E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
(Carlos Drummond de Andrade)
No último domingo, 3 de junho, realizou-se mais uma edição da “Parada LGBTI+”. A atividade já faz parte do calendário da cidade de São Paulo e movimenta diversos setores econômicos, como o ramo hoteleiro. Em 2017 a ocupação de quartos na cidade atingiu 90%, caindo para 50% em 2018, em função das incertezas geradas pela paralisação dos caminhoneiros. Apesar do número de participantes ser menor do que no ano passado, a Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo (APOGLBT SP) – organizadora do evento – afirmou que participaram 3 milhões de pessoas.
No dia anterior, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) publicou uma nota explicando que não participaria da parada porque a organização do evento condicionou a participação das entidades ao pagamento de uma taxa, considerada abusiva pela Central. Por outro lado, o evento contou com um bloco, patrocinado pelo consulado de Israel, chamado “Tel Aviv Israel”. Em nota de agradecimento, a APOGLBT SP, se dirige ao público participante e aos patrocinadores (como empresas de cerveja, de transporte compartilhado, lanchonetes, redes de hotéis e empresas de alimentos).
Esses elementos, somados ao tema da parada: Poder para LGBTI+, nosso voto, nossa voz, demonstram as contradições que perpassam o movimento e que, ao longo das últimas décadas, vem transformando a luta pelos direitos democráticos em pauta liberal e capitalista.
Com o crescimento da teoria pós estruturalista e seus desdobramentos nas teorias identitárias, desde o início da década de 1990, as universidades e a esquerda (incluindo os instrumentos construídos pela classe trabalhadora, como os sindicatos e centrais), vêm sendo tomadas pelo pessimismo e pela falta de confiança na classe trabalhadora. Diante da falta de perspectiva de uma mudança radical na sociedade, a luta foi substituída pela disputa dos “discursos” e dos espaços de poder. Tanto o tema da parada quanto a nota da CUT demonstram essa orientação política. Diz a nota da CUT:
“Se por um lado a organização da Parada assume uma postura excludente em relação às entidades sindicais, por outro, faz um belo discurso em defesa da representação política dos LGBT. O texto de justificativa para a escolha do tema deste ano critica a pouca representatividade dos LGBTs nas esferas de tomada de decisão.” (…) “Os primeiros a perder direitos trabalhistas e civis são os trabalhadores LGBT. Então, tem de votar em candidatos progressistas2”
Este trecho representa a adaptação da CUT tanto ao identitarismo, quanto ao parlamentarismo. Em primeiro lugar, a divisão é de classe, não de identidade. No âmbito eleitoral, o combate de uma central sindical de luta deveria ser por eleger candidatos que representam os interesses da classe trabalhadora, sejam eles homossexuais ou heterossexuais, negros ou brancos, mulheres ou homens. Nós sabemos, existem também homossexuais, mulheres, negros, etc., que defendem uma política capitalista, portanto, uma política de opressão e exploração da maioria do povo. Em segundo lugar, só eleger bons e combativos parlamentares não resolve nenhum problema fundamental, são pontos de apoio para o combate, mas a questão é a destruição de todas as podres instituições do Estado burguês. Não existem direitos permanentes no capitalismo, o que esse sistema “dá” hoje, tira amanhã em dobro. Portanto, é preciso superar as ilusões pautadas em uma política identitária, de cotas e de “representatividade”, na possibilidade de reformar por dentro este sistema decadente. É preciso uma perspectiva de classe, revolucionária e socialista. Perspectiva que um dia a CUT teve, mas abandonou.
A parada desse ano adotou um tom mais “político”, mas restringiu a participação das entidades dos trabalhadores mediante pagamento de taxas, depende e saúda patrocinadores, aceita a participação de um bloco que representa o Estado genocida de Israel e reforça, cada dia mais, uma política que agrada setores da burguesia, que compreendendo a necessidade de assimilar as pautas identitárias, aceita, por exemplo como presidente de um dos maiores bancos do mundo, uma presidente que se considera “feminista”3.
A divisão forjada entre os trabalhadores, que desde o período da escravidão e colonização – nos mais diversos sistemas em que isso ocorreu – vem sendo criada e difundida pelo capitalismo como uma estratégia para impedir a união dos trabalhadores como classe, e que hoje atinge um novo patamar, apropriando-se das políticas identitárias, só será plenamente superada com a abolição do sistema capitalista. E para isso, é necessária a aliança entre todos os trabalhadores, independentemente da cor da sua pele, da sua orientação sexual ou identidade de gênero e sexo. Somente unida, a classe trabalhadora poderá lutar e vencer, construindo uma nova sociedade, na qual cada um poderá expressar-se de forma livre e criativa.
Os avanços em relação à emancipação da mulher e da livre vivência da sexualidade no período da Revolução Russa, e o exemplo de união entre os homossexuais e os trabalhadores em greve na Inglaterra, no governo Thatcher da década de 19804, devem ser retomados e valorizados. Não existe destino possível para a classe trabalhadora, sem a sua união, a não ser a barbárie.
É preciso resistir ao canto da sereia da pós modernidade e do reformismo, que nos dizem que a mudança é impossível. Como disse Marx, não temos nada a perder, mas um mundo a conquistar!