime. As massas sofriam condições de trabalho horríveis, enquanto que a gangue de super ricos dos capitalistas, latifundiários e das elites militares ostentavam as suas riquezas.

Em 1965, o Paquistão iniciou uma guerra cara e desastrosa com a Índia sobre o controle da Caxemira, o que exacerbou a inflação e aumentou o custo de vida.

Em 1958, o oficial do exército, Ayub Khan, chegou ao poder por meio      de um golpe militar / Imagem: domínio público

A censura da imprensa e as severas restrições às expressões políticas intensificaram o sentimento de opressão nacional dos bengalis no Paquistão Oriental.

Essa situação firmou as bases para uma enorme explosão da luta de classes. Tudo que foi necessário foi uma faísca para explodir o ódio profundamente arraigado contra o regime.

Os capitalistas do Paquistão Ocidental arrecadavam lucros enormes por meio da posse de enormes faixas de terra e através da exploração dos grupos étnicos minoritários como mão de obra barata.

Portanto, a burguesia paquistanesa, acorrentada pelas mãos e pelos pés aos latifundiários e aos imperialistas norte-americanos, se provou incapaz de formar um estado democrático moderno que pudesse responder às necessidades básicas do povo: terra aos camponeses e liberdade aos grupos étnicos oprimidos.

Em 1966 Mujib-ur-Rahman apresentou o “programa dos seis pontos”, que demandava por uma maior autonomia e pela restauração da democracia parlamentar na federação do Paquistão. Esse programa demandava o direito de formar um poder militar independente e de controlar os seus próprios impostos e as suas próprias finanças, incluindo a existência de duas moedas separadas.

Tal programa, embora moderado em suas demandas, era um anátema para a classe dominante paquistanesa. O Paquistão Oriental era a principal fonte de lucros para a classe dominante (que se localizava majoritariamente no Paquistão Ocidental), e ao mesmo tempo a sua população representava a maioria da população paquistanesa. Conceder o sufrágio universal significaria perder completamente o controle da situação (assim como eventualmente ocorreu). Conceder ao Paquistão Oriental o poder de coletar impostos e de cunhar a sua própria moeda significaria a perda do controle econômico pela classe dominante do Paquistão Ocidental.

Além disso, um movimento de massas foi organizado em torno do programa dos seis pontos, que contava com o apoio da maioria das massas do Paquistão Oriental.

O prelúdio da revolução começou em 1967, com uma greve militante de ferroviários no Paquistão Ocidental, e com a eleição de um governo da “Frente Única”, que incluía partidos comunistas e socialistas, no estado indiano da Bengala Ocidental (adjacente ao Paquistão Oriental), que levou milhares a saírem às ruas de Calcutá em apoio.

O jornal The Economist proclamou alarmado: “se existe qualquer lugar na Ásia que está à beira de uma tentativa de revolução urbana, esse lugar é Calcutá, e as cidades do Paquistão Oriental não ficam muito atrás”.

Eles não estavam errados. No dia 7 de novembro de 1968, na cidade paquistanesa ocidental de Rawalpindi, a polícia abriu fogo contra estudantes que protestavam contra o tratamento agressivo dos funcionários da alfândega, matando uma pessoa. Revoltas e protestos irromperam por toda a cidade e se espalharam como um incêndio por todo o país, incluindo no Paquistão Oriental.

Toda a raiva acumulada contra o regime explodiu para a superfície.

Nesse ponto, a liderança do movimento estava majoritariamente nas mãos de Mujib-ur-Rahman da Liga Awami e do “Vermelho” Maulana Abdul Hamid Khan Bhashani, presidente do Partido Nacional Maoísta Awami (NAP); uma junção de organizações camponesas alinhadas com a China.

Bhashani era um homem educado, oriundo dos estratos médios do campesinato. Inspirado por Mao e pela Revolução Chinesa, ele acreditava que a luta pela independência só teria sucesso através de uma luta armada de guerrilhas liderada pelo campesinato. O levante camponês em Naxalbari, na Bengala Ocidental em 1966, teve uma influência poderosa no despertar político dos líderes campesinos do Paquistão Oriental.

Dessa forma ele foi capaz de angariar uma base de massas entre os camponeses e a juventude estudantil.

A partir do final de novembro de 1968, Maulana Bhashani apelou aos camponeses pobres para que realizassem um gherao (cerco) às residências dos diretores de desenvolvimento corruptos e aos oficiais Tahsil (responsáveis pelas vendas e posses de terras). Esse gherao começou em dezembro, em vários distritos.

No dia 6 de dezembro, Bhashan convocou uma greve geral. O governo respondeu com repressão e com a proibição de qualquer tipo de encontros e marchas. O movimento, desta vez apoiado por Mujib, pela ala estudantil da Liga Awami e pelo Sarbadaliya Chhatra Sangram Parishad (Comitê de Ação Estudantil de Todos os Partidos), convocou outra greve geral para o dia 13 de dezembro.

Essa agitação coincidiu com as audiências do Caso da Conspiração de Agartala, no qual Mujib e outros 34 indivíduos estavam sendo julgados sob a acusação de conspirarem com a Índia para realizar uma revolução violenta no Paquistão Oriental. Conforme a data final do julgamento se aproximava, a agitação demandando a liberdade de todos os réus se intensificava.

O comitê de ação estudantil foi formado no dia 4 de janeiro de 1969, após a fusão entre grupos estudantis de esquerda e nacionalistas. Ele se tornou na cabeça do movimento.

Por meio de sua própria experiência, o movimento chegava em conclusões cada vez mais radicais / Imagem: domínio público

Os seis pontos de Mujib foram superados pelo “programa dos 11 pontos” mais radical, levantado pelos estudantes. Esse programa demandava autonomia completa para o Paquistão Oriental, a soltura dos prisioneiros políticos, a restauração da democracia parlamentar, a redução dos impostos sobre os camponeses, e a “nacionalização dos bancos, das empresas de seguro e de todas as grandes indústrias, incluindo as de juta”. O movimento estava chegando em conclusões cada vez mais radicais por meio de sua própria experiência, ligando as demandas democráticas com as demandas sociais, e adquirindo um caráter anticapitalista.

Protestos massivos se intensificaram no dia 20 de janeiro, após o líder estudantil, Amanullah Mahammad Asaduzzaman, ser martirizado pela polícia em uma demonstração pacífica. A sua morte é celebrada até os dias atuais como um sacrifício heroico à causa. Os estudantes convocaram um protesto hartal (paralisação e greve geral) para o dia seguinte, que contou com uma ampla participação.

Para cada manifestante assassinado, outros milhares se juntavam ao movimento, que se radicalizava cada vez mais a cada dia que passava:

“A luta da classe média por uma ordem democrática sob uma liderança burguesa foi transformada em um levante revolucionário das massas. Os trabalhadores – os puxadores de riquixá, os motoristas de ônibus, e todos os outros diaristas – da cidade se juntaram aos estudantes e desafiaram os executores da lei. O levante popular desfez a farsa da estabilidade do regime, e a administração colapsou”. (O Movimento Trabalhista em Bangladesh, Kamruddin Ahmad, 1978)

No dia 17 de fevereiro de 1969 ocorreu outro ponto de virada. Um professor, Mohammad Shamsuzzoha, da Universidade Rajshahi do Paquistão Oriental, foi baionetado até a morte por um soldado em um protesto. Uma vez que as notícias chegaram na capital em Daca, a atmosfera se tornou explosiva.

