A plataforma de Lula-Alckmin e a educação que o proletariado precisa

Na disputa das eleições presidenciais, a chapa Lula-Alckmin apresentou como plataforma política um documento chamado “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil”. Essa plataforma, apoiada por partidos de esquerda reformistas, como PT e o PCdoB, e por partidos burgueses, como o PSB e a REDE, tem como base a perspectiva de “unidade nacional”, que busca aglutinar demandas aparentemente proletárias com outras efetivamente liberal-burguesas.[1] O resultado é uma plataforma estéril quando o assunto é atender às demandas reais do conjunto da classe trabalhadora.

Alguns exemplos do teor dessa plataforma política: as palavras ou expressões “socialismo”, “estatização” e “dívida pública” não aparecem sequer uma vez em todo o documento de 21 páginas e 121 parágrafos. A ideia de “revogação” aparece somente quando se fala em buscar revogar “os marcos regressivos da atual legislação trabalhista” e não a reacionária contrarreforma em sua integridade. Ou seja, não se fala em revogação das contrarreformas do ensino médio, da previdência, trabalhista etc. mas de combater aspectos dessas medidas, sejam quais forem eles.

Essa perspectiva de conciliação e “reconstrução nacional” que permeia o documento, também é a base do programa sobre educação apresentado pela chapa Lula-Alckmin.

Na plataforma da candidatura, o tema da educação aparece principalmente em dois parágrafos (não há capítulo ou seção específica para a educação):

“21. O país voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas e sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual governo. Para os alunos que ficaram defasados devidos às inúmeras limitações, materiais, pedagógicas ou tecnológicas, durante a crise sanitária, afirmamos o compromisso do novo governo com um programa de recuperação educacional concomitante a educação regular, para que possam superar esse grave défcit de aprendizagem. A educação é investimento essencial para fazer do Brasil um país desenvolvido, independente e igualitário, mais criativo e feliz”.

22. O nosso objetivo é resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado. Para participar da sociedade do conhecimento, é fundamental o resgate de um projeto de educação que dialogue com o projeto de desenvolvimento nacional. Para isso, é preciso fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais”.

Salientaremos aqui três pontos desse trecho:

  • O país voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação

Aqui é importante precisar que a educação básica, de acordo com a LDB, vai até o ensino médio e não até o ensino superior, como sugere a frase. Porém, o centro a destacar é a ideia de “volta ao investimento” na educação de qualidade. O que isso significa? Construção de escolas e universidades públicas? Ou o fortalecimento do PROUNI e do FIES, como forma de favorecimento dos tubarões da educação privada? Além disso, o que precisa ser discutido não é “fortalecer” a educação básica. A discussão começa pela simples garantia do direito à educação da creche à pós-graduação, o que sabemos ainda hoje estar longe de ser verdade. 

  • Retomada do Plano Nacional de Educação (PNE) eeducação [como] investimento essencial para fazer do Brasil um país desenvolvido, independente e igualitário, mais criativo e feliz.”

O PNE foi aprovado em 2014, estabelecendo metas para a educação de 2014 a 2024. Conforme apontado em texto escrito na época da aprovação do PNE, mesmo se as metas fossem cumpridas e o investimento prometido fosse alcançado,

“[…] tal investimento não será exclusivamente destinado à educação pública. O PNE amplia a noção de púbico e inclui nesse percentual, os recursos destinados a financiar através de isenções, bolsas e parcerias com a iniciativa privada, programas como: Universidade para Todos (ProUni); Fundo de Financiamento Estudantil (FIES); Ciência sem Fronteiras; Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); Lei de Inovação Tecnológica; creches conveniadas, entre outros. […]

A noção de ‘público’ adotada pelo PNE segue, em linhas gerais, a orientação proposta pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 1995 os países membros da OMC assinaram o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS, ou GATS em inglês), com a finalidade de “liberar progressivamente os serviços”, entre os quais, a educação. Ou seja, privatizar os serviços públicos e compartilhar com a iniciativa privada a oferta dos direitos sociais (educação, saúde, habitação, saneamento, entre outros). Estimulando a criação e desenvolvimento de empresas que comercializam direitos sociais, como educação e saúde, e as famosas parcerias público-privadas”.

Ou seja, aqui vemos o que a plataforma quer dizer quando utiliza palavras como “retomada” e “reconstrução”: trata-se de reconstruir um modelo de financiamento público-privado dos serviços públicos. Isso significa manutenção das terceirizações, privatizações, de desvio sistemático de verba pública à iniciativa privada.

