Rainoldo Uessler, nomeado pela Justiça para assumir as fábricas Cipla e Interfibra, ataca o Movimento das Fábricas Ocupadas e acusa a “Esquerda Marxista do PT” de “defender o socialismo” e o promover o “desrespeito ao Estado Democrático de Direito”.
Trata-se de um bom exemplo de como a luta de classes se expressa no Poder Judiciário, para analisarmos as calúnias proferidas, mas também algumas verdades, que, obviamente, são usadas por ele para desmoralizar e criminalizar a organização dos trabalhadores.
No dia 11 de novembro de 2010, tomamos conhecimento de um fato muito interessante para discutir a organização dos trabalhadores. Neste dia, o Juiz da 2ª Vara Cível de Sumaré/SP – no Processo n° 604.01.2010.008984-3/000000-000 N° de ordem: 1858/2010 – negou que o Sr. Rainoldo Uessler, interventor nomeado pelo Poder Judiciário de Joinville/SC para assumir as fábricas Cipla e Interfibra, entrasse como terceiro interessado no processo em que a fábrica Flaskô, que está sob controle dos trabalhadores, luta pelo reconhecimento legal da gestão.
O que é pertinente não é a decisão do Juiz em negar o pedido feito pelo interventor, pois isso é o óbvio, mas sim a petição realizada pelo interventor, onde ataca diretamente o Movimento das Fábricas Ocupadas, a gestão operária da Cipla, Interfibra e Flaskô e a organização política Esquerda Marxista. É fundamental trazermos este debate que está no processo para explicar como se dá a luta de classes dentro do Poder Judiciário, apontando como a burguesia politiza sua ação para impedir o fortalecimento, por meio da criminalização, não somente do Movimento das Fábricas Ocupadas ou da Esquerda Marxista, mas de toda organização política coerente com a defesa da classe trabalhadora.
Da mesma forma que estamos nos pronunciando por esta carta aberta, enquanto Esquerda Marxista, a Flaskô respondeu, explicando as mentiras feitas pelo Interventor que buscava enganar o Juiz e impedir uma conquista da gestão operária da Flaskô. Vejam a petição feita como resposta jurídica do conselho de fábrica da Flaskô, assim como a carta aberta do conselho de fábrica da Flaskô no site www.fabricasocupadas.org.br
A Esquerda Marxista e o Movimento das Fábricas Ocupadas
A Esquerda Marxista luta pelas reivindicações operárias, pela revolução socialista, como dizemos na seção “Quem somos”, do nosso site www.marxismo.org.br:
• Lutamos contra o Governo de Coalizão entre o PT e os partidos burgueses.
• Impulsionamos o Movimento Negro Socialista (MNS), lutando contra o racismo e pela universalização dos direitos.
• Organizamos a Juventude Marxista (JM) em defesa das reivindicações e do socialismo.
• Nossos camaradas ferroviários ocuparam um papel dirigente no combate de resistência contra a extinção da RFFSA (Rede Ferroviária Federal) e em defesa dos direitos e reivindicações dos ferroviários.
• Dirigimos, desde 2002, o Movimento das Fábricas Ocupadas (Cipla, Interfibra, Flaskô e outras) reivindicando a estatização sob controle operário.
• Ocupamos latifúndios junto com o MST e agimos junto com o movimento por moradia.
• No Congresso Nacional do PT impulsionamos uma Tese (Um Programa Socialista para o Brasil) que defende a abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção, a ruptura da coalizão do PT com a burguesia, o fim do pagamento da dívida externa/interna.
• Defendemos a revolução venezuelana com a campanha “Tirem as mãos da Venezuela”.
Mantivemos a ocupação sob controle operário das fábricas Cipla, Interfibra e Flaskô, na mais longa ocupação conhecida na história do movimento operário internacional. Enfrentamos todos os ataques dos capitalistas e daqueles que se passaram para a defesa do capital.
