Com a promulgação da Constituição de 1988 inaugura-se uma nova época na história brasileira: a Nova República. Foi um grande pacto nacional no qual a classe dominante e suas frações se viram obrigadas a fazer algumas concessões em termos de direitos sociais para evitar que a classe trabalhadora pudesse construir por si mesma um novo regime político e econômico após o fim da Ditadura Militar.
Dessa forma, o capitalismo brasileiro ganhou uma capa democrática e ergueu instituições políticas e jurídicas para governar as relações sociais, garantindo o direito à propriedade privada dos meios de produção, que é a pedra-de-toque de qualquer regime burguês. Ao mesmo tempo, estabeleceu em lei alguns direitos básicos, por pressão das massas, entre eles, o direito à educação pública, o direito à moradia e à previdência.
Não precisa ser nenhum gênio para constatar que todos os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988 ou nunca se concretizaram na realidade, ou viraram letra morta ou ou foram (e são) constantemente atacados. Assim, o que a burguesia concedeu com uma mão, ao longo das décadas seguintes procurou retirar. Entra governo, sai governo e o fundamental é continuar as tarefas definidas pelo “mercado”, ou seja, garantir e proporcionar o máximo de lucro que seja possível extrair do proletariado brasileiro e de nossas riquezas naturais para um punhado de bancos, grandes empresas nacionais e internacionais e latifundiários. Como veremos brevemente a seguir, é isso que está acontecendo com a previdência pública.
A Seguridade Social
Primeiramente, é preciso compreender que, pela Constituição, a previdência é um dos três itens que constituem a seguridade social. Os outros são saúde e assistência. Além de inseri-los dentro de um mesmo conceito, o da proteção à vida humana desde a maternidade até a velhice, em caráter universal, ou seja, para todos, o Estado definiu regras para viabilizar a seguridade social, ou seja, estabeleceu uma série de impostos e fontes variadas de financiamento, das quais destacamos:
- Contribuição incidente sobre os salários dos trabalhadores;
- Contribuição patronal incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
Sobre o lucro das empresas incide, por exemplo, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Mas há também impostos que incidem sobre o consumo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que afeta proporcionalmente muito mais os trabalhadores do que os patrões e que é uma generosa fonte federal de recursos. Há também uma série de outras fontes de arrecadação menores, mas importantes, como uma alíquota cobrada sobre o importador de bens e serviços do exterior ou sobre todos os jogos de loteria do país.
Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, a arrecadação total para a Seguridade Social no ano de 2015, por exemplo, foi de mais de R$ 694 bilhões e os gastos totais com benefícios previdenciários, assistenciais, com a saúde pública, para o FAT e outras despesas ficaram na casa de R$ 683 bilhões, ou seja, um superávit de mais de R$ 11 bilhões!
Aliás, não é à toa que existe hoje um mecanismo chamado Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite ao governo pegar recursos vinculados a uma pasta e destiná-los a outros fins.
Portanto, o escândalo que os governos e a mídia fazem em torno do tal déficit da previdência é simplesmente fabricado. Isso porque desconsidera arbitrariamente uma série de recursos que compõem a seguridade social. Também pois reduz a discussão em torno apenas do que é repassado pelas contribuições patronais e de trabalhadores, incidentes sobre a folha de pagamento e os salários, em comparação ao que é pago em forma de aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários. Veremos também como e porque esse “déficit” fabricado vem aumentando absurdamente ano após ano.
Resta explicar ainda quais eram as regras para o trabalhador conseguir se aposentar. De 1988 até 1998, poderiam requerer aposentadoria quem atingisse 25 anos de tempo de serviço se mulher e 30 anos de serviço se homem. Não havia idade mínima para se aposentar, mas o trabalhador só receberia aposentadoria integral se trabalhasse no mínimo até os 50 anos se fosse mulher e 55 anos se fosse homem. Caso se aposentasse antes dessas idades, o trabalhador teria direito a uma aposentadoria proporcional.
