A Reforma do Ensino Médio de Temer na prática (parte 1): O caso do Estado de São Paulo

O projeto proposto para o Brasil com a Reforma do Ensino Médio já está sendo aplicado em várias experiências em estados e cidades do país, oferecendo ilustrativas lições.

Com a nova medida de ataque à classe trabalhadora, a MP 746/16, o ilegítimo governo Temer implementará um desmantelamento sem precedentes na história recente da escola pública brasileira. O que está no horizonte é a Escola de Tempo Integral sem recursos, o fim das disciplinas Arte, Ed. Física, Sociologia e Filosofia no nível médio e a privatização total da educação pública.

Algumas pessoas, contudo, entendem que ainda não é preciso se preocupar. Oras! A Reforma ainda nem foi aprovada! Na verdade, essa reforma já caminha a passos largos desde 1996. A LDB do mesmo ano é uma vitória do governo FHC sobre os movimentos que lutavam na época e abriu as portas para a privatização da educação pública.

A MP 746/16 é só o escancarar do que já ocorre de modo ainda tímido: uma escola de tempo integral, adotada por empresas, que segue padrões de qualidade e metas aos moldes empresariais e que é jogada às traças caso não funcione de acordo com o estimado, assim como uma empresa que venha a declarar falência quando não lucra o suficiente. Ou seja, estamos diante da privatização da escola pública que já existe e que agora a MP de Temer universalizará.

Neste artigo analisaremos somente um caso, que estenderemos a outros dois em ordem crescente. Começaremos do Estado de São Paulo, depois para o modelo das Charter Schools no estado de Pernambuco e caminharemos à falência do sistema público de educação básica nos EUA. Com isso, pretendemos contribuir com a discussão acerca dos males que já ocorrem e que se tornarão exponencialmente maiores caso a MP 746/16 seja aprovada.

A Escola de Tempo Integral do Estado de São Paulo

O Governo Alckmin implementou a Escola de Tempo Integral no Estado de São Paulo a partir de 2006. Após anos de fracassos¹, foi só a partir de 2012, impulsionados pela experiência privatista das Charter Schools em Pernambuco, um projeto encabeçado pelo ICE (Instituto de Co-responsabilidade pela Educação) e presidido pelo empresário Marcos Magalhães, que a Secretaria Estadual de Educação (SEE-SP) começou a fabricar os resultados próximos aos que o governo almeja. Esse modelo é agora chamado “Nova Escola de Tempo Integral”, voltado ao Ensino Médio e funciona, teoricamente, por adesão das unidades, embora na prática muitos casos são denunciados pela APEOESP em que a SEE-SP articula com direções de escola a adesão sem qualquer discussão com docentes, pais e estudantes.

Os professores e estudantes dessas escolas devem ter o “perfil” adequado para o mesmo. O termo não é nosso. A utilização do termo “perfil”, é da própria Secretaria Estadual de Educação do Estado e de Marcos Magalhães (Presidente do ICE). Os professores ganham por isso gratificação de 75% em cima do salário base dos professores da rede estadual, com a condição de se manterem calados perante qualquer imposição do governo. Afinal, para ser “perfil” tem que cumprir metas, não questionar o governo e seu plano privatista!

De acordo com reportagem publicada no Estadão (2), das mais de 5 mil escolas da rede estadual paulista, atualmente 532 escolas aderiram ao projeto e o custo anual de cada uma delas é R$ 6.091 enquanto de um na escola regular é R$ 4.540. Mas quem paga essa conta?

