A questão palestina, ou um suposto conflito entre árabes e judeus, é acentuada no final do século XIX, mais precisamente a partir do advento do sionismo enquanto ideologia supremacista, desenhada no panfleto publicado por Theodor Herzl em 1896. Ali, o jornalista austríaco defende que a questão judaica somente será resolvida com a criação de um lar nacional judeu, um Estado Judeu.
Haveria, portanto, a necessidade de dispor de uma porção territorial em algum lugar do mundo onde a população judaica estivesse protegida. Esse lar nacional judeu poderia ser instalado na Patagônia argentina, em Uganda ou na Palestina.
Em 1897 foi realizado o Primeiro Congresso Sionista, em Basileia, na Suíça, convocado e presidido por Herzl, que, em seu discurso, assim justificava a criação de um Estado Judeu:
“O mundo ainda deve esperar muito pela paz eterna. Enquanto isso, as nações viverão lado a lado em um estado de relativa paz, garantida por tratados e leis internacionais, mas baseada principalmente na igualdade fundamental entre elas.
Mas é diferente com o povo de Israel. Não existe tal igualdade nas relações das nações com os judeus. A base sobre a qual os tratados e o direito internacional podem ser aplicados está ausente: o respeito mútuo. Somente quando essa base for estabelecida, quando a igualdade dos judeus com outras nações se tornar um fato, o problema judaico poderá ser considerado resolvido.”
Observa-se que aqui o judaísmo não é concebido apenas como uma religião ou etnia, mas como nacionalidade e, como nação, carecia de um Estado nacional. Naquela época, o sionismo, enquanto ideologia, era pouco representativo na comunidade judaica, mas, insuflado pelo imperialismo inglês, com apoio dos governos da França e do governo czarista da Rússia, veio, ao longo do século XX, a se tornar a ideologia dominante capaz de justificar a limpeza étnica e o genocídio do povo palestino até os dias de hoje.
Foi no Primeiro Congresso Sionista de Basileia que se deliberou pela necessidade da instituição de um Estado Judeu na Palestina. Além das razões consideradas históricas e sagradas, a Palestina seria uma “terra sem povo”, portanto, disponível para um “povo sem terra”. Mas todos sabem que havia um povo que habitava aquela terra há milhares de anos.1 Surge, então, a necessidade de povoar a Palestina, desconsiderando o povo que lá existia.
Para viabilizar o empreendimento sionista, foi criado o Fundo Nacional Judeu, com o objetivo de adquirir terras na Palestina para dar início ao processo de colonização, com a finalidade de, ao longo do tempo, constituir uma maioria judaica naquele território. Apesar de todos os esforços, especialmente com a limpeza étnica, esse problema demográfico nunca foi “solucionado” pelos sionistas.
Importante destacar que o antijudaísmo foi uma prática disseminada na Europa ao longo dos últimos séculos. Os judeus não possuíam o direito de se fixar na terra, mesmo na qualidade de servos. No decorrer da Idade Média, sofriam com processos de guetização e expulsão na Rússia czarista e com a proibição do exercício de determinadas profissões por judeus. A título de exemplo, o pai de Karl Marx, Heinrich Marx, de ascendência judaica, foi obrigado a se converter ao protestantismo para poder exercer a profissão de advogado. O imenso processo de perseguição dos judeus na Europa culminou com o Holocausto, executado pelo governo do Terceiro Reich.
Quando governos europeus aderiram ao empreendimento sionista, não tinham por finalidade exatamente proteger a população judaica concedendo-lhe um lar nacional, mas sim expulsar aqueles que consideravam indesejáveis e, principalmente, instituir um enclave imperialista na região.
Ao fim da Primeira Guerra Mundial, com o colapso do Império Otomano, o antigo território foi dividido entre França e Inglaterra, sendo que o território palestino, outrora região administrativa do Império Otomano, passou a ser controlado pelo Mandato Britânico, que se estendeu entre 1920 e 1948.