As autoridades decretaram um toque de recolher, que foi ignorado. Os estudantes e os trabalhadores entraram em confronto com as autoridades nas ruas, resultando em cerca de cem mortes. As balas não eram mais eficazes para parar a multidão.

A perda do medo entre as massas é um sinal da sentença de morte de qualquer regime. Os dias de Ayub Khan estavam contados.

No dia 21 de fevereiro, ele anunciou que não se candidataria para as eleições de 1970, que seriam as primeiras eleições baseadas no sufrágio universal na história do país.

O comitê de ação estudantil reuniu-se com representantes do estado para exigir o fim do toque de recolher e a libertação dos prisioneiros políticos. Mujib foi solto no dia seguinte, em 22 de fevereiro, diante de uma multidão eufórica.

Foi uma grande vitória! Ao invés de apaziguar as massas, contudo, a libertação de Mujib teve o efeito oposto: elas se encorajaram, e a moral do movimento foi massivamente fortalecida!

Esse foi um ponto de virada na revolução. A massa dos trabalhadores começou a se engajar majoritariamente no movimento, acompanhados de perto pelos camponeses no interior.

O The Times, em março, descreveu a cena: “grevistas de cada profissão, comércio e ocupação, de doutores aos ferroviários e engenheiros estatais, ocupando as ruas em quase todas as horas do dia, demandando melhores condições de trabalho e aumento salarial… nenhum uniforme policial foi visto nas ruas de Daca nos últimos quinze dias”.

A revolução estava avançando de forma imparável. A cada dia mais trabalhadores se juntavam às greves. Bhashani estava usando cada vez mais uma retórica radical, encorajando as massas a saírem às ruas. Ele encorajou os trabalhadores a usarem os gheraos (táticas de cerco), o que significava que eles mantinham os seus patrões como reféns até que eles concedessem às suas demandas. As táticas antes utilizadas pelo movimento campesino agora se espalhavam para a classe trabalhadora.

Uma greve geral em escala nacional bem-sucedida foi convocada para o dia 17 de março, que eventualmente cortou a eletricidade do palácio presidencial. A greve continuou até 25 de março, quando Ayub Khan renunciou.

Tanto no Paquistão Ocidental como no Paquistão Oriental os camponeses passaram a ocupar as terras e a formar tribunais para julgar os odiados latifundiários. O slogan deles era “aquele que cultiva a terra, deve colher a safra”, e “os latifundiários devem abdicar”.

Houve 24 incidentes de gherao no Paquistão Oriental, onde os trabalhadores tomaram o controle das grandes fábricas e dos prédios governamentais. Comitês de autogestão dos trabalhadores foram formados na maioria dos locais de trabalho.

Em um estado de pânico, Ayub Khan declarou que “as instituições administrativas estão sendo paralisadas. As multidões estão recorrendo aos gheraos (cercos) como querem e estão tendo as suas demandas aceitas através da coação. (…) A situação agora não está mais sob o controle do governo. Todas as instituições governamentais se tornaram vítimas da coerção, do medo e da intimidação. (…) Todos os problemas do país estão sendo resolvidos nas ruas”.

Ele estava certo! Um poder separado existia na sociedade, e tinha mais autoridade do que o Estado. Esse era o poder da classe trabalhadora organizada através dos seus comitês por locais de trabalho.

Uma situação parecida estava se desenvolvendo rapidamente por todo o Paquistão. Ayub Khan foi forçado a abdicar em 25 de março, demonstrando a força da Revolução.

No Paquistão Ocidental, o líder populista de esquerda, Zulfikar Ali Bhutto, do Partido do Povo Paquistanês (PPP), estava na liderança do movimento.

Caso Bhashani e Bhutto tivessem liderado uma insurreição para tomar o poder, poderia ter ocorrido uma transição pacífica de poder e um governo operário formado com base nos comitês por locais de trabalho, espalhados por todo o Paquistão.

Nesse cenário, seria dado ao povo bengali a escolha livre e democrática de decidirem entre se juntar à uma união voluntária com o Paquistão Ocidental liderado pelos trabalhadores, ou uma separação completa. Uma união voluntária com base em um Estado Operário teria, como consequência, permitido a difusão do movimento para a Bengala Ocidental e para o resto da Índia, e, em última instância, para a formação de uma Federação Socialista do Subcontinente Indiano, no qual o direito de autodeterminação para as minorias oprimidas seria completamente reconhecido.

Entretanto, Bhutto se opôs agressivamente ao nacionalismo bengali, e estava determinado a manter a unidade forçada do Paquistão a qualquer custo.

Ademais, Bashani nunca pretendeu tomar o poder de fato. Ele acreditava que a independência teria que ser conquistada antes, e só depois o socialismo poderia ser construído.

Ao invés de ver os comitês por locais de trabalho como as sementes de uma nova sociedade e como uma arma no qual seria possível alcançar a independência, ele via os comitês meramente como uma forma de conquistar concessões democráticas básicas da classe dominante do Paquistão Ocidental.

Discursos demagógicos ameaçando uma “guerra civil” não eram, portanto, nada além de um blefe, enquanto ele tentava desesperadamente manter o controle sob a liderança do movimento.

Essa posição era resultado do seu alinhamento com a China de Mao.

Em 1965, os interesses mesquinhos da burocracia chinesa entraram em conflito com aqueles da União Soviética, levando à ruptura sino-soviética. Isso levou à divisões na maioria dos Partidos Comunistas do mundo.

Ao invés de chamar por uma revolução internacional e colocar os seus esforços em uma luta mundial contra o capitalismo, eles passaram a disputar entre si pela influência em escala mundial, e até mesmo colaboraram com os regimes capitalistas para minar um ao outro.

Ou seja, para contrabalancear a influência soviética no subcontinente, a burocracia chinesa entrou em um bloco sem princípios com o imperialismo dos EUA, e como consequência também com a classe dominante do Paquistão Ocidental.

Um aspecto chave dessa estratégia era usar os seus partidos comunistas alinhados como instrumentos de suas respectivas políticas externas. O NAP de Bhashani, e mais amplamente o povo de Bangladesh, eram simples peões nos seus jogos cínicos.

Isso essencialmente colocou Bhashani em uma posição impossível de se manter. Ele deveria liderar a luta pela independência, mas ao mesmo tempo deveria garantir o apoio ao seu opressor, já que Ayub Khan era amigo de Mao e da China.

A assessora de Bhashani da época relatou a sua visita a Mao. Ao invés de retornar impulsionado e politicamente armado para tomar o poder, ela lembra que no lugar disso ele voltou com uma aparência séria e deprimida, e nunca mais voltou a ser o mesmo.

Todos os partidos de esquerda, sob a influência do stalinismo, se alinhavam completamente com a falsa teoria das “duas etapas”. Essa era a ideia de que as tarefas da revolução eram burguesas por natureza, e que, portanto, a revolução socialista estava fora da agenda, e só seria possível após um longo período de democracia burguesa. Em uma caçada obsessiva por uma “burguesia progressista” não existente, os então chamados comunistas entraram em todo tipo de alianças bizarras e sem princípios.