É importante explicar esses critérios antigos porque os diferentes governos da Nova República propuseram alterações sobre essas regras. Eles explicavam que as únicas maneiras de solucionar o déficit fabricado por eles mesmos seria cobrar mais dos trabalhadores ativos e inativos, dificultar o acesso à aposentadoria e reduzir o valor recebido pelos segurados!
Vale destacar ainda que esses critérios eram válidos para quem estivesse vinculado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Os servidores públicos estão vinculados a um Regime Próprio de Seguridade Social (RPSS), seja da União, dos Estados ou dos municípios e sofreram um primeiro ataque em 1993, quando foi instituída uma cobrança sobre os salários e sobre a folha de pagamento dos entes públicos para custear as aposentadorias, tal qual a do RGPS.
FHC e a Emenda Constitucional 20
Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) apresentou o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) número 20. Após sofrer alterações pelo Congresso, acabou por ser aprovado e fixou uma idade mínima para requisitar aposentadoria integral por tempo de contribuição: 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Aliás, o conceito de tempo de serviço foi substituído pelo de tempo de contribuição, prejudicando sobremaneira os trabalhadores rurais e os que atuam na informalidade (sem carteira assinada). Para requerer a aposentadoria no valor máximo possível, o trabalhador tem que comprovar 30 anos de contribuição para o RGPS se for mulher e 35 anos se for homem, senão somente se aposenta por idade. Além disso, estabeleceu um teto, um valor máximo de aposentadoria a ser pago pelo INSS aos segurados, que hoje está em torno de R$ 5.800,00.
Para piorar, criou o fator previdenciário:
“A aposentadoria por tempo de contribuição com fator previdenciário leva em conta apenas o tempo que o segurado contribuiu para que ele possa pedi-la. Para conseguir essa aposentadoria, é preciso ter 35 anos de contribuição, no caso dos homens, e 30 anos, no das mulheres. Isso não depende da idade que a pessoa tem. Para calcular o valor que o aposentado vai receber, nesse caso, é feita uma média dos 80% maiores salários que ele recebeu desde julho de 1994, ajustado pela inflação. O resultado dessa conta é o que seria a aposentadoria integral. Esse valor da aposentadoria integral vai ser multiplicado pelo fator previdenciário e o resultado dessa multiplicação vai ser o valor da aposentadoria que a pessoa deve receber.
A fórmula usada para chegar ao fator previdenciário leva em conta o tempo de contribuição até o momento da aposentadoria, a idade do trabalhador na hora da aposentadoria e a expectativa de anos que ele ainda tem de vida, além da alíquota, que é fixa e atualmente é de 0,31”. Fonte UOL Economia
Quem não consegue comprovar todo esse tempo de contribuição pode requerer a aposentadoria por idade se tiver 60 anos se for mulher e 65 anos se for homem. Mesmo assim, era preciso ter comprovado ao menos 10 anos de tempo de contribuição (hoje já está em 15 anos). O valor a receber é de 70% da aposentadoria integral + 1% para cada ano de contribuição, podendo chegar a 100% se o trabalhador contribuiu por 30 anos (70% + 30%). Os anos de contribuição a mais são simplesmente descartados.
Assim, em uma tacada só, FHC dificultou o acesso à aposentadoria para todos e prejudicou principalmente os trabalhadores mais pobres. Esses começam a trabalhar mais cedo, contribuem por mais tempo, mas têm uma expectativa de vida que, muitas vezes, não chega aos 55 ou 60 anos requeridos como idade mínima. Portanto, se veem obrigados a se aposentar por tempo de contribuição com o fator previdenciário. Reduzem assim uma boa parte do que tinham direito. Já os trabalhadores mais qualificados, com expectativa de vida um pouco mais alta, com muito suor e problemas de saúde, até conseguem cumprir com os requisitos, mas na “Hora H” veem seus proventos reduzidos ao teto do INSS.
