Foto: Bruno Kelly, Amazônia Real

A mistanásia na pandemia é o assassinato social de Engels

A mistanásia é um termo pouco utilizado. A palavra vem do grego e é uma junção de mis (infeliz) e thanatos (morte), o que configura uma morte infeliz.  Podemos traduzir aqui como a morte miserável, antes da hora, conhecida como eutanásia social. São típicas de eventos de omissão de socorro, negligência, imprudência e imperícia.

Analisando a democracia burguesa no contexto que estamos vivenciando, percebemos que ela mostra claramente a validação da mistanásia aos pobres e trabalhadores, principalmente quando vemos os governos alegando a crise econômica e pandêmica para justificar inúmeras mortes e sua falta de ações efetivas para que vidas não sejam ceifadas.

Em alguns países, como nos EUA, setores da burguesia tentam acelerar a vacinação, para tentar demonstrar o viés mais “responsável” do governo Biden. Sabemos que o centro dessa política, longe da preocupação com as vidas proletárias, é a tentativa de retomada econômica.

Por aqui as instituições burguesas ainda seguram o presidente Bolsonaro, mas os indícios de que empresários mostram sua insatisfação já são notadas. A Volkswagen decidiu suspender as atividades por 12 dias, e claro que isto não é feito com muita satisfação, afinal envolve perda nos lucros. Bolsonaro acaba representando em alguns momentos “prejudicial” ao capitalismo. Assim, aqui a burguesia fica dividida – precisa vacinar o povo para que sejam a engrenagem do capital voltando a ser explorados no trabalho e garantam os avanços dos ganhos capitalistas. Contudo, em contrapartida, não querem abrir mão dos lucros e investir a quantia adequada em ações efetivas que mantenham vivas esta população. Isto ficou claro com a carta de empresários cobrando medidas efetivas no combate à pandemia.

É explicito que pobres, negros e pessoas de menor escolaridades morrem mais pela Covid-19, afinal o país possui quase 30 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza extrema, cerca de 15 milhões passando fome, aproximadamente 222 mil pessoas em situação de rua, além de um número absurdo de jovens diariamente assassinados, deixando claro que o problema está ligado à questão de classes.

Mas a que se deve tudo isso? Podemos ilustrar isso poeticamente como João Cabral de Melo Neto em Morte e vida Severina:

E se somos Severinos
Iguais em tudo na vida,
Morremos de morte igual,
Mesma morte Severina:
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta,
De emboscada antes dos vinte,
De fome um pouco por dia

No entanto, tudo isso não deve ser baseado apenas na paisagem catastrófica de desigualdade social e econômica do país que retrata os problemas graves enfrentados pela população brasileira em que lhes são negados direitos fundamentais como alimentação, saúde, moradia e segurança, dentre outros. Para a população brasileira, isto não é novidade, mas o que a pandemia escancara fatalmente é a mistanásia, que explicita a falha do Estado em promover a saúde e o bem-estar de seus cidadãos, levando-os a mortes que são evitáveis. Por termos consciência da própria finitude da vida, por si só já somos levados a uma situação angustiante, mas a ansiedade vinda deste período, da forma que hoje vemos, vai além desta compreensão. É “a morte também dos que não morreram”. Da venda da força de trabalho do proletariado, também já somos conscientes, mas o capital se acha dono também da vida deste cidadão, nos remetendo a tempos anteriores, como o servo diante do seu senhor na Idade Média.

Retomando nossa catastrófica realidade, enquanto as vacinas não chegam para todos e cientistas buscam soluções para a doença, ceifados diariamente pela lógica mercantilista do capital, as UTIs são as melhores opções para salvar vidas. Mesmo que o acesso a um leito não garanta a vida, este direito já é hoje no Brasil um privilégio do qual são beneficiados apenas os burgueses, donos das riquezas, do capital e, agora, das vidas dos milhares de trabalhadores. A Covid-19 é a doença, mas o vírus gigantesco, responsável por este mundo inundado de exploração, mortes e desigualdades, é o CAPITALISMO. Será necessário que o combatamos com todas as nossas forças e organização, para construirmos um mundo livre e pleno. “… e traga ao povo, não só o direito ao pão, mas também à poesia”.

Leandro de Oliveira é simpatizante da Esquerda Marxista.