Nós resistimos! Sob nossa direção política, trabalhadores de dezenas de fábricas se lançaram em diversas ocupações por todo o Brasil. Inspiramos e nos ligamos ao movimento operário de outros países.
Popularizamos a luta pela estatização. Na Cipla, reduzimos a jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem reduzir salários nem direitos.
Mostramos, na prática, que os patrões são parasitas, desnecessários, e que a classe operária pode governar ela mesma. Por isso o Governo Lula vergonhosamente decidiu a intervenção na Cipla e Interfibra com 150 homens armados da polícia federal.
Mas, continuamos a luta em todas as frentes! Temos a campanha “Fim Imediato da Intervenção na Cipla e Interfibra!”. E resistiremos e continuamos nossa luta! (…)
Nesse sentido, vale a pena ler os diversos artigos produzidos pela Esquerda Marxista sobre a questão das fábricas ocupadas, na seção “fábricas”de nossa página web.
Por isso, há ligação política da Esquerda Marxista com o Movimento das Fábricas Ocupadas, por compactuarem de um mesmo projeto político, seja de compreensão desta sociedade, seja para superação para outra concepção de sociedade. E isso é saudável numa democracia, mas, mais do que isso, é salutar para a organização dos trabalhadores na construção do socialismo.
O ataque do interventor
A petição feita pelo interventor há verdades e mentiras. Mas, obviamente, as verdades ditas possuem viés criminalizantes e desmoralizantes. Vejamos.
Ele inicia a petição dizendo que é “pertinente trazer alguns esclarecimentos, mesmo que não diretamente ligados ao mérito da ação, são necessários por seus reflexos, mesmo que indiretos”. De início já dá para ver qual a intenção do Interventor, já que ele mesmo afirma que a petição não está vinculada ao mérito desta ação. O intuito seria mesmo de só tentar ludibriar o Juiz.
Ao tratar da conquista da procuração judicial, para que os trabalhadores assumissem a gestão das fábricas, o Interventor ignora a greve de ocupação da Cipla e Interfibra, e de toda a pressão social na cidade de Joinville, dizendo somente que as empresas foram “doadas” aos trabalhadores. Acrescenta ainda que foi solicitada a participação do sindicato dos plásticos para auxiliar na transição administrativa, sendo que este indicou Carlos Castro.
Neste instante começa a desqualificação mentirosa:
“Pertencente a uma facção extremista do Partido dos Trabalhadores, Castro vislumbrou uma oportunidade de divulgar a ideologia marxista e convocou seus companheiros da corrente marxista do PT, para acompanharem a transição, porém, alguns meses após o início da mesma, os “camaradas/companheiros esquerdistas já ocupavam os cargos de comando da empresa e recebiam os melhores salários”, divergindo do que foi combinado com o sindicato no acordo entre os funcionários de carreira e os acionistas”.
Falta com a verdade, o Interventor. Castro foi um dos organizadores da greve que o sindicato se recusou a fazer e que resultou na ocupação em outubro de 2002, que, junto com outros diversos movimentos sociais, pastorais, entidades de direitos humanos, sindicatos, militantes de partidos políticos, etc., mobilizaram a cidade em torno da campanha contra o fechamento das fábricas Cipla e Interfibra em Joinville. Dentre os organizadores da greve, destacou-se o grupo de militantes do PT organizados no que seria depois a Esquerda Marxista.
Após a greve de ocupação, inicia-se o processo de retomada da produção sob controle operário. Nesse momento, em assembléia, os trabalhadores elegem uma comissão para constituir o conselho de fábrica, da mesma forma que fazem contratações que entenderam como necessárias para construir este novo modelo de gestão, especialmente na área de comunicação, de mobilização política, do jurídico e da administração. Ou seja, por decisão dos trabalhadores, portanto, em assembléia, coletivamente, novos trabalhadores foram contratados, tecnicamente, cada um para uma função, dentre eles militantes petistas.
