Imagem: Flickr Simone Tebet

A novidade é Simone Tebet?

E a novidade que seria um sonho
O milagre risonho da sereia
Virava um pesadelo tão medonho
Ali naquela praia, ali na areia (Gilberto Gil)

Acompanhamos nas eleições deste ano a repetição do apelo eleitoreiro para conquistar o voto das mulheres. Parte disso é o discurso de candidatas que defendem que “mulher vota em mulher” colocando como questão central o aumento da “representatividade” feminina na política. Mas por trás desse apelo paira uma questão: a qual programa político essas mulheres que se lançaram às eleições adere? De que lado da luta de classes estas mulheres estão?

Candidatos dos mais diversos espectros políticos entre a direita e a esquerda, embarcam na disputa de votos de nichos eleitorais. Muitos utilizam pautas de defesa das mulheres, de negros e LGBTs de maneira oportunista e sem uma perspectiva de classe. Até mesmo Bolsonaro tenta conquistar o voto das mulheres, esbanjando sua hipocrisia, defendendo as candidatas mulheres do seu partido, o PL, com propostas que incluem a castração química de estupradores e tendo como pauta de campanha o discurso falacioso de que foi o presidente que mais aprovou leis em defesa das mulheres, investindo na imagem de sua atual esposa.

Uma das candidatas a presidente que tem aparecido com destaque nessas eleições, com o apelo genérico do ser mulher, é Simone Tebet. Algumas pessoas afirmam que têm intenção de votar nela por ser “uma cara nova”, por ser mulher e por ter “enfrentado” a política de Bolsonaro durante a gestão da pandemia. Em entrevistas e debates ela se apoia em um discurso supostamente feminino afirmando que o país precisa de uma mulher na presidência por ter mais sensibilidade e que ela iria governar com coração de mãe, entre outros argumentos piegas e reacionários.

O argumento de ter sido professora (no caso de Tebet, universitária) também é bastante utilizado pelas mulheres candidatas. Isso a fim de supostamente comprovar uma vocação de profissão ainda considerada feminina – e majoritariamente composta por mulheres por diversas questões históricas – e uma preocupação com a educação a partir da sua vivência como professora – seria cômico, se não fosse trágico, como o tema da educação surge nas propostas de todos os candidatos como se conhecessem de fato os problemas da educação pública.

Ao contrário de ser uma novidade, Simone tem “berço” na política: é filha de Ramez Tebet, da cidade de Três Lagoas, nomeado prefeito em 1975. Ele atuou como secretário de Justiça do Mato Grosso do Sul e, em seguida foi eleito deputado estadual. Foi senador em 1995 e depois em 2002. Simone Tebet foi eleita prefeita de Três Lagoas em 2006 e eleita vice-governadora do Mato Grosso do Sul em 2010. Ela assumiu o cargo de senadora em 2015. Aliás, a novidade é candidata do MDB, antigo PMDB, que desde o final da ditadura esteve presente em praticamente todos os governos federais, trocando cargos por apoio, conhecido por figuras como Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e o vice de Dilma, Michel Temer.

Dentre as fazendas que herdou do pai, a que está localizada em Caarapó faz parte de uma extensão de terra reivindicada pelos indígenas Guarani-Kayowá. O processo de demarcação da terra indígena que incluiria a fazenda de Tebet iniciou-se no governo Dilma Roussef mas o processo foi engavetado. Longe de ser uma novidade na política, Simone representa a classe dominante agrária do país, fundada sobre a exploração do trabalho escravo ou análogo à escravidão e da posse de terras em conflito com os povos indígenas.

Em sua carreira como senadora tornou-se representante dos interesses do agronegócio, posicionando-se contrariamente em relação a diversas reivindicações dos povos indígenas em conflitos de terra. Ela foi autora de um PL que suspenderia de dois a quatro anos o processo de demarcação de terras indígenas caso o imóvel esteja ocupado e não houver estudo antropológico de identificação. Com isso, o processo de demarcação de terras “particulares” reivindicadas por povos indígenas seria dificultado ou sequer iniciado. Não por acaso os ruralistas têm investido grandes quantidades de dinheiro em suas campanhas. Em 2014, por exemplo, ela recebeu deles cerca de R$2,8 milhões.

Tebet, apesar do atual discurso da importância de ser uma mulher candidata e das críticas ao comportamento misógino do presidente Bolsonaro, também surfou na onda do impeachment de Dilma votando a favor do impedimento da presidente com o argumento de que ela teria cometido crimes de responsabilidade fiscal com “consequências nefastas às futuras gerações”. Ela também votou pelas reformas trabalhista e da previdência, bem como a favor do teto de gastos.

Até sua participação na CPI da Covid 19 Tebet votou em acordo com as propostas do governo Bolsonaro em cerca de 86% das tramitações no Senado. A partir da CPI ela passa então a buscar descolar-se desse governo criticando a gestão durante a pandemia.