Sob o mandato britânico, a onda migratória para a Palestina foi intensificada, até porque o objetivo da criação de um Estado Judeu já se encontrava desenhado no acordo secreto Sykes-Picot (ministros do Reino Unido e da França) e na Declaração de Balfour (ministro inglês).
Ao final da Segunda Guerra Mundial e com a revelação do Holocausto judeu, a criação de um Estado judaico ganha força. Finalmente, em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova, com 33 votos favoráveis, 13 contra e 10 abstenções, a Resolução nº 181, que estabelece o plano de partilha do território. Segundo o plano, a região do mandato britânico seria dividida da seguinte forma: 53% para o Estado Judeu e 47% para os árabes. (Na região habitavam 700 mil judeus e 1 milhão e 400 mil não judeus).
Mesmo sem uma deliberação expressa da ONU após o plano de partilha, Ben-Gurion declara a independência de Israel no dia 14 de maio de 1948. No dia seguinte, países da Liga Árabe (Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita) declaram guerra contra Israel, mas o regime sionista vence a guerra e incorpora 50% do território que seria destinado ao Estado Palestino. O Egito ocupa a Faixa de Gaza e a Jordânia ocupa a Cisjordânia. Assim, não resta qualquer território para um hipotético Estado palestino. Desde então, a solução de dois Estados proposta pela ONU vai se mostrar cada vez mais inviável.
A criação do Estado de Israel foi seguida pela Nakba (a grande catástrofe). Cerca de 800 mil palestinos foram expulsos das áreas ocupadas por Israel entre 1948 e 1949. Centenas de aldeias rurais foram dizimadas por milícias sionistas. Milícias como Haganá, Irgun e Lehi em seguida foram incorporadas às Forças de Defesa de Israel. Atualmente, estima-se que o número de refugiados ultrapassa 5 milhões de pessoas.

Em 11 de dezembro de 1948, a Resolução 194 da AG da ONU determina que “os refugiados que desejarem retornar a seus lares e viver em paz com seus vizinhos devem ter permissão de fazê-lo na data mais próxima praticável”. Essa resolução nunca foi cumprida, e seu cumprimento sempre esteve fora de cogitação para o regime sionista.
O povo palestino resistiu como pôde. Uma das forças militares surgidas após a Nakba foi a organização dos Fedayin, militantes de orientação nacionalista que buscavam a independência da Palestina. Em 1958, a pretexto de combater os Fedayin, Israel tomou a Península do Sinai do Egito, com apoio do Reino Unido e da França. O verdadeiro motivo, além do expansionismo sionista, era garantir a navegação no Estreito de Tiran, para preservar os interesses dos grandes empresários do Ocidente.
Em 1967, eclode mais uma guerra entre Israel e Egito, conhecida como Guerra dos Seis Dias. Alegando um futuro ataque do Egito, Israel, em pouquíssimo tempo, destrói praticamente toda a força aérea do inimigo e, em seguida, ocupa a Faixa de Gaza (até então ocupada pelo Egito), a Cisjordânia (ocupada pela Jordânia) e as Colinas de Golã (até então território sírio). Israel ainda ocupou Jerusalém Oriental.
A paz com o Egito foi selada em 1979, por meio dos Acordos de Camp David, mediados pelo presidente dos EUA, Jimmy Carter, e chancelados por Anwar Sadat, presidente do Egito, e pelo primeiro-ministro israelense Menachem Begin. Apesar de os acordos garantirem aos três mandatários o Nobel da Paz, a questão palestina foi pouco considerada. Ficou previsto apenas que haveria uma autonomia palestina na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, mas nenhuma palavra a respeito da constituição de um Estado Palestino.
Finalmente, em 1993 e 1995, foram assinados os Acordos de Oslo (Oslo I e Oslo II), pela primeira vez com a presença de um representante palestino: o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat. Do lado israelense encontrava-se o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin. Rabin foi assassinado em 1995 por um fanático sionista. Desta vez, o acordo foi mediado pelo então presidente dos EUA, Bill Clinton. Mais uma vez, os três protagonistas foram agraciados com o Nobel da Paz, embora a paz nunca tenha chegado.
