A luta de classes no México e a necessidade urgente de uma direção coordenada

O governo havia prometido anteriormente que os aumentos da gasolina terminariam com a Reforma Energética. Mas, no final de dezembro do ano passado, o Tesouro disse que haveria um aumento de 20% na gasolina.

Por uma frente única para derrubar Peña Nieto.

O início de 2017 está se convertendo, também, no início de um novo período da luta de classes no México. O governo, com sua habitual estupidez, havia prometido anteriormente que os aumentos da gasolina terminariam com a Reforma Energética. Mas, no final de dezembro do ano passado, o Tesouro disse que haveria um aumento de 20% na gasolina. O povo sentiu isto como uma enganação e mais um ataque. O gasolinazo está sendo o acidente que a necessidade esperava para fazer brotar a luta.

Um ambiente revolucionário de luta

Desde o final do ano as redes começaram a convidar as pessoas a se manifestar. Nos primeiro e segundo dias, parecia que não ia passar de um simples protesto. O governo esperava que o tempo simplesmente diluísse qualquer ameaça de luta. Mas a surpresa foi grande: centenas de milhares por todo o país saíram para tomar rodovias, tomar caminhões-pipa e presentear a gasolina tomada às pessoas, montar barricadas em torno dos postos de gasolina, em avenidas, tomar cabines de pedágio etc.

Em estados como Durango e Michoacán, a tomada de rodovias praticamente paralisou a entrada e saída das pessoas. Na Cidade do México, a Central de Ônibus do Norte cessou o serviço por medo a que incendiassem seus camiões e pelos bloqueios rodoviários; em Zacatecas, o município foi tomado por pessoas comuns e correntes, sem nenhum tipo de organização.

Estes são somente os exemplos mais emblemáticos, mas por todos os lugares a luta está aumentando. O gasolinazo é a gota que está a ponto de derramar toda a frustração e raiva contidas pela juventude, pelos trabalhadores, mulheres, suas famílias. Levamos 30 anos de ataques ininterruptos aos padrões de vida: o aumento dos preços é imparável; os salários são miseráveis, o ambiente é de decomposição social, de guerra civil, de insegurança, de corrupção. É tudo isto que está por trás das mobilizações.

Em particular, o governo de EPN [Enrique Peña Nieto, presidente mexicano – NDT] resultou desastroso em todos os níveis: o nível da corrupção é insustentável, o cinismo e a estupidez de como trata os problemas do país, os desaparecimentos e mortes de mulheres, os estudantes desaparecidos de Ayotzinapa, seu avião presidencial, suas viagens com familiares e amigos. Tudo isto é sentido como uma enganação permanente ao povo trabalhador.

As reformas que impulsionou, todas elas, significaram uma transferência de riqueza do povo ao Estado (impostos, gasolinazo, diminuição do gasto público em educação, saúde, moradia) e do Estado à empresa privada nacional e estrangeira (privatização de empresas públicas, como PEMEX ou CFE, liberação de preços, pilhagem da terra por parte de mineradoras, de empresas petrolíferas ou empresas turísticas etc.). Este é o verdadeiro sentido de seu governo: acabar com tudo o que é nosso para dá-lo de presente a empresas transnacionais e à burguesia local. Tudo à custa de nosso sofrimento.

O governo pensava que poderia continuar fazendo isto para sempre, que o “o povo é submisso” e, se houvesse mobilizações, somente teria que tolerar umas poucas marchas e pronto. Equivocou-se. O ambiente, desde algum tempo atrás, era, e ainda é, de terrível raiva, frustração e desconsolo. Mas isto não poderia durar dessa forma por muito tempo; essas forças e sentimentos contidos tinham que buscar uma saída. Enquanto não aparecia uma alternativa de luta, isto se manifestava em linchamentos, assassinatos de delinquentes, pequenas insurreições nos povoados, lutas isoladas etc. A estupidez deste governo ao implementar o aumento da gasolina deu uma bandeira de luta em nível nacional.

Como sempre, o início é duro e caótico, e não pode ser de outra forma. A gente está com raiva e sabe o que não quer, mas ainda dá trabalho saber com exatidão o que quer e como consegui-lo. Não entende de táticas de luta, move-se sob o impulso dos instintos – do que viu, do que soube nas assembleias etc. Como poderia ser de outra forma? As pessoas que hoje se manifestam não estudaram a luta revolucionária; muitos não tiveram a possibilidade de ir à universidade e aprender a partir dos livros, estão aprendendo no calor dos acontecimentos. Por isso, há confusão, desorganização, ou seja, muita iniciativa, mas pouca contundência.