Mas as mentiras continuam pelo interventor:
“Enfim, após a tomada de poder pelos “companheiros” as empresas do grupo passaram por um regime ditatorial, em que os funcionários de carreira, amedrontados e coagidos se viam obrigados a participarem de atos ilegais a fim de manterem seus empregos, Dentre estes atos figurou a “ocupação” da Flaskô”.
Novamente, Rainoldo Uessler tenta desqualificar a organização dos trabalhadores. Diz que havia uma ditadura! Ora, como exemplo da plena democracia operária, todas as decisões da fábrica eram tomadas em espaços coletivos, seja do conselho de fábrica, com membros eleitos pelos próprios trabalhadores, com todos os setores e turnos representados.
Em segundo lugar, obviamente, como sempre se discutiu nas reuniões do conselho de fábrica e das assembléias, uma fábrica quebrada e que passava à gestão operária, precisaria ter ações políticas, de mobilização social, e as fábricas ocupadas passaram a ter políticas de solidariedade de classe, com a perspectiva de que novas fábricas passassem pelo que havia ocorrido em Joinville, e foi o que ocorreu com a Flaskô. Todas as ações eram decididas em votação no conselho de fábrica e nas assembléias. Todos os trabalhadores que participavam das ações de mobilização, agiam voluntariamente, jamais sendo obrigados a participar. Longe da ditadura que o Interventor tenta rotular à gestão operária, sendo que a sua administração sim, pode ser chamada de ditadura.
Outro aspecto é que o caso da Flaskô foi emblemático, pois pertencia ao mesmo grupo econômico da Cipla e Interfibra, e, os trabalhadores da Flaskô, tomando conhecimento do que havia ocorrido em Joinville, entram em contato com a comissão eleita, fazem uma visita às fábricas de Santa Catarina e pedem ajuda para realizar a gestão operária, diante do abandono patronal.
Por fim, vale dizer que os atos não são “ilegais”, como trata o Interventor. Todas as ações dos trabalhadores encontram-se fundadas na ordem constitucional vigente, na qual garante livre a liberdade de expressão e o direito de manifestações (Constituição Federal – artigo, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; artigo 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; artigo 5º, IX, liberdade de expressão; artigo 8º, livre associação profissional).
E continuam as mentiras do Interventor:
“E não era uma gestão socialista, a situação vivenciada pelas empresas tomadas pelo Movimento era uma ditadura onde quem não coadunasse com as idéias e com o discurso do movimento era expurgado da fábrica, daí temos uma listagem de mais de 1.000 trabalhadores que foram demitidos e alguns substituídos, durante a encampação, sendo que nestes se computam muitos trabalhadores com mais de 20 anos de casa, que foram demitidos por resistirem as idéias do movimento”
Como já dissemos, as decisões eram tomadas coletivamente, em assembléias ou nos conselhos de fábrica, e só participavam das ações políticas os trabalhadores que assim desejassem. Foi realizado um trabalho de conscientização para que todos fossem compreendendo os desafios que existiam e as perspectivas que teriam. E isso é essencialmente o cumprimento da legislação constitucional. Alguns trabalhadores avançaram mais, outros menos.
Outra mentira absurda é a que houve “expurgações” aos que não aceitaram a ocupação das fábricas. A má-fé é tanta que chega a dizer que havia uma lista com 1.000 trabalhadores. Trata-se de uma grande mentira. Jamais isso ocorreu, em qualquer período da gestão operária. O que ocorreu no momento da ocupação é que alguns trabalhadores, exceções que não realizaram nem a greve, que pediram demissão por não verem perspectivas diante das pressões patronais. Muito diferente do que acusa levianamente o Interventor.