Por exemplo, vários grupos maoistas do Paquistão Oriental ou ignoravam a questão nacional bengali ou se opunham ativamente à ela. Alguns partidos de esquerda até mesmo caracterizavam o regime de Ayub como progressista, por conta da industrialização que ele liderava naquele tempo. Portanto, eles taxaram o movimento revolucionário contra ele como uma conspiração dos Estados Unidos fomentada pela CIA!

Essa falha política completa por parte dos partidos “comunistas” stalinistas e maoistas foi precisamente o que permitiu que a liderança dos movimentos revolucionários fosse capturada por Bhutto e por Mujib no Paquistão Ocidental e Oriental, respectivamente.

O país inteiro estava virado de cabeça pra baixo, e a classe dominante demandava pela ordem através da suspensão da constituição e da implementação da lei marcial. Porém Ayub não poderia impor isso – ele estava totalmente descredibilizado. Logo o poder foi transferido para o comandante militar supremo, Yahya Khan.

Se Ayub punia, Yahya trazia os incentivos. Ele anunciou novas eleições gerais baseadas no sufrágio universal e algumas reformas sindicais menores. A esperança dele era canalizar o movimento por dentro de vias seguras.

O poder foi transferido para o comandante militar supremo, Yahya Khan / Imagem: domínio público

Isso teve o efeito desejado, já que muitos bengalis nunca haviam experimentado uma representação política desse tipo.

Sem um entendimento claro sobre como guiar uma revolução, Bhashani começou a perder a sua autoridade. Naquele tempo, um debate estava ocorrendo sobre “a cédula ou a bala” – ou seja, eleição ou revolução? Mas a concepção de revolução de Bhashani estava completamente limitada à visão maoista da guerra de guerrilhas camponesa.

De fato, um de seus associados mais próximos, um líder sindical e de seu partido, Kaniz Fatima, disse a um camarada nosso muitos anos atrás sobre uma visita que Bhashani fez a Carachi. Essa cidade era e ainda é a cidade mais proletária e industrializada do país. Enquanto estava lá, ele perguntou para os membros de seu partido se havia alguma montanha perto de Carachi. Eles disseram que não. Ele então descartou a ideia de que seria possível realizar uma revolução lá!

A sua incapacidade de oferecer uma estratégia clara para a independência levou ele e ao NAP a anunciar o boicote às eleições. Ele clamou que as eleições fortaleceriam o Paquistão, e que as questões da fome e da independência deveriam ser resolvidas antes. Contudo, nesse momento o movimento das massas estava em refluxo, e as ilusões em relação às eleições estavam crescendo. Sem oferecer uma alternativa revolucionária viável, o boicote às eleições era uma tática estéril. Com isso, o caminho foi aberto para a Liga Awami de Mujib.

Isso levou a uma abdicação da luta, e acabou criando um enorme vácuo político, o qual Mujib estava muito disposto a preencher.

A questão fundamental daquele momento era qual caminho a revolução iria escolher. Bhashani não aceitaria que a revolução estava assumindo uma característica socialista, mesmo que ela estivesse diante de seus próprios olhos! Todas as suas táticas e manobras decorriam da falsa ideia das duas etapas.

A opressão nacional dos bengalis produziu um movimento revolucionário em torno de linhas de classe. Ela só poderia ser resolvida se a classe trabalhadora tomasse o poder comandando toda a nação. Porém, graças à recusa da liderança do operariado em fazer isso, a classe trabalhadora bengali foi lançada aos braços dos nacionalistas de classe média.

A Liga Awami, liderada por Mujib, era o partido da classe média bengali emergente. A maioria da liderança da Liga Awami era composta por pequenos e médios proprietários de terras e empresários, e o partido se baseava firmemente nessa camada da sociedade.

Eles estavam dispostos a se apoiar no levante das massas para pressionar a elite dominante do Paquistão Ocidental com o objetivo de ganhar concessões. Mas, mesmo que o seu linguajar se radicalizasse cada vez mais, refletindo o humor do movimento, eles não estavam dispostos e nem capazes de seguir até as últimas consequências. A estratégia inteira desse setor era baseada em tentar encontrar uma solução negociada.

Sem alternativa política, a Liga Awami de Mujib ganhou 160 dos 162 assentos no parlamento do Paquistão Oriental / Imagem: domínio público

Na verdade, o movimento das massas pela libertação nacional estava completamente interligado com a questão da propriedade. Os camponeses estavam ocupando as terras e os trabalhadores estavam ocupando as fábricas. Isso aterrorizou os líderes de classe média da Liga Awami, que temiam (corretamente) que um Bangladesh independente fosse tomado pela luta de classes e que todo o processo pudesse acabar com a abolição do capitalismo.

A elite dominante do Paquistão se agarrou às esperanças de que os votos no Oriente fossem divididos entre vários partidos nacionalistas, islâmicos e camponeses. Isso permitiria a eles que aplicassem a tática de “dividir e conquistar”, e que esperassem até que as massas se desmoralizassem.

No entanto, eles erraram nos cálculos. Eles subestimaram o ódio fervente dos bengalis em relação à elite dominante do Paquistão Ocidental, que por décadas os sujeitou à extrema pobreza e à opressão nacional.

Sem nenhuma alternativa política, no dia 7 de dezembro de 1970, a Liga Awami de Mujib conquistou 160 dos 162 assentos do parlamento no Paquistão Oriental. Isso deu aos nacionalistas bengalis não apenas a maioria absoluta no Oriente, mas também a maioria em relação a todo o Paquistão, com cerca de 39,2% dos votos!

A classe dominante ficou horrorizada com esse resultado, que era de fato um mandato para a independência e para a divisão do Paquistão.

Mujib exigiu a convocação imediata da Assembleia Nacional, na qual a Liga Awami tinha a maioria absoluta.

A burguesia paquistanesa ocidental e os latifundiários nunca poderiam concordar com um Bangladesh independente. Isso significaria perder o direito de explorar esse território como uma colônia e um fim dos lucros exorbitantes que eles estavam fazendo lá. Isso também daria um ímpeto na luta das várias outras nacionalistas oprimidas que compõem o Paquistão. Além disso, o Estado bengali, parceiro da Índia e com o seu próprio poder militar, enfraqueceria fortemente a posição do Paquistão na região.

A super-exploração dos bengalis estava, portanto, totalmente conectada com a opressão nacional feita pelos paquistaneses ocidentais ricos, ou seja, a única maneira de resolver esse problema era através da queda daqueles que estavam os explorando: os capitalistas.