Parcerias Público-Privadas (PPP’s)

Para exemplificar o grau de inserção da iniciativa privada na escola pública, o qual nos referimos no início deste texto, citaremos primeiro o exemplo da ONG Parceiros da Educação, que é qualificada como uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil do Interesse Público). Para se ter uma ideia do grau de “independência” dessa ONG, basta entrar em seu site: dois dos três membros do Comitê Executivo da instituição são Fernão Bracher do Itaú BBA e Jair Ribeiro do Banco Indusval & Partner. Ou seja, representantes diretos do capital financeiro. Vejam ainda a lista de mantenedores (empresários e empresas) do Parceiros da Educação os quais se articulam por meio dessa ONG para adentrar a escola pública:

Alexandre Doria Machado, Ana Maria Diniz, Angela Freitas, Associação Brasil 2050, Associação Crescer Sempre / Porto Seguro, Associação Sustentare, Aurora Importadora, Carlos Jereissati Filho, Comgás, Comunitas, Cury Construtora, Dicico, Ecopav, Expresso Maringá, Fernão Bracher, Flávia Regina de Souza Oliveira, Fundação Iochpe, Fundação Lucia & Pelerson Penido – FLUPP, Fundação Salvador Arena, Instituto Cyrela, Instituto Estáter, Instituto Gol, Instituto Península, Instituto Qualidade de Ensino, Instituto V5, Itaú BBA, Jair Ribeiro, João Miranda, Leão Alimentos e Bebidas, Luis Stuhlberger – Credit Suisse Hedging Griffo, Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados, Moinho Paulista, Moise Politi, Penísula Participações, Razac Trading, Renata Paula, Roberto Sallouti, Sertarding, Shopping Iguatemi Alphaville, Shopping Iguatemi JK, Shopping Market Place, Tecnisa, Tozzini Freire, Usina Diana, Viação Piracicabana Praia Grande, Viação Piracicabana Santos, Viação Princesa do Norte, Walter Schalka. (3)

A ONG Parceiros da Educação articula PPP’s com pelos menos 52 escolas da rede estadual em SP, fora as escolas da rede municipal paulistana e tudo isso com uma desoneração fiscal bastante vantajosa às empresas participantes.

As escolas que aderem ao programa colocam banners da ONG, e fazem eventos com camisetas caracterizadas aos moldes dos estádios de futebol quando são comprados por empresas. As metas são firmemente estabelecidas e aqueles que não as seguem são convidados a se retirar. O mesmo ocorre com estudantes. Ou seja, apesar do falacioso discurso de inclusão, o que esse projeto já traz é exclusão ideológica tanto contra professores como contra estudantes.

O nível de inserção da iniciativa privada na educação pública paulista

Não há, em absoluto, clareza quanto aos investimentos recebidos pelo Estado de São Paulo de empresas e que são destinados às escolas públicas. Há sim, informações sobre fundações, institutos e associações, todos privados e ligados a empresas e bancos que colocam dinheiro na escola pública e acabam por financiar parcela da educação de tempo integral a partir do novo modelo implantado em 2012, como a supracitada ONG Parceiros da Educação.

Inicialmente, para dar a impressão de que o projeto era viável e ganhar a opinião pública, a administração tucana investiu certa quantidade de dinheiro em algumas unidades, em todos os casos com apoio de entidades privadas, e só a partir daí algumas dessas conseguiram melhorar seus rendimentos. Em uma escola que adotou o modelo em Sorocaba, o Estado de São Paulo teve que investir inicialmente 573 mil reais para que a mesma começasse a “dar certo”4. Em 2013 o governo investiu cerca de 300 mil reais por escola só em recursos audiovisuais para dar impulso ao modelo e apresentá-lo como viável5.

Para deixar ainda mais clara a intenção de privatização total da escola pública, em entrevista ao portal do IG (Ago/2016), o atual secretário da educação, José Renato Nalini, declara abertamente estar procurando apoio de entidades privadas, militares e até mesmo da Igreja para que adotem uma escola6.

A situação é mais grave. O portal revela que desde 2005 a Secretaria de Educação recebe abertamente verba do setor privado:

A aproximação de grupos privados em escolas estaduais não é novidade no Estado. Desde 2005, a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Parceiros da Educação, presidida pelo banqueiro Jair Ribeiro, presidente do Banco Indusval, reúne empresários que têm interesse em investir em escolas públicas do Estado. O suporte varia de R$ 150 mil a R$ 250 mil anuais, usados principalmente em treinamento dos professores. Mas há também suporte pedagógico por meio de contratação de aulas de reforço para os alunos e até auxílio com materiais e infraestrutura. Neste ano devem ser investidos R$ 7,9 milhões nas unidades selecionadas.6