Lula e a noite da vergonha
Em 2003, foi a vez de Lula apresentar uma proposta de reforma da previdência. A Emenda Constitucional 41 atingia principalmente os servidores públicos, demonizados pela propaganda governamental e pela mídia como privilegiados e culpados pelas distorções (déficit) na previdência. Vergonhosamente, Lula dividiu os trabalhadores entre setor privado e setor público para forçar a redução dos direitos dos servidores, para tentar igualar por baixo os regimes de aposentadoria.
Com o auxílio da CUT, os trabalhadores do setor privado quase não se mobilizaram e o governo conseguiu isolar os servidores. Mesmo frente a essa traição de classe, os servidores públicos de todas as esferas se mobilizaram e conseguiram ganhar a simpatia de boa parte da população. Para o dia em que estava marcada a votação do projeto, milhares de trabalhadores, de todas as partes do país, saíram em caravana rumo à Brasília para pressionar o Congresso. Porém, a grande maioria dos deputados decidiu estender a sessão do dia anterior e votaram a PEC na calada da noite. Foi a noite da vergonha: os deputados votaram e fugiram de Brasília antes da chegada da caravana!
A reforma da previdência de Lula extinguiu a paridade entre ativos e inativos: um duro golpe contra os aposentados! Até então, o reajuste concedido aos servidores da ativa era automaticamente repassado aos inativos. Lula também estabeleceu um desconto previdenciário sobre aposentadorias e pensões que ultrapassassem o teto do RGPS e para o servidor fazer jus à aposentadoria integral deveria somar 30 anos de contribuição se fosse mulher e 35 anos se fosse homem e ter ao menos 25 anos de serviço público, 15 anos na carreira e 5 no cargo em que se der a aposentadoria. Estabeleceu também as mesmas idades mínimas do RGPS: 55 anos para mulheres, 60 anos para homens.
Outra medida relacionada à reforma do governo Lula diz respeito à criação de institutos de previdência próprios dos servidores (quando eles não existiam). Ou seja, os poderes executivos municipais, estaduais e o executivo federal deveriam criar uma figura jurídica nova para gerir a previdência dos servidores. Assim, a previdência sairia da esfera de responsabilidade da administração direta para as mãos desses institutos, como o Sampaprev, por exemplo. A justificativa era dar mais “autonomia” para a gestão desses recursos e chamar os representantes dos trabalhadores para participarem da administração desses institutos. Ou seja, integrar o movimento sindical ao Estado e responsabilizar juridicamente os representantes eleitos dos trabalhadores.
Outra medida do governo Lula que impactou negativamente a previdência foi a política desenfreada de desoneração da folha de pagamento, principalmente após o estouro da crise econômica de 2008/2009 e que continuou durante os governos de Dilma e de Michel Temer. Além de presentear os grandes grupos empresariais, sem nenhuma contrapartida social, essa política de renúncia fiscal deixou de arrecadar bilhões de reais para a previdência! Assim, além de fabricar o déficit, os governos ampliaram esses números ao abrir mão da arrecadação patronal e ainda têm a cara de pau de alardear o crescente, o insustentável “rombo” da previdência!
Dilma e o estelionato eleitoral
Em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, a discussão sobre o fim do famigerado fator previdenciário voltou novamente à tona, mas ao invés de extingui-lo, o governo e o Congresso inventaram uma nova regra, chamada de Fórmula 85/95. Com o propósito de “rivalizar” com o fator previdenciário, a fórmula prevê que o trabalhador poderá solicitar aposentadoria integral se a soma do tempo de contribuição mais a idade do segurado for de 85 para mulheres e 95 para os homens. E, claro, assim como o fator previdenciário procura inserir no cálculo da aposentadoria a expectativa de vida do trabalhador (e quanto maior for, menor será o valor recebido), a fórmula 85/95 é progressiva. Em 2019, por exemplo, a soma do tempo de contribuição mais idade deverá ser 86 para as mulheres e 96 para os homens e assim sucessivamente até 2026, quando a fórmula será de 90/100!
A proposta não substituiu o fator previdenciário e não melhorou as condições para aquisição da aposentadoria como um todo. Apenas criou outra modalidade, uma nova opção, para o trabalhador avaliar qual será a menos pior!