Mujib, contudo, não estava disposto a romper com o capitalismo e ir além dos limites estreitos da democracia burguesa. Ele estava ciente que a classe dominante e beligerante do Paquistão Ocidental não ofereceria quaisquer concessões, mesmo com ele declarando que “será que eles não percebem que eu sou o único que pode parar os comunistas?”. (Bangladesh, a Revolução Inacabada, Lawrence Lifschultz. Zed press. Londres. 1979)

Em outras palavras, Mujib não tinha a perspectiva de combater o mandato da classe dominante paquistanesa ocidental. Ao invés disso ele tinha as esperanças de conseguir um acordo apodrecido, longe da independência completa, onde a burguesia bengali local ganharia alguma autonomia e uma parcela do saque conquistado pela exploração dos trabalhadores e camponeses locais. A burguesia sempre terá mais medo da classe trabalhadora do que de um “rival” burguês. Eles aceitariam alegremente a sua subordinação em relação à outra burguesia se isso significar que eles vão manter parte dos seus privilégios, ao invés de perder todos eles em uma revolução socialista.

No dia primeiro de março de 1971, Yahya Khan adiou a convocação da Assembleia Nacional, o que desencadeou uma reação furiosa por parte das massas bengalis.

Uma testemunha ocular descreveu a cena em uma partida de críquete quando as notícias chegaram:

“[M]uitos espectadores pegaram os seus conjuntos de transitores, e assim que eles ouviram sobre o adiamento da sessão parlamentar, o inferno se abriu. 40 a 50 mil pessoas deixaram o estádio e saíram às ruas gritando slogans como ‘joi bangla’ – o slogan nacionalista da Bengala Ocidental que significa Vitória para a Bengala’.

Todas as três rodovias da frente do hotel [estavam] cheias de pessoas armadas com barras de ferro e varas de bambu… fizeram uma fogueira com as bandeiras do Paquistão e com os retratos de Jinnah [o fundador do Paquistão].”

O chicote da contrarrevolução deu um novo sopro de vida para a Revolução. Uma greve geral foi convocada pela Liga Awami sob pressão das organizações estudantis radicais de esquerda.

“Rodovias, lojas, fábricas e escritórios estavam fechados. Todo mundo respondeu de coração aberto à convocatória pela greve pública… até mesmo os mercados de peixes e vegetais foram fechados.” (De Sangue e Fogo: a História Não Contada da Guerra de Independência de Bangladesh de 1989, Janahara Imam)

Como resposta, um toque de recolher foi anunciado e a lei marcial foi declarada, banindo a publicação de todas as notícias hostis ao governo. Mas o toque de recolher foi ignorado.

Barricadas estavam sendo erguidas enquanto as massas entravam em confronto com a polícia durante os dias e as noites. Os líderes estudantis de esquerda estavam pressionando Mujib para que ele declarasse a independência no dia 3 de março. Ele anunciou uma conferência de imprensa, com todos esperando que ele anunciasse a independência. Porém eles saíram desapontados. No lugar da independência, ele clamou por uma “não cooperação não violenta”.

Uma testemunha ocular que estava na conferência declarou que “ele não disse nada. Mas ele parecia bastante sombrio.” (De Sangue e Fogo: a História Não Contada da Guerra de Independência de Bangladesh de 1989, Janahara Imam)

Os líderes estudantis convocaram no lugar a sua própria demonstração de massas na Paltan Maidan, lendo o seu “programa de independência”. Um dos principais líderes estudantis, A. S. M. Abdur Rab, abriu a nova bandeira de Bangladesh diante de uma multidão jubilante.

Mujib estava perdendo o controle da situação rapidamente, e estava sendo forçado a ir muito mais longe do que ele pretendia originalmente.

A luta nas ruas continuava inabalável. Era para Mujib fazer um anúncio muito esperado no dia 7 de março, que levou 300 mil pessoas a se deslocarem por grandes distâncias para ouvi-lo. Contudo, “Sheikh (Mujib) desapontou a todos novamente.” (De Sangue e Fogo: a História Não Contada da Guerra de Independência de Bangladesh de 1989, Janahara Imam)

Debates acalorados ocorriam dia e noite em cada local de trabalho, universidade, encontros massivos, e mesmo dentro das casas, sobre o futuro do movimento de independência.

Poesias, canções, desenhos e adesivos nacionalistas revolucionários estavam sendo produzidos e distribuídos amplamente. Uma nova arte revolucionária e revigorada estava sendo exibida a cada momento na televisão de Daca após os seus funcionários terem ocupado o local, inspirando milhares a se juntarem à revolução pela independência.

Dentro de duas semanas, as massas haviam avançado para muito além do nacionalismo estreito da Liga Awami, e elas queriam terminar o trabalho através de meios revolucionários.

O movimento parecia imparável. Todos os partidos políticos, organizações estudantis, sindicatos, associações profissionais e coletivos de artistas convocaram uma grande demonstração para o dia 23 de março, proclamada como “dia da resistência”.

Esse era o momento. A hora de um passo decisivo ser tomado e a tomada do poder concretizada havia chegado. As massas esperavam que esse dia se desenrolasse dessa forma.

Nesse momento já estava claro que, se o movimento não se livrasse dos capitalistas e dos latifundiários do Paquistão Ocidental, o programa dos 11 pontos não poderia se concretizar.

As altas camadas paquistanesas ocidentais nunca estariam dispostas a desistir de suas posses sobre os bancos, as indústrias e as terras, e elas também nunca permitiriam que uma democracia liberal florescesse.

Se um verdadeiro partido comunista existisse, com raízes em cada local de trabalho, em cada comunidade e em cada vila, ele poderia transformar a greve geral na expropriação dos latifundiários e capitalistas ocidentais, nacionalizar os bancos e os principais setores da economia sob controle operário, e conquistar uma verdadeira independência com pouquíssimo sangue derramado.

Sem um direcionamento claro, no entanto, o dia que tinha tanto potencial acabou como uma forma de celebração massiva. Novamente, a oportunidade de tomar o poder havia passado. Isso traria consequências desastrosas.

No dia 25 de março de 1971, a população do Paquistão Oriental acordou aos “sons ensurdecedores de artilharia pesada, os sons intermitentes das metralhadoras, o som do impacto das balas”. “Haviam gritos de angústia e choros ensurdecedores das vítimas”. (De Sangue e Fogo: a História Não Contada da Guerra de Independência de Bangladesh de 1989, Janahara Imam)

O Exército paquistanês invadiu o território para afogar a Revolução em sangue, no que ficou conhecido como a “Noite Negra”. Um toque de recolher indefinido foi anunciado, os partidos políticos foram proibidos, e Mujib foi preso junto com outros líderes pelas autoridades paquistanesas.

Essa foi uma intervenção brutal contra uma população civil desarmada.

Mujib permitiu que as autoridades paquistanesas ocidentais o capturassem / Imagem: domínio público

O partido fundamentalista islâmico, Jamaat-e-Islami, forneceu tropas ao Exército Paquistanês ocidental para formar uma força paramilitar contrarrevolucionária. Esses grupos, junto com o Exército Paquistanês ocidental, cometeram uma campanha sistemática de assassinatos brutais e violência sexual.

Um genocídio foi realizado contra o povo bengali. O número de mortes é desconhecido, mas as estimativas oficiais flutuam entre 300 mil a 3 milhões. Milhares de mulheres bengalis foram estupradas, e 8,9 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar o país como refugiados.

Esse foi o preço que o povo bengali pagou pela vacilação de sua liderança covarde.

A política fraca e indecisa de Mujib permitiu a agressão da elite dominante do Paquistão Ocidental.

A menos que a classe operária e o campesinato tivessem tomado o poder em suas mãos, a violência oriunda de uma classe dominante decrépita e perversa encurralada era inevitável.