Outro ponto que o Interventor acusa diretamente a organização política da Esquerda Marxista é quanto à suposta agressão sofrida por ele quando esteve na Flaskô, após a intervenção nas fábricas de Joinville. Primeiramente, o Interventor não diz ao Juiz que ele não tinha poderes legais para intervir na Flaskô, e os trabalhadores somente cumpriram a decisão coletiva da assembléia de não permitir a intervenção, já que não havia decisão judicial para tanto. Quanto à agressão que ele alega ter sofrido, o próprio vídeo que está na internet mostra que havia mais de 200 pessoas em apoio aos trabalhadores da Flaskô, e o que houve foi apenas a pressão social para que ele se retirasse da Flaskô já que não tinha poderes para tanto. No entanto, Rainoldo tenta enganar o Juiz e acusar a organização dos trabalhadores, inclusive de atentar contra sua vida. Devaneios à parte, ele apenas expressa o descontrole da burguesia diante da coerência de uma organização política que expõe claramente a contradição do capital.
Não obstante, o Interventor continua acusando o Movimento das Fábricas Ocupadas e a Esquerda Marxista.
“Quando o movimento administrou a Cipla eram utilizados os recursos da empresa para fomentar o movimento político ideológico da esquerda marxista do PT, deixando com isto de pagar os credores e até mesmo depositar o FGTS para os trabalhadores. Sendo ainda que ao doar dinheiro para outros movimentos e instituições em troca de apoio, praticava o Movimento “tráfico de influência” tão condenado na política nacional, porém “in casu”, elogiado pela representante da justiça do trabalho quando prolatou a sentença de mérito.
Portanto, não era legítimo o movimento, qualquer forma de manifestação, associação ou de expressão são protegidas pelo nosso ordenamento jurídico, porém essa proteção é limitada pela legitimidade e pela legalidade, dois pressupostos ausentes em tal movimento de fábricas ocupadas”.
Primeiro, que novamente devemos ressaltar algo que os capitalistas e a burguesia não conseguem compreender. A gestão operária se realizada por meio da democracia operária, por meio do conselho de fábrica e assembléia. Todas as decisões, inclusive financeiras, sobre pagamentos, etc., eram decididas coletivamente, por todos os trabalhadores.
Em segundo lugar, de forma leviana o Interventor afirma que os trabalhadores praticaram tráfico de influência, quando o que havia, era solidariedade de classe, apoio a outros movimentos sociais e entidades sindicais. E tudo isso era decidido coletivamente. Tráfico de influência é o que a burguesia realiza com o Estado, como sabemos.
Terceiro, ele diz que as ações do Movimento das Fábricas Ocupadas não possuíam legalidade e legitimidade. Tal fato não é verdadeiro, haja vista o reconhecimento, inclusive judicial, seja da legitimidade da gestão e das ações dos trabalhadores, quanto da legalidade das mesmas. Isso é público e notório, há anos, seja em Joinville, seja em Sumaré.
Também é descabida a “acusação” do Interventor judicial quanto à índole violenta do movimento de trabalhadores da Flaskô, Cipla e Interfibra. O interventor simplesmente joga fatos sem provas com o intuito de ludibriar o Juiz. As manifestações realizadas pelos trabalhadores sempre foram respeitosas, sendo que muitas delas foram realizadas justamente em frente aos Fóruns, em face da tentativa de barrar os leilões e propor outras medidas para sanar as dívidas.
Da mesma forma, sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, extremamente salutar numa sociedade que almeja cumprir com os preceitos democráticos, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.). Portanto, a agressiva acusação dos trabalhadores fazerem parte de uma corrente política somente mostra o verdadeiro intuito do Interventor em induzir ao erro Juiz.
As demissões de funcionários da Cipla e Interfibra pelo interventor judicial são importantes para destacar que as demissões dos dirigentes e/ou pessoas que tinham certa liderança dentro das empresas ocorreu de modo discriminatório. O interventor aplicou justa causa aos trabalhadores, sem nenhum respaldo legal, tanto é assim que as referidas demissões foram revertidas na Justiça do Trabalho de Santa Catarina.