Mas, o ruim mesmo veio antes. Nas eleições de 2014, Dilma prometeu em campanha que não mexeria nos direitos dos trabalhadores: “nem que a vaca tussa”, completou. Após um acirrado segundo turno com Aécio Neves (PSDB), ocorrido em outubro, Dilma se reelege e, em dezembro, emite duas Medidas Provisórias: as MPs 664 e 665. As medidas promoveram uma série de alterações nas regras do seguro-desemprego, abono salarial, seguro-defeso, pensão por morte, auxílio-doença e auxílio-reclusão e causaram impactos consideráveis sobre a vida de milhões de brasileiros.
Por prometer uma coisa na campanha e fazer outra depois de eleita, classificamos na época esse crime como um estelionato eleitoral. Não foi à toa, portanto, muito menos culpa de uma suposta “onda conservadora”, que as massas não saíram às ruas para defender o mandato de Dilma, no processo de impeachment em 2016.
Temer e seu projeto fracassado
Durante o breve período em que Temer se apossou da cadeira presidencial, tentou acelerar e aprofundar os ataques que já vinha ocorrendo e, entre outras medidas, apresentou uma proposta de reforma trabalhista e uma de reforma da previdência.
Os projetos ensejaram uma onda de repúdio. Temer chegou a ter apenas 3% de aprovação, segundo pesquisas de opinião. Uma greve geral por tempo indeterminado para derrotar as propostas e derrubar o governo se colocava na ordem do dia. Pressionadas, as centrais sindicais definiram por um dia de greve geral em 24 de abril de 2017. Mesmo sem uma preparação adequada por parte dos dirigentes sindicais, a classe trabalhadora se ergueu de norte a sul do país e paralisou parcial ou totalmente os meios de produção e de transporte, bem como os serviços públicos. Enormes manifestações tomaram as ruas das principais cidades.
Em maio, nova manifestação. Uma marcha à Brasília. Mais de 100 mil trabalhadores e jovens protestaram pelas ruas da capital federal e se enfrentaram durante horas com uma repressão brutal.
As centrais sindicais, em particular a CUT, no entanto, enveredaram para o caminho da negociação com o governo. Esperavam poder manter assim o imposto sindical, que a reforma trabalhista propunha acabar. Pagaram caro por mais essa traição, por colocarem os interesses da estrutura sindical à frente dos interesses dos trabalhadores: a reforma trabalhista acabou sendo aprovada e extinguiu o imposto sindical. Mais caro ainda estão pagando os trabalhadores mais pobres, com menos escolaridade e os jovens que entram no mercado de trabalho. Esses são os setores mais afetados com os diferentes tipos de subcontratação, precarização e terceirização total previstos na reforma. Sem acesso a empregos com registro formal, é praticamente impossível contribuir para o RGPS. Assim, milhares de trabalhadores estarão condenados a morrer sem fazer jus ao direito à aposentadoria.
Já a reforma da previdência não foi adiante. Com o governo Temer muito enfraquecido politicamente, derrotado pela classe trabalhadora, cambaleando no cargo, boa parte dos congressistas não quis se arriscar a votar um projeto tão impopular quanto esse, ainda mais às vésperas de uma nova eleição.
Bolsonaro se prepara para atacar
Neste início de ano foi protocolado na Câmara de Deputados a Proposta de Emenda Constitucional 06/2019, que prevê mais uma reforma. Elaborada pela equipe econômica do governo Jair Bolsonaro, liderada pelo Ministro da Fazenda Paulo Guedes, a proposta é o maior ataque da história da Nova República contra a previdência pública!
O projeto atinge duramente os trabalhadores do setor público e privado e deixa de fora os militares e os ocupantes de cargos públicos eletivos, isto é, os políticos.
Entre as principais alterações, destaca-se*:
- Aumento da idade mínima para 62 anos para mulheres e 65 para homens;
- Fim da aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, mesmo que o trabalhador tenha contribuído por 30 ou 35 anos, somente poderá se aposentar se tiver atingido a idade mínima;
- Aumento do tempo de contribuição mínimo para 20 anos (atualmente está em 15 anos), ou seja, mesmo que o trabalhador tenha atingido a idade mínima, se não tiver contribuído por 20 anos, não se aposentará!