A política de Mujib de clamar às massas para que mantivessem as suas demandas por dentro dos limites da democracia os desorientou completamente.

Nenhuma preparação foi feita para esse evento inevitável: as massas estavam desarmadas, e, consequentemente, milhões morreram nas circunstâncias mais brutais. Nenhuma classe ou casta dominante jamais deixou o seu poder e seus privilégios sem um combate.

Mujib se permitiu ser capturado pelas autoridades paquistanesas ocidentais. Mesmo até a sua captura, ele continuava a implorar a Yahya por um acordo. Ele estava até mesmo disposto a aceitar um programa de independência diluído, o que, na prática, continuaria resultando na subjugação da nação pelo Paquistão.

A liderança pequeno-burguesa, ao vislumbrar o movimento das massas, sempre as trairá quando elas começarem a ultrapassar os seus interesses estreitos, quando a própria propriedade privada começar a ser ameaçada. Nas palavras de Henry Joy McCracken, um líder da Rebelião Irlandesa de 1798, “Os ricos sempre traem os pobres”.

A invasão cortou a ascensão revolucionária pela raiz. Muitos abaixaram suas cabeças e tentaram manter as suas famílias seguras, ou simplesmente deixaram o país.

Pra jogar sal nas feridas, o primeiro primeiro-ministro da China, Zhou Enlai, escreveu para Yahya Khan em 13 de abril de 1971, dizendo: “O governo e o povo chinês irão, como sempre, apoiar firmemente o governo e o povo paquistanês em sua luta para salvaguardar a soberania estatal e a independência nacional”. Eles também ajudaram com o fornecimento de armas e de auxílio financeiro para o Paquistão Ocidental.

Isso foi uma traição brutal para muitos que olhavam para a China de Mao como uma fonte de inspiração. Isso deixou amplas camadas da juventude desorientadas e sem liderança.

Mas, nos bastidores, uma seção significativa de oficiais subalternos e de tropas de soldados rasos se radicalizaram com a violência brutal que estava sendo infligida pelo exército paquistanês ocidental contra o seu próprio povo.

Um deles foi o oficial Abu Taher, que desertou do Exército Paquistanês ocidental e se juntou à resistência, se tornando o comandante do 11° setor. Ele teria mais tarde um papel significativo nos eventos revolucionários pós-independência.

Eles fugiram para o interior para formar o Mukti Bahini (Exército de Libertação), junto com os elementos mais endurecidos e abnegados da juventude, e assim eles começaram uma guerra de guerrilhas.

Muitas mulheres se juntaram ao Mukti Bahini em unidades femininas e combateram corajosamente ombro à ombro com os homens / Imagem: fair use

Muitas mulheres se juntaram ao Mukti Bahini em unidades femininas e combateram corajosamente ombro a ombro com os homens.

As mulheres também arriscaram as suas vidas como espiãs, transportando suprimentos, cuidando dos feridos e até mesmo convertendo as suas casas em hospitais improvisados.

As mulheres desempenharam um papel essencial na Revolução e na Guerra de Independência!

No dia 10 de abril de 1971, um governo bengalês foi instaurado no exílio (Governo Mujibnagar) em Calcutá, na Bengala Ocidental.

Ele atraiu uma camada de funcionários estatais, intelectuais e comandantes militares. Eles coordenaram o comando “oficial” do Mukti Bahini com o auxílio do estado indiano.

O comando “oficial” era formado pela elite militar bengali, apoiada pelo governo exilado da Liga Awami que queria fazer uma guerra convencional com uma estrutura de comando regular.

Eles não tinham forças numéricas para dar um golpe decisivo contra o exército paquistanês Ocidental, portanto eles estavam fortemente dependentes do apoio do exército indiano.

O Estado indiano, enquanto falava da boca pra fora sobre a independência bengali, tinha interesses materiais reais na intervenção.

Eles tinham medo que o movimento pudesse se espalhar facilmente pela Bengala Ocidental, e então para toda a Índia. Eles queriam controlar esse movimento, já que ele tinha o potencial de ultrapassar os limites do sistema capitalista do sul asiático.

Porém, eles nunca desejaram ocupar Bangladesh e anexá-lo à Índia. Isso provavelmente levaria o movimento a se espalhar ainda mais.

A melhor de suas esperanças era um Estado bengalês, amigável com os capitalistas indianos, que teria um papel chave na sua estratégia regional para enfraquecer os seus arqui-inimigos.

De fato, após os eventos de 1971, a Índia tinha a opção de impor uma derrota esmagadora contra o Paquistão. Contudo a classe dominante indiana precisava do espantalho de um arqui-inimigo definido por diferenças religiosas na sua fronteira para distrair as massas de suas lutas internas. Esse era totalmente o plano original do imperialismo britânico, que dividiu a Índia em linhas religiosas em 1947.

As tendências opostas começaram a se cristalizar dentro do Mukti Bahini em relação aos métodos e as táticas de resistência.

O Estado indiano, enquanto falava da boca pra fora sobre a independência bengali, tinha interesses materiais reais na intervenção / Imagem: Heinz Baumann, Wikimedia Commons [didivder]

A força principal do comando “oficial” que trabalhava com o Exército Indiano era liderado por um oficial aposentado do Exército Paquistanês, o General M. A. G. Osmany. O comando operacional no território indiano em Tripura era liderado por Khaled Musharraf, com a brigada nortista sob o comando de Ziaur Rahman, que jogaria um papel contrarrevolucionário após a independência.

Por outro lado, havia oficiais radicais, como Abu Taher, que rejeitavam o apoio da Índia e queriam transformar a guerra em uma guerra revolucionária de independência baseada nas vilas comunais.

Essa era a posição da extrema esquerda do movimento nacionalista, que mais tarde formaria o partido Jatiya Samajtantrik Dal (Partido Socialista Nacional, ou JSD), que conscientemente enviou quadros do partido para o interior e para as cidades para conquistar os camponeses e a juventude para o Mukti Bahini.

Taher estava conquistando uma autoridade enorme dentro das fileiras do Mukti Bahini com a sua ingenuidade militar e sua mensagem política. Em meados de setembro ele liderou uma campanha vitoriosa em Chilmari, que rompeu o controle militar paquistanês sobre a Bengala do Norte.

Ele então mirou os seus olhos para outro ponto de conquista estratégico: o cerco de Kamalpur no dia 24 de outubro, que foi finalmente conquistada no dia 14 de novembro – com Taher perdendo uma perna no processo.

O próximo passo na estratégia de Taher era lançar um ataque final contra Daca com um exército revolucionário de camponeses e jovens.

Os alarmes começaram a disparar no alto comando militar bengali, no governo exilado da Liga Awami, e na classe dominante indiana.

A classe dominante indiana entendia que, se Taher entrasse na cidade com cem mil combatentes revolucionários, eles apareceriam como libertadores, de uma maneira similar à dos rebeldes cubanos e do Exército Vermelho Chinês. Isso seria um desastre para o capitalismo indiano, que estava agonizando com a sua própria crise econômica. Lá também a classe dominante estava lutando para tapar a luta de classes, especialmente na Bengala Ocidental.

