A ordem reina em Berlin

No final da Primeira Guerra Mundial, um motim na marinha alemã deu início a um levante espontâneo do proletariado alemão, cansado da guerra, contra a monarquia do Kaiser no Reich Alemão. Em novembro de 1918 começava a Revolução Alemã, da mesma forma que no ano anterior tinha começado a Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia que levaria em outubro à tomada do poder pelos soviets dirigidos pelo Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky.

No final da Primeira Guerra Mundial, um motim na marinha alemã deu início a um levante espontâneo do proletariado alemão, cansado da guerra, contra a monarquia do Kaiser no Reich Alemão. Em novembro de 1918 começava a Revolução Alemã, da mesma forma que no ano anterior tinha começado a Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia que vai levar em outubro à tomada do poder pelos soviets dirigidos pelo Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky.

Inspirados pela Revolução Russa e pelos seus objetivos internacionalistas, os operários, soldados e marinheiros alemães proclamam a República, em 19 de novembro de 1918, com a abdicação do imperador Guilherme II e dos outros príncipes dos Estados federais alemães.

As massas tomam as iniciativas e ocupam as fábricas, cercam os quarteis do Exército exigindo dos soldados o apoio à revolução. A maioria da tropa se une aos operários. É formada uma guarda vermelha de operários e soldados. Cria-se a Liga dos Marinheiros do Povo, a Liga dos Soldados Vermelhos. Da mesma maneira que na Rússia de fevereiro de 1917 os operários e soldados criam os Conselhos como órgãos de poder do proletariado, com deputados com mandatos eleitos e revogáveis. As instituições do Império estão destroçadas. O Exército Imperial não existe mais. O poder, de fato, está nas mãos da classe operária.

Mas a revolução é permanente. Não se contenta com os objetivos de proclamar apenas uma república democrática. Quer avançar. As massas exaustas e famintas pela crise econômica, por conta do desastre da guerra, pressionam todos os partidos alemães, principalmente o Partido Social Democrata (SPD), majoritário na classe operária, e que ainda goza de grande prestígio entre as amplas massas do proletariado, apesar da traição cometida quatro anos antes com o apoio da política imperial da guerra. As massas esperam que o SPD vá atender as suas reivindicações. É formado um governo republicano com o SPD na cabeça, liderado pelos “socialistas” Friedrich Ebert e Gustav Noske. Da mesma forma que na Rússia, a revolução eleva ao governo republicano os socialistas moderados. E da mesma forma que seus pares russos, o Príncipe Livov e o “socialista” Kerensky, o governo do SPD evita romper com a ordem existente, o que implicaria em nacionalizar a indústria e a terra dando todo poder aos conselhos de operários, soldados e marinheiros. Pelo contrário buscam realizar um governo de colaboração de classes, realizando uma aliança com a burguesia, com os barões prussianos e com o Supremo Comando do Exército, o Oberste Heeresleitung (OHL).

Abre-se assim um período de disputa, de luta de classes intensa e de duplo poder na Alemanha. De um lado da República “Democrática” dirigida pelos socialistas moderados em aliança com os senhores prussianos e de outro o poder emergente dos conselhos e milícias criadas pelos operários, soldados e marinheiros.

Em oposição ao SPD, que ainda tem prestígio nas amplas camadas do proletariado alemão, por outro lado, na vanguarda estão os operários do Partido Independente Social Democrata (USPD), partido fundado em abril de 1917 na cidade de Gotha, abrigando todos os socialistas descontentes com a política do SPD, desde Eduard Bernstein até Karl Kautsky. Na ala esquerda deste partido tinha a Liga Spartakus (Spatakusbund), formada por marxistas revolucionários como Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Franz Mehring, Leo Jogiches, Paul Levi, Clara Zektin entre outros. O nome Spartakus é uma homenagem ao líder da mais famosa revolta de escravos do Império Romano.

Rosa Luxemburgo era uma das maiores teóricas do socialismo na Polônia e na Alemanha, grande ativista política dentro da social democracia alemã. Lutou contra o oportunismo reformista da social democracia e defendeu as ideias revolucionárias do socialismo científico de Marx e Engels. Se posicionou contra a guerra e contra os votos da social democracia em favor dos créditos de guerra em agosto de 1914. Ela e Karl Liebknecht foram expulsos do SPD e chegaram a ser presos e processados pelo governo alemão.

