A Otan se arma contra a Rússia ou ambos se armam contra os povos?

A recente reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e União Europeia (UE), na Polônia, em 8 e 9 de julho, foi largamente apresentada pela mídia como uma reunião para se armar e avançar num cerco à Rússia, que seria uma belicosa ameaça à Europa.

Nos meses precedentes, a Rússia foi pintada como um urso que pretende ir se apoderando da Europa e que ameaça toda a paz do continente. Um cenário típico de Guerra Fria que Putin, com uma economia em pedaços, soube utilizar muito bem retrucando na mesma moeda: A Rússia estaria sendo ameaçada pela Otan, leia-se EUA, e, portanto, deve se armar ainda mais para defender sua soberania, todo o povo deve estar ao lado da Rússia e seu governo contra os cães imperialistas.

O homem que restaurou o capitalismo na Rússia, Gorbatchov, entrou no jogo declarando que o Ocidente estaria, de fato, passando de uma guerra fria para uma guerra quente, ou seja, preparando uma guerra contra a Rússia.

O ex-comandante das Forças Aéreas dos EUA na Europa e supremo comandante da Otan, Philip M. Breedlove, escreveu um artigo na revista dos pensadores imperialistas Foreign Affairs (julho/agosto de 2016), cujo título é O próximo ato da Otan: Como lidar com a Rússia e outras ameaças”. Ele alarma que:

“Nos últimos três anos, os Estados Unidos e a Aliança mudaram seu foco para ameaças mais perto do coração da Europa, ou seja, a agressão russa e os desafios inquietantes, associado com a instabilidade que persiste no Médio Oriente e no Norte de África. Estas ameaças são de uma amplitude e complexidade que o continente não viu desde o final da Segunda Guerra Mundial”.

Dois lados de uma mesma mentira para consumo público. O que Putin e Gorbatchov estão anunciando é uma miragem, mas com objetivos políticos internos.

Já este alto general, Breedlove, cujo nome em tradução literal seria “raça do amor”, tem por objetivo fazer pressão contra os cortes de orçamento militar nos EUA, ao mesmo tempo que persegue o objetivo dos EUA de distribuir para os parceiros europeus o custo de sustentação e ampliação das forças militares da Otan. O espantalho é a “ameaça russa” à Europa e ao “Ocidente”.

Com a transferência de gastos diretos da Otan para seus “amigos” europeus, os EUA podem reduzir o próprio orçamento militar e ao mesmo tempo continuar a aumentar a venda de armas. Afinal, é o maior produtor de armas do mundo, muito longe de seus concorrentes. E sem guerras, sem expansão militar, este negócio não funciona.

Já Putin precisa de um espantalho externo para controlar a situação interna, já que a economia russa depende principalmente da venda de petróleo e gás, cujos preços desabaram de U$120,00 por barril para menos de U$50,00, e da venda de armas, único setor mantido praticamente intacto desde a restauração capitalista. Não é por acaso que Putin exerce uma ditadura tendo vindo da KGB e do setor industrial-militar.

Ao gritar contra o “expansionismo” da Otan, ele está tentando manter vivo um sentimento nacional russo para poder governar. Foi o que fez também com a crise na Ucrânia, se bem que aí tinha, também, interesses diretos como a Criméia, onde está a Frota Russa do Mar Negro, e a indústria eletrônica militar ucraniana que é interdependente com o complexo militar-industrial russo. Putin só pode estar muito feliz com o que lhe brinda a “Otan que se arma contra a ameaça russa”.

O que deve ser espantoso para os impressionistas que compram o que a mídia imperialista vende, é que a UE tenha prontamente aceito ampliar seus custos e gastos militares na Otan, apesar de estar mergulhada na mais séria crise econômica de sua história desde 1929.

Na “Declaração conjunta do presidente do Conselho Europeu, do presidente da Comissão Europeia, e do secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte”, ao final da Cúpula na Polônia, se lê:

“Acreditamos que chegou o momento de dar um novo impulso e um novo conteúdo à parceria estratégica Otan-UE. (…)

Hoje, a comunidade euro-atlântica está enfrentando desafios sem precedentes que emanam do Sul e do Leste [Ou seja, da África e do Oriente Médio! – Nota SG]. Nossos cidadãos exigem que usamos todas as formas e os meios disponíveis para enfrentar esses desafios de forma a aumentar a sua segurança. [Quem exige?! Quem foi consultado sobre isso?! Como foram consultadoss?! – Nota SG] (…)

À luz dos desafios comuns que agora estamos enfrentando, temos que acelerar os nossos esforços: precisamos de novas formas de trabalhar em conjunto e um novo nível de ambição; porque a nossa segurança é interligada; … Juntos, … podem(os) melhor garantir a segurança na Europa e fora dela. (…)

No cumprimento dos objetivos acima, acreditamos que há uma necessidade urgente de:

• Aumentar a nossa capacidade de combater as ameaças híbridas, incluindo o reforço à capacidade de resistência, trabalhando em conjunto na análise, prevenção e detecção precoce, por meio de informações oportunas e, na medida do possível, a partilha de informações entre as equipes; e cooperando em comunicação estratégica e resposta…

• Ampliar e adaptar a nossa cooperação operacional, incluindo no mar, e sobre a migração, através de uma maior partilha de conhecimento da situação marítima, bem como uma melhor coordenação e reforço mútuo das nossas atividades no Mediterrâneo e em outros lugares.

• Expandir a nossa coordenação em matéria de segurança cibernética e de defesa, incluindo no contexto das nossas missões e operações, exercícios e na educação e formação.

• Desenvolver capacidades de defesa coerentes, complementares e interoperáveis ​​dos Estados-Membros da UE e aliados da Otan, bem como projetos multilaterais.

• Facilitar uma indústria de defesa forte e maior pesquisa de defesa e cooperação industrial na Europa e outro lado do Atlântico. (…)

A cooperação nestes domínios é uma prioridade estratégica. Sua rápida implementação é essencial…

Apelamos a ambas as organizações a investir capital político e recursos necessários para fazer esta parceria reforçada um sucesso”.

Nem é preciso dizer que as palavras chaves são: “aumentar”, “ampliar”, “expandir”, “desenvolver” e “facilitar uma indústria de defesa forte e maior pesquisa de defesa e cooperação industrial na Europa e outro lado do Atlântico”. Só não compreende quem não quer. São os EUA, senhor e soberano da Otan, distribuindo a carga e preparando os países europeus para gastar mais em armas, tropas e, especialmente, nas áreas militares de ponta em que os EUA são o grande produtor.

Nenhum burguês europeu em sã consciência acredita que a Rússia seja uma ameaça militar aos países europeus ou mesmo que tenha ambições neste sentido. Se Putin as tiver, o que não é provável, estaria definitivamente louco. Mas, todos precisam de um espantalho para continuar a corrida militarista, fazer girar o complexo industrial-militar de produção de forças destrutivas, ampliar o caráter de bando de homens armados dos Estados burgueses frente à revolta universal dos povos.

A realidade é que eles querem sobreviver à crise econômica mundial e se armam contra a classe trabalhadora e os povos oprimidos no mundo.