Consideremos ainda outro caso. O Instituto Natura, um dos investidores na Nova Escola de Tempo Integral do Estado de São Paulo desde 2013, investiu na educação pública brasileira 17,2 milhões de reais em 2015, sendo 664 mil reais para o ICE, 276 mil reais para o programa “Educação: compromisso de São Paulo” e 133 mil reais para programas relativos às escolas de tempo Integral no país. Ou seja, quase 1 milhão de reais somente em programas relacionados aos programas de Educação em Tempo Integral e na rede estadual paulista. Obviamente todos muito bem retribuídos com isenção fiscal e formação de mão de obra ideologicamente adequada aos padrões por eles estipulados.

Os casos do Instituto Natura, ICE e Parceiros da Educação são meros exemplos. O governo declara ainda ter apoio de diversas fundações privadas para a instituição da escola de tempo integral: Fundação Victor Civita, Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Hedging-Griffo, Fundação Itaú Social, Tellus, Fundação Educar DPaschoal, Fundação Bradesco, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Instituto Península, Fundação Arymax e da consultoria internacional McKinsey & Company.7

Em suma, o setor privado, com suas fundações e institutos, já está todo articulado para abocanhar toda a estrutura da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, sendo a MP 746/16 a porta de entrada para que universalizem essa prática não só no Estado de São Paulo, mas em todo o país.

Quais os efeitos de uma educação financiada e gerida por empresários?

Discutiremos o caso de Pernambuco na segunda parte desta seção de artigos. Contudo cabe ressaltar alguns princípios norteadores da gestão do ICE, todos presentes do livro de Marcos Magalhães “A Juventude brasileira ganha uma nova escola de ensino médio: Pernambuco cria, experimenta e inova”:  Preparação para a vida (protagonismo juvenil e empreendedorismo), Educação profissionalizante, Avaliação constante dos “funcionários” e possível afastamento caso as metas não sejam cumpridas.

Em primeiro lugar, portanto, propõe-se uma estrutura ideológica e prática aos moldes de uma empresa, o que é incompatível com objetivos educacionais que visem a formação plena dos seres humanos.

Em segundo lugar, haverá empresários para adotar todas as escolas públicas? Se a iniciativa privada não consegue nem mesmo garantir o emprego dos pais e mães dos estudantes (no capitalismo a existência de uma massa de desempregados, o que Marx chama de Exército de reserva, é uma condição de sua existência) achamos mesmo que ela irá “adotar” 4 milhões de estudantes e mais de 5 mil escolas da rede estadual paulista? Mesmo com o atendimento hoje de menos 15% das escolas estaduais, ainda assim as parcerias público-privadas apresentam inúmeras debilidades, descartando investimentos em escolas que não apresentem os resultados desejados. Oras, se isso se estender às mais de 5 mil unidades da rede, quantos escolas serão jogadas às traças simplesmente por não serem lucrativas, por não apresentarem potencial de material humano lucrativo às empresas? Quantas escolas se tornarão apenas depósitos de jovens? Ressalta-se: hoje 1/5 dos estudantes que aderem ao modelo deixam a escola ou são “convidados a se retirar” desse tipo de escola, isso considerando as escolas que “dão certo”. (2)

Sem meias palavras, fica claro que inserção da lógica da iniciativa privada significa um aumento da exclusão e desmantelamento da educação pública. Significa a implantação do que Nalini já abertamente declarou em seu texto (Sociedade Órfã) publicado na plataforma oficial da SEE-SP, de que Estado não deve cuidar de educação pública, mas sim preparar a entrada da iniciativa privada. Deixemos que o secretário fale por si mesmo: “Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada.8

Estamos vendo se confirmar o que Professores Universitários como Pablo Gentili já afirmavam no fim da década de 1990, após a aprovação da reacionária LDB de 1996. Sob o argumento de resolver a crise educacional, o setor empresarial e intelectuais burgueses já tinham bem claro em 1996 a quem deveria ser entregue a responsabilidade pela gestão da educação pública, assim como os objetivos desta educação junto à classe trabalhadora. Gentili expõe com clareza qual reforma educacional propõe os empresários, em termos de concepção de gestão e objetivos, todos pressupostos que dialogam integralmente com a MP 746/16 de Temer:

Para isso [para superar a crise educacional], dizem eles [os empresários], precisa-se de uma condição inevitável: promover uma profunda reforma administrativa que reconheça que tão somente o mercado pode desempenhar um papel eficaz na destinação de recursos e na produção da formação necessária para a implementação de mecanismos competitivos meritocráticos que orientem os processos de seleção e hierarquização das instituições escolares e dos indivíduos que atuam nelas. (9 – p. 19)

Dois grandes objetivos dão coerência e atravessam horizontalmente tais estratégias: a) a necessidade de estabelecer mecanismos de controle de qualidade (na ampla esfera dos sistemas educacionais e, de modo específico, até o interior das próprias instituições escolares); e b) a necessidade de articular e subordinar a produção do sistema educacional às demandas que o mercado de trabalho formula. [Em suma] É o mercado de trabalho que emite os sinais que devem orientar as decisões em matéria de política educacional.  (9 – p. 23)

Não há dúvidas, a Reforma de Temer visa atingir em cheio os objetivos empresariais junto à educação que vigoram desde a LDB de 1996, desmantelando de vez a educação pública brasileira.

Para aqueles que ainda têm dúvidas sobre a absoluta superioridade de uma educação 100% estatal, basta verificar os exemplos de Finlândia e Cuba (Educação pública 100% estatal), e compará-los a EUA e Brasil respectivamente, para ver que uma educação voltada aos interesses da iniciativa privada, quando considerando a totalidade dos estudantes envolvidos, é infinitamente inferior em relação aos países que investem na educação pública, gratuita e para todos. Os interesses do capital são diametralmente opostos às necessidades humanas. Exclusão, precarização e ainda mais desigualdade é tudo que essa MP ainda tem a oferecer.

Nossa luta e perspectivas

Não há saída para o presente momento a não ser a luta. É preciso discutir e desenvolver uma política clara contra mais esse ataque contra a classe trabalhadora e ter claro que dentro do capitalismo nunca haverá saída para a educação, é preciso lutar pela superação deste sistema.

É exatamente por isso que o coletivo Educadores pelo Socialismo endossa o chamado da APP Curitiba Norte por uma Greve Nacional da Educação, que precisa ser convocada pela CNTE, UNE e UBES contra a MP 746/16 e a PEC 241. Também apoiamos as ocupações no Paraná de escolas e universidades, assim como encorajamos a luta em todo Brasil.

Não há saída dentro do capitalismo e só a luta organizada da juventude e classe trabalhadora poderá abrir uma perspectiva para não só derrubar essas novas medidas de ataque, mas para construir um mundo novo, socialista, que combata e elimine toda a opressão.  Junte-se a nós e nos ajude nessa luta!

Contato: https://www.facebook.com/educadorespelosocialismo/

Fontes:

1 http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/escolas-de-tempo-integral-do-estado-nao-garantem-melhor-aprendizado/

2 https://apeoesp.wordpress.com/2016/08/16/sobre-a-escola-de-tempo-integral-do-governo-alckmin/)

3 http://www.parceirosdaeducacao.org.br/parcerias/

4 http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/471574/o-que-e-e-como-funciona-o-ensino-em-tempo-integral­)  

5 http://www.acaoeducativa.org/index.php/educacao/47-observatorio-da-educacao/10004363-com-incentivo-de-empresas-sp-tera-mais-100-escolas-modelo-no-ano-que-vem)

6 http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2016-08-30/estado-busca-empresarios-para-adotar-escolas-paulistas-e-garantir-melhorias.html

7 http://www.acaoeducativa.org/index.php/educacao/47-observatorio-da-educacao/10004363-com-incentivo-de-empresas-sp-tera-mais-100-escolas-modelo-no-ano-que-vem

8 http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/a-sociedade-orfa)

9 GENTILI, Pablo. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998.