Com a radicalizão da revolução alemã, depois dos acontecimentos de novembro de 1918, a Liga Spartakus decide sair do USPD, que era uma organização centrista entre o marxismo e o reformismo, e se constitui em partido independente. Em dezembro de 1918 é fundado o Partido Comunista da Alemanha (Kommunistische Partei Deutschlands – KPD) coma fusão da Liga Spartakus com a tendência Comunista Internacionalista (IKD), uma tendência de esquerda revolucionária dentro do SPD. O KPD passou a editar o jornal A Bandeira Vermelha (Die Rote Fahne).

Para Rosa Luxemburgo a questão chave era ganhar a maioria da classe operária para resolver a situação de duplo poder entre os conselhos e o governo burguês dirigido pelos reformistas. Na Baviera, uma frente única de comunistas (spartakistas) e de independentes (USPD), formam um governo local apoiado nos conselhos, formando a República Socialista da Baviera. Assim como na Rússia aboliram a propriedade privada dos latifúndios e das fábricas.

Em janeiro a situação de duplo poder ficou insustentável. O social democrata Gustav Noske, ministro do governo encarregado da ordem pública, decide junto com o Comando Supremo (OHL) organizar a contrarrevolução. Como o Exército Imperial estava em frangalhos e pelo Tratado de Versalhes, com as potências aliadas na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha vencida não poderia ter um exército e somente uma força de no máximo cem mil homens, e que na sua maioria tinham desertado durante a revolução de dezembro, Noske e o Comando Supremo pagam aos oficiais reacionários para armar e organizar corpos livres de ex-combatentes, forças paramilitares que ficaram conhecidas como Freikorps, cujo símbolo era a famosa suástica dos nazis e a caveira estampada nos capacetes e nos carros blindados. Eram os esquadrões da morte para reprimir a revolução.

Em meados de janeiro começam a estourar conflitos armados entre as milícias de operários e soldados com as tropas leais ao governo. Os Freikorps entram em Berlim. Uma parcela da classe operária liderada pela esquerda dos independentes (USPD), apoiados pelos Marinheiros do Povo e da Liga dos Soldados Vermelhos ocupam as ruas de Berlim entrando em confronto com as tropas leiais ao governo. O Comitê Central do KPD (spartakista) analisa a situação e por maioria apoia o levante. Rosa Luxemburgo é contra argumentando contra Karl Liebknecht que “esse não é o nosso programa”, uma insurreição apoiada apenas em uma parte da classe operária. É voto vencido pelos esquerdistas e acata a decisão do Comitê Central. O KPD (spartakista) adere à insurreição no memento em que os independentes começam a vacilar e a se retirar da luta. Os spartakistas travam uma sangrenta batalha na rua da Imprensa em Berlim, em torno do prédio do Worwaerts, o jornal social democrata que estava insuflando a contrarrevolução. Os Freikorps aniquilam todos os spartakistas, até mesmo os que se renderam. Na Baviera acontece a mesma coisa. Os Freikorps derrubam o governo socialista local. E na Prússia Oriental, em Dantzig (hoje é a cidade de Gdansk, na Polônia) os Freikorps enfrentam as tropas do Exército Vermelho soviético.

Da mesma forma que na Comuna de Paris, milhares de pessoas foram assassinadas durante a contrarrevolução. Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck, líderes do Partido Comunista da Alemanha (KPD), foram presos e levados para interrogatório no Hotel Eden em Berlim. Enquanto que os detalhes das mortes de Luxemburgo e Liebknecht são desconhecidos, a versão mais aceita é de que foram retirados do hotel por paramilitares dos Freikorps, que mais tarde iriam apoiar os Nazis. Enquanto Luxemburgo e Liebknecht eram escoltados para fora do prédio, foram espancados até ficarem inconscientes. Pieck conseguiu fugir, enquanto Luxemburgo e Liebknecht foram levados, cada um, num carro militar. O primeiro carro, com Rosa Luxemburgo, virou antes da ponte Corneliusbrücke em uma pequena rua paralela ao curso d’água conhecido como Canal do Exército (Landwehrkanal). Ela foi baleada e jogada semimorta nas águas geladas de janeiro do Landwerkanal. Seu companheiro de luta, Karl, seguiu no outro carro, que cruzou a Corneliusbrücke e entrou em uma das ruas desertas do parque Tiergarten. Ele foi baleado pelas costas, enquanto foi induzido a caminhar. Morto, foi entregue como indigente em um posto policial. Dois meses mais tarde, Leo Jogiches foi morto pelo mesmo grupo. O corpo de Luxemburgo só foi encontrado no final de junho. Seus assassinos jamais foram condenados. Somente em1999, uma investigação do governo alemão concluiu que as tropas de assalto haviam recebido ordens e dinheiro dos governantes socialdemocratas para matar Luxemburgo e Liebknecht.