Apesar das tentativas de se fortalecer como alternativa nessa eleição por ser mulher e ter os atributos que seriam próprios delas, Tebet não trata de questões fundamentais para as mulheres trabalhadoras. Por exemplo, ela é contra o direito ao aborto.  Diante da posição de Tebet e da maioria da “bancada feminina” na Câmara e no Senado contra o aborto legal e público, fica evidente que não basta votar em uma mulher, pois, esse conceito genérico não traz consigo o que nos é fundamental: os interesses de classe que cada candidata defende.

Já no último debate entre candidatos a presidente no SBT, Simone polemizou junto ao candidato reacionário do PTB, “Padre” Kelmon, quando questionada se era feminista e se isso a faria defender o aborto. Numa explicação estapafúrdia, se afirmou como feminista, porém contra o aborto e defensora de um feminismo como pauta cristã. Demonstrando a teia de confusão que é o próprio feminismo, ela mesma cria uma imagem do que ele seria, para que sirva como encaixe perfeito na defesa das suas pautas de direita “progressista”. O próprio “padre” reacionário escancara a contradição dela em sua tréplica. Aliás, ao afirmar genericamente que as mulheres católicas e cristãs “defendem a vida” e são contra o aborto, ela ignora, por exemplo, o movimento Católicas pelo direito de decidir, que em sua página oficial afirmam que a: “luta é contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto, pois entendemos que a criminalização é uma violência contra as mulheres, principalmente as mais pobres, que se submetem ao aborto inseguro.”

Na página da candidata na internet, cujo lema central é “Amor e coragem” existe uma lista de 15 razões para votar em Tebet. Além do discurso de superação da dita “polarização” estão algumas demonstrações dos interesses que a candidata defende:

“- Para fazer o Brasil voltar a crescer, promover reformas estruturais e modernizadoras;

– Para ampliar a participação da iniciativa privada na atividade econômica, com concessões, desestatizações, privatizações e parcerias;

– Para constituir uma equipe ministerial paritária entre mulheres e homens, garantir maior presença de pessoas negras e ampliar a representatividade de gênero e raça no governo”

Com estes três itens já é possível demonstrar de que lado está a candidata. Assim como parte da direta “progressista”, ela incorpora reivindicações de setores dos movimentos populares, das mulheres, indígenas e pessoas negras, inserindo essas questões de modo formal e superficial, sem de fato querer transformar as estruturas do sistema social vigente, o capitalismo, que tem como base a exploração da classe trabalhadora, mantendo apartados dos direitos democráticos mais básicos a maioria dos negros, indígenas e mulheres.

Assim como Tebet, o capitalismo compreendeu que precisa agregar às suas estruturas parte das reivindicações identitárias a fim de tentar sobreviver. É preciso compreender que para nós, mulheres trabalhadoras, não é possível, por exemplo, defender cotas de gênero em esferas deste sistema para supostamente garantir uma representatividade. Não se trata de ter mais mulheres nas instituições burguesas, se estas mulheres estão lá defendendo os interesses da classe dominante, apoiando ataques à classe trabalhadora com reformas, com ampliação da iniciativa privada, com privatizações e parcerias que vêm destruindo o serviço público e precarizando cada vez mais as condições de vida da nossa classe, atacando, desta forma, a maioria das mulheres.

Os comunistas participam das eleições explicando a podridão da democracia burguesa e suas instituições, apontando para a necessidade da organização e luta de jovens e trabalhadores, levantando as reivindicações imediatas e históricas do proletariado, explicando a necessidade de um mundo socialista para libertar a humanidade deste regime decadente.

Os candidatos da Esquerda Marxista nestas eleições, Lucy Dias 5020 (Deputada Federal/SP), Pedro Henrique Corrêa 50917 (Deputado Estadual/RJ) e Thaís Tolentino 50555 (Deputada Estadual/SC) defendem um manifesto e uma plataforma revolucionária de luta da classe trabalhadora, como podemos ver aqui. Os candidatos da Esquerda Marxistas defendem também a plataforma de luta das mulheres trabalhadoras elaborada pelo Mulheres Pelo Socialismo. Nossa luta é muito maior do que a disputa eleitoral e é internacional, por isso, nossas candidaturas e o Mulheres Pelos Socialismo se solidarizam e apoiam nesse momento a luta de massas que se desenvolve no Irã, após o assassinato pela polícia da jovem curda Jina Mahsa Amini. Nós dizemos: lute como uma iraniana!

Nenhuma confiança nas mulheres que representam a classe inimiga! Unidade da classe trabalhadora contra a burguesia e seu sistema! Abaixo Bolsonaro! Abaixo o capitalismo! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais! Viva o socialismo internacional!