- Mudança no cálculo para definir a aposentadoria integral. Atualmente, considera-se aposentadoria integral o valor correspondente à 70% da média dos 80% maiores salários + 1% a cada 12 contribuições (na aposentadoria por idade) ou a média dos 80% maiores salários (na aposentadoria por idade + tempo de contribuição). Isso já é absurdo, pois aposentadoria integral deveria ser o valor do último salário da ativa. Agora, o texto diz que em caso de 20 anos de contribuição o trabalhador tem direito a 60% do valor do benefício + 2% a cada 12 contribuições. Para receber 100% do valor do benefício é necessário, portanto, 40 anos de contribuição!
- A atual aposentadoria por invalidez, cujo valor do benefício é a média dos 80% maiores salários passa a se chamar aposentadoria por incapacidade permanente e o valor do benefício cai para 60% da média de todos os salários se o tempo de contribuição for igual ou menor que 20 anos. A cada ano extra de contribuição + 2% do valor do benefício. Se a incapacidade decorrer de acidente ou doença do trabalho, o valor do benefício será a média de todas as contribuições. Na prática, reduz-se o valor do benefício.
- Redução do valor para o Benefício de Prestação Continuada. Na regra atual: um salário mínimo para pessoas com deficiência e idosos com renda familiar per capita inferior a ¼ de salário mínimo. A proposta de Bolsonaro/Paulo Guedes muda a regra apenas para idosos: a partir de 60 anos R$ 400,00, que progressivamente irá subir até chegar a um salário mínimo aos 70 anos. Além da renda familiar per capita inferior a ¼ de salário mínimo, patrimônio inferior a R$ 98 mil. É para deixar o idoso pobre morrer à míngua mesmo!
- Na regra atual, é possível acumular pensão e aposentadoria, assim como benefícios do RGPS e do RPSS. Na PEC 06, o segurado terá direito a apenas 100% do valor do maior benefício + % da soma dos demais benefícios (20% se essa soma for de 3 a 4 salários-mínimos (SM); 40% se essa soma for de 2 a 3 SM; 60% se essa soma for entre 1 a 2 SM; 80% se essa soma for até 1 SM). A redução do valor, nesse caso, prejudica sobremaneira as mulheres idosas, que são as que mais recebem pensões, já que a expectativa de vida dos homens é menor do que a das mulheres.
- Sobre o percentual de desconto nos salários dos trabalhadores para a previdência. Na regra atual existem três alíquotas no regime geral (8%, 9% e 11%). A PEC estabelece alíquotas de 7,5% a 11,68% para o setor privado e de 7,5% a 19% no setor público, de acordo com a faixa salarial, o que representa uma cobrança efetiva que vai de 7,5% a 11,68% no setor privado e de 7,5% a 16,79% no setor público. A regra proposta pode até beneficiar quem ganha menos, em relação aos atuais 8% de alíquota mínima, mas o desconto sobre os salários medianos (como o de um operário especializado ou de servidor público, por exemplo) terá um impacto proporcionalmente maior do que o desconto máximo aplicado de 19% sobre os salários de ministros da Justiça, juízes e desembargadores, por exemplo.
- FGTS. Na regra atual, quando o trabalhador se aposenta, mesmo que voluntariamente, a empresa paga a multa de 40% e se ele continua trabalhando, a empresa continua a depositar o valor mensal relativo ao FGTS. Já na PEC 06: para aquele que se aposentou voluntariamente e continuar trabalhando, a empresa não precisará recolher o FTGS e nem o pagamento da multa de 40%. Uma verdadeira garfada no direito dos trabalhadores!
- Define que em dois anos todos os entes públicos deverão criar regimes de previdência complementar para os servidores, baseado no regime de capitalização individual! Serão bilhões de reais dos trabalhadores indo parar diretamente na ciranda do sistema financeiro!
