A PM no campus da UNICAMP é só mais uma das práticas autoritárias

Publicamos abaixo um texto divulgado pelos estudantes que estão realizando a ocupação da Reitoria da Unicamp. Tratando de um ex estudante, Márcio Carvalho, que cometeu suicídio depois de tantas arbitrariedades desta sociedade capitalista, expressas pelos ataques sofridos pela repressão da Unicamp após a ocupação da moradia em 2011.

Publicamos abaixo um texto divulgado pelos estudantes que estão realizando a ocupação da Reitoria da Unicamp. Tratando de um ex estudante, Márcio Carvalho, que cometeu suicídio depois de tantas arbitrariedades desta sociedade capitalista, expressas pelos ataques sofridos pela repressão da Unicamp após a ocupação da moradia em 2011.

A Esquerda Marxista se solidariza à ocupação da Reitoria contra a PM no campus e contra as medidas repressivas e criminalizantes. Por isso, saúda a iniciativa dos estudantes de nomear a presente ocupação da Reitoria com o nome do estudante, querido por todos, que foi vítima da violência do Estado burguês! A luta de todos deve ser para dar fim aos entulhos herdados da ditadura e pôr fim à polícia militar.

Quem é Márcio R. Carvalho

Estudantes ocupantes da UNICAMP

Estudante de Doutorado em Sociologia na Unicamp, militante dos movimentos LGBT e estudantil, Márcio Ricardo de Carvalho foi vítima de um processo de sindicância e punição na Unesp e também na nossa universidade, a Unicamp. Isso desencadeou uma série de eventos em sua vida que culminou em seu suicídio no dia 16 de fevereiro deste ano. Decidimos, em função da sua luta política e das punições que ele sofreu, numa plenária batizar esta ocupação com seu nome. Trata-se de uma homenagem e da perpetuação de uma memória de luta.

Em 3 de março de 2011, após o despejo de um aluno da moradia da Unicamp, vários estudantes ocuparam a administração da moradia reivindicando melhorias moradia estudantil e aumento das vagas, além da saída da polícia do campus e da moradia [1]. Apesar das tentativas, não houve qualquer tipo de negociação. A Polícia Militar retornou à moradia no dia 25 para efetuar uma reintegração de posse e os estudantes abandonaram o prédio.

Nesse contexto, acontecia na USP também uma ocupação da reitoria pelos estudantes. Esse fato, embora pareça distante da Unicamp tem uma relação. Após a entrada da PM na USP e a punição dos estudantes que ocuparam a reitoria da USP, a reitoria da Unicamp estava politicamente fortalecida para também realizar punições: foi iniciado um processo de sindicância sobre a ocupação da moradia. Abalado pelos rumos do processo, Márcio, que era pobre e que dependia de sua bolsa de doutorado para sobreviver e sustentar a família (inclusive sua mãe, que estava de cama devido a um AVC) tentou cometer suicídio. Isso impediu que ele pudesse comparecer ao processo de sindicância, sendo julgado à revelia mesmo com a reitoria sabendo do motivo de sua ausência, o que é inconstitucional.

Apesar disso, Márcio recebeu uma suspensão de seis meses, juntamente a outros quatro estudantes, a partir do dia 2 de fevereiro de 2012. Isso fez com que ele perdesse a bolsa e acumulasse dívidas e problemas pessoais. Em 2013, mudou-se para Rondonópolis, MT, para trabalhar como professor, chegando lá o salário era bem abaixo do combinado. Segundo ele, era uma cidade bem conservadora onde não poderia expressar lá a sua sexualidade. Longe do ambiente familiar da Unicamp, jogou-se do prédio onde estava hospedado e faleceu.

O regimento disciplinar que foi base para o seu julgamento ainda está presente no Estatuto da Unicamp e data da época do AI5 (oriundo da ditadura militar). Tal regimento disciplinar penaliza estudantes por “indisciplina” ao realizar qualquer ato tido como organização política, entre outras coisas, tornando-se, inclusive, inconstitucional. Não à toa, em vez de falar dos estudantes, o relatório do processo difama o movimento estudantil e afirma que tais estudantes devem ser punidos por serem “questionadores” e por terem destruído cadeiras que estavam separadas para descarte. O CONSU, apesar do evidente caráter político e persecutório desta punição, decidiu não revogá-la. [2]

A vida de Márcio e sua decisão final são um perfeito exemplo do motivo pelo qual nós somos contrários aos processos de sindicância da Unicamp e também à PM. A burocracia do CONSU e do estatuto, assim como a PM, são heranças da ditadura e causaram a morte de Márcio, assim como a falta de suporte a festas e efetivação de um projeto de segurança humanizado por parte da reitoria causou a morte de Denis.

Esperamos que a memória de Márcio permaneça e que nos incentive a continuar lutando.

Parafraseando o movimento zapatista:

“Márcio é gay em São Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal, radialista livre da rádio muda, artista sem galeria e sem portfólio, dona de casa num sábado à tarde, jornalista nas páginas anteriores do jornal, aluno questionador em sindicância, mulher sem ônibus noturno na Unicamp, camponês sem terra, editor marginal, operário sem trabalho, escritor sem livros e sem leitores e, sobretudo, ocupante na Unicamp. Enfim, Márcio é um ser humano qualquer neste mundo. Márcio é todas as minorias intoleradas, oprimidas, resistindo, exploradas, dizendo “Já basta!” Todas as minorias na hora de falar e maiorias na hora de se calar e aguentar. Todos os intolerados buscando uma palavra, sua palavra. Tudo que incomoda o poder, este é Márcio.”

[1] http://ocupacaomoradiaunicamp.blogspot.com.br/2011/03/em-defesa-da-moradia-estudantil-da_05.html
[2] http://www.cameraweb.rei.unicamp.br/videos_consu_cad_cepe/consu/2012/consu-10042012/consu_10042012_1_.rm
http://www.cameraweb.rei.unicamp.br/videos_consu_cad_cepe/consu/2012/consu-10042012/consu_10042012_2_.rm