Que propõem as organizações de esquerda?

É por isso que, neste momento, uma direção que entenda de táticas e estratégias de luta é necessária. Mais que necessária, é decisiva. Se as pessoas que hoje se encontram nas ruas não veem sentido em suas manifestações, isto é, que a luta não funciona, regressarão para suas casas pensando que fizeram mal. Alguns ficarão frustrados e dirão: a luta não serve para nada.

Se esta mobilização espontânea não encontrar um ponto de aglutinação que possa dar coerência às demandas e clareza aos objetivos pelos quais se luta, o ânimo cairá e, por um tempo, se voltará à “normalidade”. Por isso é fundamental a coordenação estatal e nacional, uma Frente Única de luta contra a carestia da vida e o gasolinazo.

Mas há um pequeno problema: as grandes organizações de esquerda não podem ou não querem assumir a direção. A CNTE [Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação], que ofereceu uma resistência brutal à reforma educativa, está desgastada e tratando de negociar separadamente a instrumentalização da reforma em todos os estados.

Nos estados onde a CNTE é a direção geral foram emitidos comunicados de que estão se somando à luta, à desobediência civil, mas não convocam nada concretamente, isto é, somam-se à desorganização. Outras organizações sindicais não têm força para fazer este apelo.

Do lado de Morena [Movimento de Regeneração Nacional] – quando falamos de Morena temos que fazer uma diferenciação muito clara entre a base, ou seja, as pessoas que vivem nas colônias populares e que estão lutando, ombro a ombro, com o povo, fechando rodovias e tomando postos de gasolina, e a direção, que está interessada somente em ganhar eleições – não houve um chamado sério à luta.

AMLO [Andrés Manuel López Obrador] deixou muito claro que, para ele, o único caminho é ganhar as eleições em 2018 e a isto está subordinando tudo, inclusive estas mobilizações. Em seu comunicado, propõe mandar a base de Morena às praças públicas para que as pessoas se assegurem que em 2018 se votará de forma pacífica por uma mudança no país. A este tipo de política Lênin chamou de cretinismo parlamentar, submeter a mobilização das pessoas em favor de que se possa obter uma mudança por vias parlamentares, quando as eleições, as camadas de deputados e senadores – como já vimos e constatamos todos – são as formas e instituições “democráticas” com que a burguesia mantém o seu poder.

Fecha os olhos às experiências que tivemos nos últimos 12 anos, quando vimos como se comportam as leis e as instituições para bloquear o caminho, para manter o poder da oligarquia. AMLO troca a luta por um prato de lentilhas imaginando que é um saboroso manjar de carnes exóticas.

Por outro lado, o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional] e o CNI [Conselho Nacional Indígena], que estão impulsionando uma candidatura indígena, tampouco trataram de canalizar ou orientar as mobilizações. Parece que – embora tenhamos que esperar para ver como se define esta candidatura – a mesma terá um caráter simbólico e não parece haver a intenção séria de se assumir como governo alternativo além dos municípios autônomos que já se encontram sob influência zapatista. Contudo, tanto Morena como o comandante Galeano – antes Marcos – se manifestaram contra os gasolinazo, razão por que não deveria haver impedimentos para estabelecer ações conjuntas respeitando nossas diversas formas de pensar e sem anular o debate.

Desta forma, se a ideia é ir em frente, temos que fazer uma frente única de organizações políticas, estudantis, sindicais e fazer um apelo à base de Morena, à CNTE, à Nova Central dos Trabalhadores, para formar uma grande coordenação de luta o mais rápido possível, nisto reside a continuação ou um possível triunfo da luta, ou sua derrota.

A bola quente

Os partidos da burguesia PRI, PAN, PRD e outros partidos insignificantes não encontram como se desfazer da bola quente que representa o gasolinazo. Todos estes partidos se organizaram no Pacto pelo México – ou melhor, na Pilhagem do México – e votaram a reforma energética. Agora ninguém quer assumir o custo. EPN disse que não é pela reforma, mas pelos preços internacionais da gasolina, mas vemos que nos EUA compra-se o litro de gasolina a 0,55 centavos de dólar; no México, o litro é comprado a 0,79 centavos de dólar. A gasolina é mais barata nos EUA. Antes do gasolinazo, a gasolina em nosso país era 22% mais cara; agora é 40% mais cara que nos EUA.