Bolsonaro e Paulo Guedes apresentaram ainda três regras de transição para os atuais contribuintes do sistema previdenciário, prevendo um prazo máximo de 12 anos de adequação. Assim, após 12 anos, todos os trabalhadores já estariam enquadrados nessas novas regras. Até para quem falta dois anos para se aposentar terá que cumprir um pedágio e trabalhar mais um ano! Enfim, trata-se de um ataque profundo que atinge os atuais aposentados, todos os atuais trabalhadores, seja do setor público ou privado, os jovens que estão entrando no mercado de trabalho e as futuras gerações!
Outro ponto grave da emenda apresentada refere-se à segregação do financiamento da seguridade social, ou seja, a separação entre previdência, saúde e assistência social. Nesse caso, a previdência praticamente será mantida apenas pela contribuição patronal e dos trabalhadores. Como permanece a política de desoneração da folha de pagamento das empresas e as isenções fiscais para o agronegócio e como a proposta não diz nada sobre os atuais grandes devedores da Seguridade Social, dá para entender para quem vai sobrar a fatura: para os trabalhadores! Assim faz sentido acabar com a DRU, como propõe a PEC 06, porque não vão sobrar recursos mesmo! E mais, com o fim da DRU, o governo se recusará por lei a socorrer a previdência tirando recursos de outras pastas. É um golpe de mestre da arte da malandragem!
E por falar nisso, a proposta de reforma da previdência de Bolsonaro/Paulo Guedes, se passar como está, abre um precedente perigoso: a possibilidade de extinguir a previdência baseada na solidariedade entre gerações. Também estabelece um regime de repartição para uma “nova previdência”, baseada no regime de capitalização individual, na qual o trabalhador contribui para uma instituição que administrará a previdência complementar e literalmente torce para que os investimentos realizados por ela deem lucro. Isso porque só assim poderá resgatar uma complementação de seu benefício na aposentadoria. Assim, o trabalhador fica totalmente à mercê das crises econômicas do capitalismo e pode ver seu dinheiro virar pó nas bolsas de valores mundo a fora. Foi esse regime que levou o sistema previdenciário chileno à falência e há muitos casos de fundos de pensão americanos que funcionam da mesma forma e que foram levados à bancarrota, deixando de pagar milhões de dólares aos seus segurados.
Guerra de classes
A Nova República teve seu auge durante os treze anos de governos do PT, pois Lula e Dilma incorporaram em ações e palavras o grande objetivo da Constituição de 1988: um pacto nacional entre as classes sociais. Daí advém todo o veneno destilado para sustentar a ilusão de que a democracia pode beneficiar tanto os trabalhadores quanto os burgueses. Em meio a um cenário de crescimento econômico e contando com a colaboração da direção da CUT, UNE e outros, tal política foi relativamente eficaz para manter os trabalhadores sob controle por um tempo.
Porém, à medida que a crise começou a ameaçar os negócios e os lucros dos capitalistas, a burguesia passou a exigir mais e mais de Lula e Dilma, que atenderam prontamente. Nada do que fizeram, no entanto, foi suficiente para reverter o declínio econômico. A burguesia se enraiveceu, exigiu ainda mais do governo e começou a fechar o cerco jurídico. A situação se degradou… Milhões de pessoas saíram às ruas em 2013 e greves de massa começaram a despontar; a pequena burguesia se desesperou… Resultado: o PT não era mais capaz de governar, de controlar a situação. Por mais fiel que o PT seja aos interesses do mercado, a burguesia decidiu seguir a aventura desenvolvida por seus representantes no Congresso. Assim destituiu Dilma Rouseff da presidência e acelerou os processos judiciais para colocar Lula na cadeia e impedi-lo de concorrer às eleições de 2018.
