Sendo um dos primeiros regimes de socialização com o qual o ser humano tem contato, a educação em instituições traz em seu princípio as noções de práticas sociais e aprendizado, envolto de concepções essenciais para entendimento do mundo e suas relações. É inegável, entretanto, que o sistema educacional brasileiro tenha sido construído e constantemente reforçado pelo capitalismo ao longo dos anos para promover seus dogmas sobre a humanidade, formar operários em massa e seguir em viabilidade a ele, contribuindo integralmente para a sustentação estrutural do sistema burguês e manutenção do status quo das classes.
No atual cenário de crise do coronavírus, é escancarada pontualmente a desigualdade nociva baseada e produzida pelo capital, em que a classe trabalhadora vê seus problemas sendo agravados, suas famílias lutando dia após dia pelo sustento mínimo e os estudantes, nesta mesma conjuntura, veem o retrocesso e o desmonte da educação pública sendo mais ainda reforçados pelo atual governo. Agora, em um claro oportunismo, os grandes empresários e governantes impulsionam uma pressão para a volta às aulas no meio do caos de uma pandemia que não se sabe quando terá fim.
No dia 13 de março, governadores de todo o país anunciaram o fechamento das escolas e universidades como meio de seguir as regras sanitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS) e refrear o avanço do vírus. Contudo, a medida trouxe graves problemas e consequências para alguns dos diferentes níveis sociais em relação ao seguimento das aulas. As instituições privadas burguesas prosseguiram imediatamente de forma remota, chegando, em alguns casos, a demitir em escala os professores e os substituir por robôs; e as instituições públicas, principalmente nos bairros proletários, por falta de estrutura básica para os estudantes e profissionais da área, tiveram sua formação atrasada e direitos como férias confiscados. O Estado burguês, na sua ânsia de avançar com a privatização da educação, chega a apresentar o Ensino a Distância (EAD) como medida possível, negociando parcerias público-privadas para fornecer uma mesma aula a milhões de estudantes. Invalida o ambiente acadêmico, traz uma noção rasa, tecnicista e alienante do aprender, sem ainda garantia alguma de que todos os estudantes tivessem de fato acesso e direito à permanência por ele.
Três meses depois, com o país se tornando um dos epicentros da pandemia, contabilizando 74.133 mortes (14 de julho) por Covid-19 e nenhuma vacina ou remédio já devidamente disponível, sete estados anunciaram o retorno das aulas presenciais de forma gradual a partir de setembro, contemplando todas as etapas do ensino desde o infantil até o superior. Como forma implícita de continuar com o sucateamento do sistema educacional brasileiro, que há anos vem se realizando, e uma defesa estatal da massificação do ensino privado, alimentando ainda mais grandes corporações como a Kroton Educacional, os governos estaduais apresentam planos para um retorno dito “seguro” das atividades escolares e universitárias, propondo medidas insustentáveis, tais como em São Paulo, exposto pelo governador João Dória, de rodízio de alunos para capacidade inicialmente de 35% de lotação nas instituições, álcool em gel e máscaras para todos e até psicólogos disponíveis. Medidas essas que ignoram escolas e universidades já sucateadas, que há anos não recebem o devido investimento público necessário para sequer disposições mínimas de higiene, como água corrente, esgoto, filtros, papel higiênico e sabonete.
Neste momento, todas as consequências das relações sociais falidas e desumanas provenientes do capitalismo se refletem na vida de milhares de estudantes da classe trabalhadora, que terão sua formação prejudicada e, consequentemente, empurrada a relações de trabalho precarizadas. Importante observar que os professores, com o retorno escalonado das aulas, terão uma jornada híbrida, isto é, terão de atender parcialmente a distância, parcialmente presencialmente, aumentando ainda mais a carga de trabalho sobre eles, sem falar na exposição ao vírus.
Da mesma forma, há o perigo e os riscos que os servidores e estudantes vão enfrentar em diversas situações que permeiam o retorno às aulas de forma presencial, como o aumento na demanda do transporte público, levando a lotação em horários comerciais. Contrariando organizações científicas e especialistas da área, o governo Bolsonaro se beneficia dessa exposição para testar a “imunização de rebanho”. O interesse é claro: utilizar os trabalhadores e a juventude como bucha de canhão para carregar nos ombros a principal preocupação das autoridades políticas e empresários, que é a economia burguesa deles, passando por cima das condições de sobrevivência e de cuidado com a população. O custo, desta vez para manutenção do mercado explorador econômico, é a morte em escalas que serão tratadas com tons de deboche e sarcasmo por governantes que dizem ser defensores da família e da vida, ou mesmo sob a oposição de fachada de figuras como Witzel e Doria que, afirmando seguir as recomendações da OMS, pedem a reabertura das escolas e comércio.
Sem nenhum acaso, o Ministério da Educação (MEC) lança seu slogan de “A vida não pode parar” para divulgação da prova do Enem, fantasiado por um comercial que apresenta estudantes de classe alta, com celulares, computadores, tablets de última geração, espaço propício para estudos, livros e apostilas, dizendo aos milhões de estudantes de variadas classes para “estudar de qualquer lugar, de diferentes formas, porque uma geração de profissionais não pode ser perdida”. Em uma tentativa ingênua de ajudar os estudantes e diminuir desigualdades futuras, algumas direções lançam manifestos pedindo o adiamento e/ou cancelamento da prova deste ano, o que na verdade só irá resultar em acúmulo de demanda e duro enfrentamento pelas universidades.
Assim, como o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou durante uma entrevista à CNN, o Enem não é uma ferramenta para atender a injustiças sociais, mas sim selecionar os ditos melhores, com uma visão política e econômica. Com a falsa política pública de acesso às universidades, o ENEM age como funil social, aceitando de fato apenas aqueles que desfrutam de maiores condições hierárquicas, selecionando estes milhares entre os milhões que tentam chegar às universidades públicas e condenando aos outros à dura realidade das faculdades privadas. O ciclo vicioso que mantém essas estruturas é então sustentado com a idealização que o exame nacional prega, em uma redoma oportunista e estrutural capitalista. É assim que nós levantamos a bandeira pelo fim do Enem, defendendo o ingresso automático dos estudantes nas universidades públicas e a federalização de toda universidade privada que recebeu financiamento público.
A educação está sendo por muito tempo uma arma capitalista, servindo à burguesia. Está cada vez mais destruída e precarizada ao molde que os grandes empresários necessitam. Por isso, lutamos por uma educação pública, gratuita e para todos, das creches à pós-graduação, com devida garantia de acesso e permanência aos servidores e estudantes, principalmente no atual cenário, em que sabemos que não somos meras máquinas de produção e sustento capitalista, mas sim vidas que merecem respeito e dignidade.