Todos os anos, socialistas e comunistas se reúnem no local na segunda segunda-feira de janeiro para homenageá-los.

Este artigo que agora publicamos foi o último escrito por Rosa Luxemburgo, dias antes do fatídico 15 de janeiro de 1919, data em que foi sequestrada e assassinada. Os assassinatos de Rosa Luxemburgo e de Karl Liebknecht foram o último ato da Alemanha Imperial dos Hohenzollern e o primeiro asassinato da Alemanha Nazi.

 

A ORDEM REINA EM BERLIM

Rosa Luxemburgo

A ordem reina em Varsóvia, anunciou o ministro Sebastini na Câmara francesa quando, depois de um terrível assalto sobre o bairro de Praga, a soldadesca de Suvarov entrou na capital polaca para começar o seu trabalho de carrascos contra os insurgentes.

A ordem reina em Berlim! proclama triunfalmente a imprensa burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, para quem a gentalha pequeno burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das armas alemãs estão a salvo perante a história mundial. Os que combateram miseravelmente na Flandres e a Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória atingida sobre trezentos espartaquistas que lhes resistiram no prédio do Vorwaerts. As primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os tempos do general Von Emmich, o imortal vencedor de Lieja, tornaram pálidos ao serem comparados com este das façanhas efetivadas pelos Reinhardt e os seus “camaradas” nas ruas de Berlim. Os delegados dos sitiados no Vorwaert, enviados como parlamentares para tratarem da sua rendição, foram destroçados a pancadas de garrote pela soldadesca governamental, e isto aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos prisioneiros, foram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles tinham o cérebro fora do seu crânio. Quem acha ainda, depois destes indignos fatos, nas vergonhosas derrotas impingidas pelos franceses, os ingleses e os americanos aos alemães? Spartakus é o inimigo e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer os nossos oficiais. Noske, “o operário” é o general que sabe organizar a vitória ali onde Lundendorff fracassa.

Como não pensar aqui na matilha vitoriosa que impunha anos antes “a ordem” em Paris, nessa bacanal da burguesia sobre os cadáveres dos combatentes da Comuna. Era a mesma burguesia que acabava de capitular vergonhosamente face aos prussianos e que tinha abandonado a capital do país ao inimigo de fora para fugir ela próprio como o derradeiro dos covardes. Outra coisa foi depois face aos proletários parisienses mal equipados e sem armas. Contra as suas mulheres e os seus filhos… Então é que puderam mostrar a sua viril coragem os filhos do papai e toda a “juventude dourada” que mandava em Versalles! Estes filhos de Março, pregados até o dia anterior ante o inimigo estrangeiro, souberam de repente ser cruéis e bestiais face a umas vítimas sem defesa, face a uns centos de prisioneiros e moribundos. “A ordem reina em Varsóvia!” “A ordem reina em Berlim”! Eis como proclamam as suas vitórias os guardas da “Ordem” através de todos os exércitos que se estendem de um lado para outro da luta histórica mundial. A destituição dos vencedores não indica mais do que o final de uma etapa da “Ordem” que deve ser mantida e proclamada periodicamente, mediante toda a classe de sangrentos assassinos, sem deter-se na sua marcha para o seu destino histórico, quer dizer, para o seu fim.

O que tem chegado esta semana aos nossos ensinamentos? Em primeiro lugar, ainda no meio da luta e dos gritos vitoriosos da contrarrevolução, os proletários revolucionários puderam chegar a medir os acontecimentos e os seus resultados com a grande medida da história. E isto aconteceu assim porque resulta que a Revolução não tem tempo a perder e, em consequência, persegue a sua vitória por cima das tumbas e por baixo das habituais vitórias e derrotas.