Não querem que as consequências do desmantelamento de PEMEX, da privatização do petróleo e da eletricidade lhes sejam custosas nas próximas eleições. Os sem-vergonhas do PRD até apelaram pela formação de uma frente de luta. Estes tipos são nefastos, traíram mais de uma vez aos seus eleitores, dizendo-se de esquerda, mas estão comendo da mão de EPN. Por seu lado, o PAN disse que eles estão contra o aumento do preço da gasolina, mas de fato a reforma energética foi ideia deles e do PRI. Os dois são a mesma coisa.

Como fazer para avançar a luta?

A primeira coisa é confiar em nossas próprias forças. Nas redes sociais foi lançada uma campanha – não somente a partir da direita – denunciando as mobilizações, colocando todos os pretextos para não apoiar as manifestações de raiva, para confundir. Esta luta é legítima porque o povo não aguenta mais, não pode esperar tranquilamente para ver como a família morre de fome em 2018, não pode esperar para ver como assassinam ou desaparecem membros de sua família.

Há muita raiva que pode se transformar em uma ação decidida de luta, mas também, se não existe uma direção política correta, em erros graves. Há uma campanha muito clara da parte do governo federal e do Estado do México para infiltrar provocadores para saquear lojas de autosserviço. Os objetivos são dois: por um lado, provocar medo e temor nas pessoas para que não saiam a lutar; por outro, justificar a militarização das colônias mais pobres de origem operária.

As assembleias têm que se tornar o centro da discussão e de tomada de decisões. Nestas assembleias têm que ser discutidos os passos a seguir, a formação de comissões para vincular as assembleias em uma grande assembleia nacional ou estatal, informar nos bairros circundantes as ações a seguir e convidar todos a participar, formar comitês de segurança para evitar os infiltrados e deter os roubos etc.

Tem que se organizar uma direção única da luta sob uma lista de exigências geral que possa englobar os diferentes setores em luta, e que poderia ser os pontos seguintes:

  1. Abolição do gasolinazo
  2. Controle dos preços das mercadorias da cesta básica, os preços devem ser subsidiados para estar ao alcance das pessoas mais necessitadas
  3. Aumento de emergência do Salário Mínimo a 8 mil pesos mensais. Escala móvel de preços e salários
  4. Contra a reforma educativa que tenta privatizar a educação
  5. Abolição da reforma energética
  6. Contra a privatização do setor de saúde e água
  7. Desmilitarização do país. Que o exército regresse aos quarteis e que a segurança seja retomada pelos comitês de autodefesa dos bairros

Com estes pontos, podemos convidar à luta todos os setores que, no último período, se mobilizaram. Se EPN não responder, há que se incluir também o FORA PEÑA NIETO da presidência.

Organize-se conosco para lutar pelo socialismo

Nós, os que nos agrupamos em torno do jornal La Izquierda Socialista, fazemos parte de uma organização internacional, a Corrente Marxista Internacional. Em mais de 40 países, lutamos para dar um fim a este sistema capitalista que não é capaz de oferecer nada de bom à juventude, à classe trabalhadora e as suas famílias.

As reformas estruturais em nosso país estão em sintonia com os ataques lançados pela burguesia em nível internacional contra todos os direitos dos trabalhadores. Em todas as partes do mundo, nossa classe, a classe trabalhadora, luta contra o imperialismo. O que acontece no México está na órbita da crise mundial do capitalismo.

Pensamos que, dentro do capitalismo, não se pode obter bem-estar para nossa classe. Os governos “progressistas” da América Latina demonstraram isto. Se aceitas as regras do capitalismo, também aceitas administrar suas crises. Pensamos que nossa tarefa não é a de ser os salvadores de uma sociedade enferma, mas a de ser os seus coveiros. Organize-se e lute conosco para lutar por uma sociedade socialista.


Artigo publicado originalmente em 6 de janeiro de 2017, no site da seção espanhola da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “La lucha de clases en México y la necesidad urgente de una dirección coordinada“.

Tradução Fabiano Leite.