Um avanço do exército revolucionário desencadearia em uma revolução em todo o subcontinente. Isso a classe dominante indiana não podia tolerar, e por esse motivo, no dia 3 de dezembro de 1971, a Índia enviou 150 mil tropas, que alcançaram Daca antes do Mukhti Bahini.

A Índia interveio e salvou as classes dominantes da situação. Em apenas um golpe, eles foram capazes de encenar o fim da guerra: dissolvendo as vilas comunais e desarmando as guerrilhas esquerdistas. Em segundo lugar, eles salvaram o Exército Paquistanês da ira da população local, que os teria punido pelos crimes horríveis que eles cometeram durante a guerra. A vingança das massas enviaria assim uma dura mensagem para as classes dominantes de todos os países da região.

Ao invés disso, os generais indianos e paquistaneses estavam jantando e celebrando juntos, lembrando com risadas sobre os “bons e velhos dias”, quando eles serviam juntos como colegas no exército britânico. Cerca de 90 mil funcionários do exército paquistanês e suas famílias foram levados à Índia como prisioneiros de guerra.

No dia 16 de dezembro, o exército paquistanês se rendeu, e o povo lotou as ruas gritando slogans bengalis e levantando a bandeira da independência.

O Exército Indiano foi saudado em Daca com regozijo. As atrocidades cometidas pelo exército paquistanês e as condições intoleráveis de guerra significavam que as massas aceitariam quaisquer métodos para acabar com a guerra, mesmo que isso significasse a invasão de um exército estrangeiro!

No seu livro, que detalha em primeira mão a história da guerra de libertação, Jahanara Imam resume o clima do pós-guerra:

“Os telefones e as linhas elétricas ainda não haviam sido restauradas. Quem fará isso? Toda a cidade está rindo e chorando ao mesmo tempo. O povo está feliz por finalmente ter se libertado, mas o preço que teve que ser pago em sangue foi imenso.”

Milhares deram as suas vidas na luta pela independência. Mas como seria a independência, e sob que bases ela se concretizaria?

Mujib foi instaurado como primeiro ministro de um Bangladesh recém-independente pelas autoridades indianas, que esperavam que ele administraria a economia em seus interesses.

Ele ainda tinha autoridade diante dos olhos da maioria da população bengali, e a classe dominante indiana poderia se apoiar nele como uma figura confiável para realizar os seus interesses.

Para Mujib, ele conseguiria o que ele desejava. Ele prometeu restaurar a “lei e a ordem” e prometeu implementar uma “democracia ao estilo ocidental”.

Mujib foi instaurado como primeiro-ministro de um Bangladesh recém-independente / Imagem: Bangladesh Air Force, Wikimedia Commons

Contudo, o Bangladesh independente havia sido lançado em um estado de barbárie. A economia estava completamente paralisada.

A infraestrutura do país estava arruinada. Mais de 300 trilhos e 270 pontes haviam sido danificados, cerca de 10 milhões de pessoas haviam sido evacuadas, deixando fábricas e fazendas inativas, e a terra foi devastada por enchentes e pela fome.

A natureza peculiar da guerra significava que, mesmo que o seu fim tenha sido amplamente protagonizado pelo exército indiano, o pequeno punhado de latifundiários e capitalistas poderosos do Paquistão Ocidental haviam sido expulsos à força, deixando grandes faixas de terra e fábricas vazias.

A burguesia bengali era muito fraca como classe para preencher o vazio deixado para eles, e dessa forma o regime da Liga Awami, liderado por Mujib, foi forçado a nacionalizar 93% da indústria, 80% do comércio exterior, e todos os bancos comerciais locais.

Foi apenas sob as bases da expulsão dos latifundiários e capitalistas paquistaneses ocidentais que a independência formal foi conquistada. Caso um partido comunista revolucionário existisse, isso poderia ter sido feito por meios revolucionários e progressistas, com o mínimo de derramamento de sangue.

Entretanto, mesmo os democratas pequeno burgueses mais “radicais”, como Mujib, provaram, por eles mesmos, que eles eram incapazes e indispostos a fazer algo, até que eles não tivessem mais escolhas. Eles pisavam continuamente no freio do movimento.

A independência foi conquistada apesar de Mujib e da Liga Awami.

Foi apenas através da participação ativa das massas em cada etapa que o movimento pôde avançar. Elas foram muito além de seus líderes, e pressionaram pela independência por meio da força absoluta da vontade revolucionária.

Porém, graças à covardia e a tergiversação de Mujib e da Liga Awami, a expulsão da elite paquistanesa ocidental foi realizada por meio de um conflito sangrento e prolongado, que custou milhões de vidas.

Mujib voltou para um país diferente daquele que ele havia saído. O país havia sido dizimado pela guerra e pela fome.

Enquanto a maioria da indústria havia sido nacionalizada, o objetivo principal de Mujib e da elite dominante era de restaurar a ordem e estimular o desenvolvimento de uma classe capitalista bengalesa.

Ele ordenou que o Mukti Bahini entregasse suas armas, e em seguida eles restabeleceram muitos antigos burocratas do regime anterior, sendo que cerca de 80% deles haviam colaborado escandalosamente com o regime paquistanês!

Em fevereiro de 1972, Taher foi removido de seu posto militar durante um expurgo dos oficiais radicais.

Mujib não poderia se apoiar nos militares, já que eles eram ou colaboradores do Paquistão ou radicais de esquerda. Logo, ele instaurou a Jatiya Rakkhi Bahini (JRB), a Força de Defesa Nacional, uma força paramilitar leal pessoalmente à ele.

A JRB cometeu muitas atrocidades terríveis. Embora ela havia sido instaurada oficialmente para combater o contrabando e o mercado negro, o grosso de seu trabalho era esmagar as organizações de esquerda através dos métodos de violência, estupro e tortura.

Em abril de 1972, a ala de extrema esquerda do movimento nacionalista e o Mukti Bahini finalmente romperam com a Liga Awami e formaram um novo partido, o Jatiya Samajtantrik Dal (JSD), que foi forçado a operar clandestinamente.

Os seus quadros eram oriundos majoritariamente dentre os líderes estudantis radicais do período revolucionário do final dos anos 60. O secretário geral do partido era A. S. M. Abdur Rab, um líder proeminente do Comitê de Ação Estudantil.

Após as suas demissões, Abu Taher e outros oficiais radicais se juntaram ao JSD, onde eles comandaram a ala militar do partido, o Biplopi Gono Bahini (Exército Revolucionário do Povo).

Taher chegou a conclusões cada vez mais radicais, até mesmo se autoproclamando como um marxista! Ele estava enojado com a corrupção das elites militares e com a reabilitação dos criminosos de guerra, levando ele à conclusão de que uma verdadeira independência só poderia ocorrer em Bangladesh por meio da transformação socialista da sociedade, dando a sua vida mais tarde por essas ideias.

A Liga Awami era formada majoritariamente por pequenos e médios proprietários e empresários. Estes burocratas arrivistas de classe média eram indivíduos muito ambiciosos, que buscavam se tornar na classe capitalista nacional de Bangladesh. Eles utilizaram o aparato estatal para acumular uma riqueza considerável.