Entre os principais pontos acordados em Oslo, ficou definido que:
a) as Forças de Defesa de Israel se retirariam da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, que seriam governadas pela recém-criada Autoridade Palestina. Isso não significava a criação de um Estado Palestino;
b) o autogoverno da Cisjordânia seria dividido da seguinte forma: Área A, controlada pela Autoridade Palestina; Área B teria controle civil da AP e controle militar de Israel; e Área C, totalmente controlada por Israel.
Norman Finkelstein, citando Edward Said, que, após Oslo, rompe com Arafat, tece as seguintes considerações a respeito do Acordo:
“Na realidade, a OLP dá legitimidade à pretensão israelense de deter atuais direitos na Cisjordânia e em Gaza, assim como às ‘reivindicações ou posições’ rejeicionistas de Israel, inclusive aquelas que negavam aos palestinos o direito de soberania na Cisjordânia e em Gaza, que assim não precisaria ser ‘abandonado ou adiado’. O direito amplamente reconhecido dos palestinos aos territórios ocupados ficava agora em pé de igualdade com o direito amplamente negado de Israel a eles. ‘A Cisjordânia e Gaza’, escreveu Said, ‘tornaram-se agora territórios disputados’. Desse modo, com a ajuda dos palestinos, Israel passou a contar com um direito pelo menos igual de reivindicá-los. Até então algo que não cabia discutir, a retirada israelense passaria agora a estar sujeita ao toma-lá-dá-cá das ‘negociações sobre o status permanente’. Com os palestinos de um lado, e Israel e os Estados Unidos do outro, não é preciso muita imaginação para prever quem vai dar e quem vai tomar.”2
De qualquer forma, os Acordos de Oslo não possibilitaram a real soberania e autodeterminação dos palestinos, com a criação de um Estado. No ano de 2005, o Fatah, corrente majoritária na OLP, vence as eleições na Cisjordânia, enquanto o Hamas vence na Faixa de Gaza. Um grupo não reconhece o outro. Territórios fragmentados passam a ser governados por forças inconciliáveis.
Nos anos que se seguiram a Oslo, a opressão israelense se intensificou nos territórios palestinos, onde o povo respondeu com duas Intifadas, cujo desenvolvimento não cabe neste texto.
Após o ataque do Hamas em 2023 e a resposta genocida do regime sionista, a solução dos dois Estados parece cada vez mais distante. Como escreveu Ilan Pappé, “a solução de dois Estados é como um cadáver retirado de tempos em tempos do necrotério, vestido com roupas bonitas e apresentado como ente vivo”.3

Um Estado Palestino com território fragmentado mostra-se bastante inviável, mas a principal razão do problema da solução dos dois Estados é a própria existência do Estado israelense. O que de fato inviabiliza tal solução é aquilo que está na base do sionismo, o fundamento de Israel enquanto Estado: uma terra sem povo para um povo sem terra. O regime sionista nega, sempre negou, a existência dos palestinos enquanto povo, independentemente do governo de plantão. Desde sua fundação, até a década de 1970, Israel foi governado pelo Partido Trabalhista. Posteriormente, a direita foi tomando conta da política israelense até atingir a figura deplorável de Netanyahu. Mas não há diferença de fundo entre sionistas. Todos defendem um Estado Judeu, que se viabiliza e sobrevive, ao longo dos últimos 77 anos, apenas e tão somente com a expulsão do povo palestino de suas terras, com a subjugação desse povo e com o extermínio, hoje assistido ao vivo e em cores.
Notas e Referências
- A demografia do território palestino, governado pelo Império Otomano era representada, do ponto de vista religioso, por cerca 85% de muçulmanos, 10% de cristãos e 5% de judeus. ↩︎
- FINKELSTEIN, Norman G. Israel-Palestina. Imagem e realidade do conflito. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 284. ↩︎
- PAPPE, Ilan. Dez mitos sobre Israel. Rio de Janeiro: Editora Tabala, 2017. p. 216. ↩︎
Organização Comunista Internacionalista (Esquerda Marxista) Corrente Marxista Internacional