Reconhecer as suas linhas de orientação e seguir os seus caminhos com plena consciência é a tarefa fundamental de todos os que lutam pela vitória do socialismo internacional.

É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta com os Ebert -Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se se considerarem devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável da causa revolucionária neste momento é a não maturidade política da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, a não maturidade do trabalhador-soldado não é mais do que um sintoma da não maturidade geral em que ainda se acha imersa a revolução alemã.

O campo, que é de onde procede a maioria dos soldados, fica, tanto depois como antes, fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país, algo assim como uma ilhota. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do proletariado berlinense, mas pelo momento falta uma concordância direta na ação, que é a única que pode proporcionar uma incomparável eficácia ao arranque e à combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta econômica (que é a origem de verdadeiras fontes vulcânicas em que se alimenta a revolução) acha-se ainda numa fase claramente inicial.

Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável contar pelo momento com uma vitória de tipo decisivo. A luta destas últimas semanas teve como desenlace o resultado das citadas insuficiências. Sempre há um disparo inicial, mas qual era na realidade o ponto de partida da última semana de luta? Como já aconteceu em casos precedentes, como já aconteceu no 6 de Dezembro, como já aconteceu no 24 de Dezembro, desta vez também estivo a origem numa provocação brutal pela parte do governo. Como no caso do assassinato dos manifestantes desarmados, como no caso da matança dos marinheiros, desta vez foi o atentado da Prefeitura da polícia a causa originária de todos os acontecimentos. E é que a revolução nem sempre tem hipóteses de agir seguindo as suas livres decisões, em terreno descoberto e depois de um bom plano de manobras idealizado por ‘algum bom estrategista’. Os seus inimigos têm também a sua iniciativa, e por vezes inclusive são eles quem a tomam, que por certo é o que se passa geralmente.

Porém, ante o fato da insolente provocação do governo Ebert- Scheidemann, os operários revolucionários estavam forçados a pegar as armas. Com efeito, para a revolução, pode dizer-se que era uma questão de honra responder o mais rapidamente possível e com todas as forças ao ataque, porque se assim não fosse teria sido impulsionada à contrarrevolução, a uma nova etapa repressiva, com o que teriam resultado comovidas as fileiras revolucionárias e diminuído o crédito moral da revolução alemã.

A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa

A resistência surgiu tão espontaneamente, com uma energia tão evidente, do mesmo seio das massas berlinenses, que no primeiro momento pode dizer-se que a vitória moral esteve do lado da rua. Uma lei interior da revolução é a da impossibilidade de esperar na inatividade depois de que se deu um passo para frente. A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa. Esta regra elementar de toda a luta é que rege com maior razão todos os passos da revolução. Nesta ocasião haveria de demonstrar, aliás, instinto nisso, a força interior sempre fresca do proletariado berlinense e uma combatividade do mesmo que não se limitou a reintegrar Eichorn nas suas funções, mas que impulsionou a massa para ir, um após outro, aos redutos da contrarrevolução, como é a imprensa burguesa, representada de primeira mão polo Vorwaerts. Se todas estas iniciativas surgiram espontaneamente da massa é porque esta sabia que a contrarrevolução não sse conformaria com a derrota e que haveria de procurar a provocação como fosse uma batalha onde se mediram todas as forças de ambos os lados dos combatentes.

Aqui também depararemos com uma das grandes leis históricas da revolução, contra a qual estilhaçam todas as subtilezas próprias dos pequenos maquiavélicos “revolucionários” ao estilo dos do U.S.P.D., que em cada ocasião de lutar não procuram mais do que o seu correspondente pretexto para se bater em retirada. O problema fundamental de toda revolução (neste caso é o da queda do governo Ebert Scheidemann) surge em cada caso com toda a atualidade, porque cada episódio da luta descarta, com a fatalidade das leis naturais, todo compromisso com a calmaria ou com as gargalhadas da politiquice reformista, exigindo em todo o momento o máximo por pouco maduras que forem as circunstâncias… Abaixo o governo de Ebert Scheidemann! Esta é a palavra de ordem que emerge como inevitável de cada episódio da nossa atual crise, tornando na única fórmula capaz de exprimir o senso e o significado de todos os conflitos parcelares, e de levar a luta até ao seu ponto culminante.