Encerrou-se assim a fase de colaboração entre as classes sociais e, com ela, caiu a máscara do Estado Democrático de Direito: a Constituição foi rasgada, emendada, reinterpretada e atirada na lata do lixo, mas sempre resgatada a tempo para reprimir e criminalizar os movimentos sociais e a população empobrecida. O povo não confia nos partidos oficiais ou no Congresso ou no Supremo Tribunal Federal. Sem nenhuma máscara ou cobertura para tentar dar um rosto humano ao capitalismo, restou à burguesia declarar guerra aos direitos sociais, trabalhistas e às liberdades democráticas: vai atacar como pode e se defender como der. E, nessa tarefa, se não puder contar ou não quiser contar com Bolsonaro (devido às trapalhadas e arruaças de seu clã), contam com Paulo Guedes, Sergio Moro, os militares e a polícia.
Enfim, a Nova República envelheceu, mas seu cortejo de instituições apodrecidas, violência, desemprego, miséria e desigualdade segue arrastando a sociedade em uma marcha fúnebre. Os players do capital financeiro, ou seja, os bancos e fundos de especulação, agem feito abutres: esperam ansiosos que Bolsonaro e Paulo Guedes sejam capazes de exterminar com a previdência pública, para que possam devorar a presa, ou seja, apoderarem-se de bilhões de reais que deveriam ser usados para garantir aposentadoria digna para todos.
A ideia, ao fim e ao cabo, é fazer o trabalhador pagar durante toda sua vida laboral por um benefício que dificilmente conseguirá usufruir e, se conseguir, vai receber um valor irrisório durante os poucos anos de vida que ainda lhe restar. Jogando apenas nas costas dos trabalhadores a sustentação financeira da previdência, o governo poderá vincular os recursos que antes eram destinados à seguridade social para outros fins, como para o pagamento de juros da dívida pública, cujos maiores credores são os bancos e fundos de especulação nacionais e internacionais. Aliás, a dívida pública é o verdadeiro rombo nas contas do Estado, mas essa questão permanecerá intocável enquanto o capitalismo existir.
Dessa forma também escondem, em todo esse debate sobre a reforma, o problema dos grandes devedores do sistema previdenciário. Grandes empresas como a Vale e grandes bancos como o Bradesco devem bilhões de reais aos cofres da previdência e nada é feito para reverter tamanha sonegação! A PEC 06 toca de raspão sobre esse ponto: apenas estabelece um limite de 60 meses de parcelamento para os próximos agraciados com programas de refinanciamento (Refis) de suas dívidas.
Nossas tarefas
Paulo Guedes já disse que o governo vai investir pesado em propaganda para convencer a população sobre a necessidade e a importância da reforma da previdência, ou seja, vai incorporar as fake news como política oficial. Uma enxurrada de mentiras se anuncia, com o objetivo de desnortear os trabalhadores sobre os efeitos maléficos da proposta apresentada.
Uma intensa negociação se dará nos bastidores do poder e no Congresso Nacional. A “oposição moderada” é o caminho para a derrota. A luta não é para tornar o projeto menos pior, é para enterrá-lo! Todas as forças devem ser empregadas nesse sentido. Nenhuma confiança no Congresso ou em figuras do tipo Renan Calheiros (PMDB) ou General Mourão (vice-presidente)! A batalha deverá ser travada nas ruas e não apenas nos gabinetes e salões da Praça dos Três Poderes.
As centrais sindicais, em particular a CUT, têm uma tarefa importantíssima pela frente: devem preparar, desde já, uma greve geral para derrotar mais essa reforma da previdência! Aos marxistas, cabe agitar nas bases de cada categoria, em cada local de trabalho e nas escolas e universidades uma campanha para rebater com a verdade as mentiras do governo e da mídia. Uma campanha para explicar aos trabalhadores e jovens que a luta é pela revogação de todas as reformas aplicadas de 1993 até agora. A luta é pela Previdência Pública, Universal e Solidária, única maneira de garantir um futuro digno para todos e que, para conquistá-la, é necessário fazer uma revolução e, ainda mais, é necessário organizar e levantar um partido revolucionário com influência de massas para assegurar a vitória!
Preparar a greve geral!
Abaixo a reforma da previdência! Fora Bolsonaro!
Revogação de todas as reformas da previdência que retiraram direitos!
Pela Previdência Pública, Universal e Solidária!