Sobre a retomada do PNE, vale ainda dizer: faltam dois anos para o prazo estabelecido e estamos ainda longe mesmo das proposições mais modestas do plano. Relatório publicado em 2021 pela “Campanha Nacional pelo Direito à Educação” mostra que, das 20 metas do PNE, somente 5 foram parcialmente cumpridas, enquanto outras 15 têm chance praticamente nula de alcançarem os objetivos estipulados.

A meta 20, por exemplo, que estabelece mínimo de 10% do PIB para a educação, está longe de ser atingida. De acordo com o “Anuário Brasileiro da Educação Básica”, o pico do investimento brasileiro na educação em relação ao PIB, de 2014 a 2017, foi 6,3% e de lá para cá o que vimos foram somente reduções do orçamento executado à pasta da educação. De 2017 até agora, o país acumula 5 anos seguidos de reduções no orçamento educacional.

As metas do PNE deveriam ser cumpridas em 2024. Contudo, como vemos, a meta 20, da qual dependem todas as outras, tem sofrido redução sistemática! Cabe ressaltar: mesmo que essa meta fosse atingida, ainda assim seria um percentual bastante baixo e insuficiente perto das urgentes necessidades da educação brasileira. E isso, reforçamos, considerando que esses 10% seriam em parte abocanhados pela iniciativa privada.  

  • “O nosso objetivo é resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado […] fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais.

É correto afirmar que durante os governos Temer e Bolsonaro houve ligeira redução do investimento na educação. Porém, o nó górdio do problema educacional sob o capitalismo não se reduz ao não cumprimento da meta 20 do PNE. 

Os trechos acima destacados falam da necessidade de “fortalecer os princípios do projeto democrático de educação” que teria sido “desmontado e aviltado”. Porém, o que exatamente querem reconstruir ou fortalecer aqui? Que projeto democrático? Na maior rede de ensino para crianças e jovens do país, a rede estadual paulista, vigora o autoritarismo. Gestões escolares mais parecem capitães do mato contra professores e estudantes em prol da aplicação das políticas governamentais.  Além disso, vemos o avanço de projetos autoritários, privatistas e excludentes, como as Escolas de Tempo Integral, que são parte do processo de implementação da Reforma do Ensino Médio a qual a chapa Lula-Alckmin não propõe revogar. Afinal, a meta 6 do PNE propõe justamente que 50% das escolas brasileiras sejam integrais, independente do modelo que se aplique.

E sobre retomar a situação anterior da educação básica: do que se está falando? Retomar a mesma situação anterior de escolas precarizadas, professores mal pagos, planos de carreira vergonhosos, dentre tantas outras mazelas sofridas pelo proletariado que faz uso das escolas públicas? Ou buscar a escola pública, gratuita e para todos que almejamos? Que garanta educação pública a toda a juventude proletária da educação infantil ao ensino superior? Que garanta, de fato, pleno desenvolvimento humano?

Não se trata de “fortalecer”, mas de garantir o que nunca foi, de fato, garantido. Porém, a conquista de uma educação verdadeiramente pública, gratuita e para todos não pode ser alcançada com 6% ou mesmo 10% do PIB para a educação. Para isso, o centro deveria ser o combate à dívida pública fraudulenta que pilha os recursos públicos dos países dominados. Há um sistema de auto endividamento perpétuo imposto pelo capital financeiro que consome a maior parte dos recursos produzidos pela classe trabalhadora. Só em 2021 mais de 50% do orçamento público brasileiro foi consumido por essa dívida, impedindo qualquer iniciativa no sentido de garantir qualquer serviço público de qualidade ao conjunto da população.

Devemos apoiar criticamente a chapa Lula-Alckmin nestas eleições. Contudo, independente do resultado, precisamos ter como perspectiva que a juventude e a classe trabalhadora terão que se organizar contra a continuidade de políticas de austeridade e de parcerias público-privadas de interesse do capital. Em um governo de conciliação de classes, como os do PT, sempre prevalecem os interesses da classe dominante. Assim, cabe a nós continuar na luta pela organização proletária na linha da independência de classe, pelo fim do pagamento da dívida pública, por educação pública gratuita e para todos, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!


[1] Apoiam a chapa “Vamos juntos Brasil” os seguintes partidos: PT, PSB, PCdoB, PV, PSOL, REDE, SOLIDARIEDADE, AVANTE e AGIR.