Havia uma quantidade enorme de desperdício, corrupção e nepotismo nas indústrias nacionalizadas. Os CEOs das grandes empresas foram simplesmente realocados para administrarem as indústrias estatais.

A maior parte dos investimentos estrangeiros recebidos eram desviados pelos líderes da Liga Awami. Por exemplo, o presidente de Daca da Liga Awami e presidente da Crescente Vermelha, Gazi Gulam Mustafa, realizou uma operação multimilionária no mercado negro. A racionação foi introduzida, o que significava que os oficiais estatais poderiam fazer muito dinheiro vendedo bens superfaturados para pessoas desesperadas e famintas.

O contrabando se tornou um negócio que movimentava vários milhões de dólares. O governo da Liga Awami oferecia “certificados de lutadores pela liberdade”, que garantia acesso favorável às rações. Esses, contudo, eram vendidos no mercado negro pelo maior preço possível. Até mesmo os colaboradores do Paquistão (razakars) arranjaram alguns desses certificados.

Foi nessa economia devastada pela guerra que ainda ocorreram as piores enchentes da história do país em 1974, levando a uma fome que matou cerca de 1,5 milhões de pessoas.

Entre 1974 e 1975, a inflação estava em 51%. Os preços do arroz cresciam rapidamente, e o custo de vida quadruplicava, enquanto os salários apenas duplicavam.

A corrupção aberta da liderança da Liga Awami enojava as massas / Imagem: domínio público

A corrupção aberta da liderança da Liga Awami enojava as massas, que estavam passando por sofrimentos inimagináveis. Mujib deixou de ser o heroi da nação para se tornar o homem mais odiado do país.

Esse regime era um regime em crise desde o primeiro dia. As disputas faccionais cresciam dentro da Liga Awami e do aparato estatal.

Rapidamente, a resistência ao regime começou a aparecer. Em dezembro de 1973 o JSD organizou uma manifestação de cem mil pessoas, e em seguida, em janeiro e fevereiro, organizou duas greves gerais. Então, em março, eles organizaram uma marcha da fome até a casa do Ministro de Estado. A polícia abriu fogo, matando 30 pessoas no que ficou conhecido como o Massacre da Rodovia Minto.

Em dezembro de 1974, durante as celebrações do Eid, um membro do parlamento foi morto. O regime usou isso como desculpa para decretar estado de emergência.

Os partidos políticos foram banidos, a liberdade de imprensa e de reunião foi abolida, e o parlamento foi dissolvido e substituído por uma coalizão chamada de BAKSAL.

Essa era a coalizão dos partidos “pró-independência” unidos no parlamento. Mas, na essência, esse partido respondia apenas e exclusivamente ao Mujib. Ele tinha a habilidade de vetar qualquer legislação através do parlamento.

Uma democracia burguesa democrática e moderna era impossível. As contradições do novo Bangladesh independente eram muito explosivas para controlar.

A vida econômica e o domínio da lei mal existiam. Os aspirantes à burguesia bengali nativa eram, nesse ponto, fracos demais para serem uma classe que conseguisse impor a sua autoridade perante o país. Eles estavam completamente aterrorizados pelas massas. Ao invés de permitir que a classe trabalhadora votasse em eleições democráticas, eles tiveram que se esconder por trás da figura de um homem forte, que seria responsável por defender os seus interesses.

A classe trabalhadora havia sido incapaz de tomar o poder entre 1970 e 1971, graças à covardia de sua liderança, levando a um impasse temporário entre as classes.

Mujib começou a se equilibrar entre as classes, concentrando mais e mais poder em suas mãos.

Ele tentou descrever o BAKSAL como uma “segunda revolução”. Mas isso não era revolução nenhuma, mas sim uma tentativa de reavivar a sua base de apoio contra o poder cada vez maior da poderosa classe de contrabandistas, comerciantes ilegais, oficiais do exército revoltosos, e burocratas estatais.

Incrivelmente, essa coalizão envolvia o Partido Comunista de Bangladesh, liderado por Moni Singh, que dissolveu o partido no BAKSAL e subordinou completamente a linha do partido ao Mujib.

Porém, a base de apoio de Mujib entre as classes médias não existia mais. Elas haviam sido completamente arruinadas pela guerra, pela fome e pela pobreza. Ele não era mais o salvador delas.

Divisões estavam ocorrendo no topo, especialmente dentre os militares. A ala pró-Paquistão e pró-     EUA ficavam cada vez mais insatisfeitas com a remoção de seus poderes e de seus privilégios.

Mujib não conseguiria se sustentar no poder desse jeito por muito tempo. Ele estava à deriva, esperando para ser arrancado do poder. No dia 15 de agosto de 1975, um grupo de oficiais do exército insatisfeitos, com tendências pró-Paquistão e pró-EUA, invadiram a residência de Mujib, matando ele e sua família.

Khondaker Mostaq Ahmed ocupou o cargo de presidente. No entanto, ele não inspirava confiança em ninguém.

Esses burocratas e oficiais militares haviam sido majoritariamente razakars durante a Guerra de Independência, e eram portanto completamente desprezados pelas massas.

Com quase nenhum apoio entre a população, ele logo foi substituído pelo Brigadeiro Khaled Musharraf, que foi colocado no poder em um contragolpe no dia 3 de novembro. Esse contragolpe foi liderado por uma pequena fração da Liga Awami e por corpos de oficiais que haviam sido leais à Mujib e alinhados com a Índia.

Novamente, esses indivíduos não tinham nenhum apoio entre a população ou entre as bases das Forças Armadas – afinal, serem os representantes da continuidade da fome e da corrupção não os oferecia muito apoio popular.

Havia grandes divisões entre a elite dominante sobre como estabilizar a situação.

Em última instância, as divisões no topo da sociedade abriram espaço para que as massas interviessem.

O medo de uma guerra civil entre as facções estava presente. Os oficiais que apoiavam Mujib foram assassinados na prisão e a situação parecia estar saindo do controle.

Ziaur Rahman, um oficial ambicioso, foi removido de seu cargo como chefe do corpo de generais do Exército e foi preso pelos golpistas.

Ziaur Rahman, um oficial ambicioso, foi removido de seu cargo como chefe do corpo de generais do Exército e foi preso pelos golpistas / Imagem: Croes, Wikimedia Commons

Graças à falta de qualquer alternativa política clara, as massas encontraram no partido JSD como seu meio de se expressarem.

Na época dos golpes, o JSD já havia construído uma base considerável entre a juventude, o campesinato e entre sessões da classe trabalhadora.

Com as grandes divisões no topo, eles viram uma oportunidade de intervir e tomar o poder. No dia 7 de novembro de 1975, eles renderam Musharraf e seus homens e resgataram o general Zia da prisão. Em seguida eles convocaram a classe trabalhadora, os camponeses e a juventude para se manifestarem nas ruas.

A insurreição foi dirigida majoritariamente pelos oficiais que haviam sido radicalizados pelo movimento revolucionário e pela Guerra de Independência. Eles criaram uma organização chamada Biplobi Shainik Sangstha (Organização dos Soldados Revolucionários). Taher disse até mesmo que: “a nossa revolução não é meramente a troca de uma liderança por outra. Essa revolução tem somente um propósito – os interesses das classes oprimidas”.