O resultado desta contradição, entre o agravamento do objetivo e as insuficiências prévias para o seu cumprimento, tem como concreção o estabelecimento da fase inicial do desenvolvimento revolucionário, no decurso do qual as lutas parcelares sempre acabam com uma “derrota” formal. Mas a revolução é a única forma de “guerra” em que (por lei da vida que lhe é própria) a vitória final apenas pode ser atingida através de uma série de “derrotas” prévias.

O quê é que nos mostra se não toda a história das revoluções modernas e do socialismo? O primeiro facho que iluminou a luta de classes na Europa foi a insurreição dos sedeiros de Lyon em 1831, que terminou com uma flagrante derrota. O movimento dos Cartista na Inglaterra concluiu também com uma derrota. O levantamento do proletariado em Paris, durante as jornadas de 1848, desembocou igualmente numa esmagadora derrota. E a Comuna de Paris teve semelhante desenlace….. Todo o caminho do socialismo está efetivamente pavimentado por derrotas, apesar do que, vemos que a história do mesmo avança inexoravelmente, passo a passo, para a vitória que há de ser definitiva. Onde estaríamos hoje sem estas “derrotas” das que tiramos a experiência histórica que nos permite reconhecer a realidade das coisas em toda a sua dimensão? Na atualidade, quando temos conseguido chegar já ao limiar da batalha final, é precisamente quando melhor podemos reconhecer que é por sobre todas essas “derrotas” que nós ficamos em pé. Não podemos prescindir de nenhuma delas, porque cada uma das mesmas faz parte da nossa força atual.

Vitória na derrota e derrota na vitória

Este é justamente o contraste e a aparente contradição que diferencia as lutas revolucionárias das lutas parlamentares. Na Alemanha contamos com quarenta anos de “vitórias” parlamentares, de forma que pode dizer-se que durante todo este tempo estivemos marchando de vitória em vitória, sendo o resultado a grande prova histórica de 4 de Agosto de 1914: a derrota política e moral mais catastrófica e inesquecível.

As revoluções, polo contrário, nos tem feito chegar a contínuas derrotas, mas inevitáveis estas derrotas, são ela a melhor garantia da nossa vitória final… Claro que isso tudo entranha uma condição! E é a de sabermos em que circunstâncias teve lugar cada derrota, quer dizer, se esta foi o resultado de umas massas imaturas que se lançam à luta, ou de uma ação revolucionária paralisada no seu interior pela indecisão, a fraqueza e a falta de radicalismo.

Dois exemplos típicos de ambos os casos poderiam ser a revolução francesa de Fevereiro e a revolução alemã de Março. A ação heroica do proletariado de Paris em 1848 converteu-se na energia mais vivificadora que cabe para o proletariado de todo o mundo, enquanto os lamentáveis desfalecimentos da revolução alemã de Março, do mesmo ano, viram-se metamorfoseados numa espécie de pesada cadeia para todo o desenvolvimento histórico ulterior da Alemanha, cujos efeitos regressivos podem ser encontrados mesmo nos acontecimentos mais recentes da nossa revolução e na crise dramática que acabamos de viver.

Como será vista, em tal caso, a derrota da nossa Semana de Spartakus à luz da mencionada perspectiva histórica? Como o resultado de uma audaz energia revolucionária perante a insuficiente maturidade da situação, ou como o desenlace de uma ação empreendida sem a necessária convicção revolucionária?

De ambas as formas! Porque a nossa crise tem, com efeito, um duplo rosto, o da contradição entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de convicção por parte dos chefes berlinenses. Falhou a direção. Mas este é o defeito menor, porque a direção pode e deve ser criada pelas massas. As massas são o fator decisivo porque é a rocha por sobre a qual será edificada a vitória final da revolução. As massas cumpriram com a sua missão porque fizeram desta nova “derrota” o elo que nos une legitimamente à cadeia histórica de “derrotas” que constitui o orgulho e a força do socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que desta “derrota” também há de florescer a vitória definitiva.

A ordem reina em Berlim!… Ah! Estúpidos e insensatos carrascos! Não reparastes em que a vossa “ordem” está a alçar-se sobre a areia. A revolução se levantará amanhã por sobre a sua vitória e o terror se estampará em vossos rostos ao ouvir-se anunciar com todas as suas trombetas: ERA, SOU E SEREI!