A organização de uma insurreição era uma abordagem totalmente correta. As divisões no topo haviam deixado um enorme vácuo no poder, que deveria ser preenchido.

Caso eles não fizessem isso, uma guerra civil ou uma ditadura militar seria inevitável.

Nesse ponto, todo o aparato estatal estava paralisado. O poder estava servido numa bandeja para o JSD, que se colocava como a direção oficial das massas.

Infelizmente, o JSD, embora se autoproclamasse como marxista, era uma grande mistureba em relação ao seu programa, que era eclético.

Ao invés de um programa de independência de classe baseado nas expropriações e na democracia operária, o JSD clamava por um governo das então chamadas “forças progressistas” simpáticas à      independência nacional.

Eles chegaram à conclusão de que a classe operária ainda não possuía a consciência necessária para dirigir a sociedade por eles mesmos, então o poder deveria ser entregue a uma “figura neutra”.

Zia foi colocado no poder. Dentro de uma semana ele prendeu todos os líderes do JSD, incluindo Taher, que foi executado meses depois, no dia 21 de julho de 1976.

A liderança do JSD pensava que Zia “poderia ser utilizado para a causa das políticas da classe operária”. (Relatório Político e Organizacional: 7 de Novembro e os Eventos Subsequentes, 4° edição, 23 de fevereiro de 1976, p. 14). Esse claramente não era o caso. De fato, Zia esteve aguardando durante todo o tempo que ele esteve nos bastidores, esperando para ver para qual lado o vento sopraria e pelo momento oportuno para fazer a sua jogada.

A colaboração de classes sempre terminou em fracasso. A classe operária só pode confiar em suas próprias forças.

Sem uma      classe capaz de afirmar a sua dominância na sociedade, só havia uma saída possível: uma ditadura bonapartista impiedosa, que esmagaria os trabalhadores, a juventude, e o campesinato revolucionário.

A insurreição foi afogada em sangue. Esse foi o prego final no caixão, que colocou um fim nesse período de instabilidade e de estresse. O JSD foi incapaz de se reorientar corretamente e perceber o seu erro fatal. Isso marcou o começo de sua degeneração.

Hoje em dia o JSD é apenas uma sombra do que já foi. Eles abandonaram qualquer tipo de política revolucionária de classe e acabaram simplesmente apoiando o regime despótico da Liga Awami de Sheik Hasina, em nome de parar o “grande mal” do BNP.

Zia e o partido que ele criou, o BNP, governaram o país com punhos de ferro, privatizando as empresas estatais, se alinhando com o imperialismo dos EUA, e apoiando os fundamentalistas islâmicos de direita.

A contrarrevolução retornou firmemente ao banco do motorista.

A questão nacional havia sido formalmente solucionada para os bengalis do antigo Paquistão Oriental. Entretanto, atualmente, Bangladesh é uma das nações mais pobres do mundo. Ele é um país completamente dominado por multinacionais estrangeiras, nas quais, em colaboração com o Estado corrupto, impõem condições de trabalho distópicas.

Durante os últimos 53 anos, o povo bengalês teve que escolher entre duas camarilhas corruptas de gangsters para dominá-los: o BNP ou a Liga Awami.

Como James Connolly uma vez apontou:

“Se removermos o Exército Inglês amanhã e hastearmos a bandeira verde sob o Castelo de Dublin, a não ser que instauremos a organização de uma República Socialista, os nossos esforços serão em vão. A Inglaterra continuará nos governando. Ela nos governará através de seus capitalistas, de seus latifundiários, de seus investidores, de toda a sua variedade de instituições comerciais e individualistas que ela plantou nesse país e que se hidrata com as lágrimas de nossas mães e com o sangue de nossos mártires.”

Se você substituir os nomes dos países e as cores das bandeiras envolvidas, você terá uma descrição profética do curso dos eventos em Bangladesh.

Atualmente, a Revolução Bengalesa permanece inacabada. Contudo, enquanto essas linhas estão sendo escritas, um novo capítulo está se abrindo, sob condições muito mais favoráveis.

A classe trabalhadora em Bangladesh, aqueles que partiram na diáspora ao redor do mundo, e os estudantes em particular estão redescobrindo a sua rica herança revolucionária / Imagem: Munbir Tanaha, Wikimedia Commons

A industrialização que se seguiu após a independência de Bangladesh forjou uma classe trabalhadora extremamente poderosa, que contabiliza cerca de 73 milhões e 690 mil pessoas. Isso é mais do que toda a população do Paquistão Oriental em 1970! A balança de forças mudou drasticamente a favor da classe operária.

Nessa semana, o movimento heroico dos estudantes e os batalhões pesados da classe operária derrubaram o regime assassino de Hasina.

O reino de terror de 16 anos de Hasina teve o mesmo destino que Ayub Khan – foi derrubado por uma revolução popular dos estudantes e dos trabalhadores. Os estudantes corajosamente abriram o caminho. Mas foi apenas quando a massa de trabalhadores, e especialmente os poderosos trabalhadores do vestuário, começaram a se mover, que o regime colapsou, como um castelo de cartas.

A classe trabalhadora em Bangladesh, aqueles que saíram na diáspora pelo mundo afora, e os estudantes em particular estão redescobrindo a sua rica herança revolucionária.

O nó da história está sendo reatado. Mas, para alcançar a vitória, as massas bengalesas devem aprender com os erros do passado e continuarem a partir e onde a última revolução parou. A história da Revolução Bengalesa nos mostra que, a menos que o domínio do capital seja rompido, a verdadeira democracia e a libertação nacional não passarão de uma aspiração utópica.

Agora, Hasina, a ditadora, se foi. Mas ainda há perigos. A Revolução está incompleta. Enquanto escrevemos, um novo governo está sendo formado. Os liberais tentarão reconstruir a legitimidade do Estado capitalista a partir desse governo. Por sua vez, os generais, os altos oficiais, os chefes de polícia e os juízes vão se esconder por trás dele, esperando pelo momento apropriado para impor um contragolpe contra a Revolução.

Como comunistas, nós devemos avisar: a Revolução permanecerá incompleta até que o velho Estado capitalista seja completamente esmagado! Os trabalhadores, os estudantes e as massas oprimidas devem tomar o poder em suas próprias mãos. Os comitês de trabalhadores e estudantes devem se espalhar, se interligar e tomar o poder!

Nos anos 70, a colaboração de classe dos líderes oficiais do movimento de independência levaram o movimento a um beco sem saída. Os generais militares passaram um tempo nos bastidores para em seguida darem um golpe decisivo para acabar com o movimento das massas.

Para garantir que esse episódio não se repita novamente, a ala mais revolucionária dos estudantes deve começar a formação de um partido comunista revolucionário, construído em torno de um programa marxista claro. Tal partido deve se esforçar para se fundir com a vanguarda dos trabalhadores bengaleses e colocar a tomada do poder pela classe trabalhadora e o esmagamento do domínio capitalista na ordem do dia. Nós convocamos todos os revolucionários bengaleses que estiverem lendo isso e que concordam com a nossa análise para se juntar a nós – para se juntar à Internacional Comunista Revolucionária – para iniciarmos essa tarefa histórica.

TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.