Os trechos desta decisão da Justiça do Trabalho são suficientes para demonstrar a perseguição do Interventor a alguns trabalhadores das fábricas por ele hoje administradas, e a indignação com a Justiça feita por esta decisão, que segue abaixo:
“Em relação à utilização do patrimônio da empresa, não há prova, nem nestes autos e nem nos processos de situação análoga, examinados por esta magistrada, de que os trabalhadores despedidos tenham se favorecido, pessoalmente, dos bens da empresa, nem de que tenha havido favorecimento de um grupo – e isso mesmo tendo em conta o relatório de auditoria feita após a intervenção, ainda não apreciado judicialmente. Todo o esforço empreendido, segundo demonstrado na generalidade dos processos, tinha por destinação a atuação política com o objetivo de manter a fábrica funcionando e assim preservar os empregos.
Importante frisar que sequer há provas de que a empresa tenha tido prejuízo decorrente da gestão dos trabalhadores – aliás, foi durante a encampação que a empresa obteve certificação ISO 9001. E com a manutenção dos postos de trabalho – é comentado, nesta jurisdição, que depois da intervenção judicial, mais de 300 trabalhadores foram despedidos, já nos primeiros meses.
No que tange à participação dos trabalhadores na administração da fábrica, essa era uma contingência da ocupação: a empresa estava sob a gestão dos trabalhadores e, segundo demonstrado pelas atas juntadas aos processos, as decisões se davam em assembléia, com participação de toda a coletividade de trabalhadores da fábrica. Cabia a eles administrarem a empresa.
Referente ao apoio às outras lutas, à criação de uma associação para mobilização sindical, ao aliciamento de trabalhadores para manifestações, aos encontros com outros movimentos de trabalhadores, na sede da empresa, à articulação com o MST, e à realização de passeatas, nada mais são do que estratégias de ação próprias ao contexto de ocupação de uma fábrica.
Impressiona perceber a resistência e a tentativa de incriminar as ações solidárias classistas, dos trabalhadores, na busca de fortalecimento pela união de esforços em causas comuns, práticas essenciais e presentes em qualquer movimento de resistência ou transformação, numa sociedade democrática.
Atos de solidariedade a trabalhadores ameaçados de perder o emprego ou com direitos trabalhistas violados, passeatas para expor à população uma dada realidade, união de entidades sindicais e criação de associações civis, são práticas que se dão no pleno exercício de direitos constitucionais próprios da cidadania (CRFB, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; 5º, IX, liberdade de expressão; 8º, livre associação profissional).
O trabalhador não perde sua condição de cidadão quando entra numa fábrica. Ele à mantém, e ainda agrega a ela uma gama de direitos sociais próprios à qualidade de empregado (CRFB 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11).
Quanto à votação para presidente do Conselho de Fábrica, o processo de eleição marca a política democrática da encampação, com a participação dos trabalhadores na escolha de quem entendiam por melhor representante e líder: a eleição foi resultado da vontade da maioria dos trabalhadores, não da escolha de um só, mas sim soma da expressão da vontade de toda uma coletividade de empregados.
Sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, salutar numa sociedade que se quer democrática, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.).
Clara a discriminação ideológica presente no ato de despedida.
(…) Tenho por caracterizado o dano moral na forma discriminatória como se realizou a despedida (CRFB 5º XLI e X, CC 186 e 927)”. (AT 3431-2007-030-12-00-9 – 4ª Vara do Trabalho de Joinville/SC)
A decisão, por si só, escancara a ação política do Interventor contra os trabalhadores, e mostramos ainda hoje, como a perseguição política continua.
Mas ele insiste, e continua atacando a organização dos trabalhando, chegando ao cúmulo de dizer que a gestão operária, intencionalmente, desejava que “quanto pior, melhor”. Obviamente que isso não é verdade, e mostra, inclusive, sua completa falta de compreensão do socialismo ao querer nos atacar. Além disso, a gestão operária recuperou as fábricas, como mostraremos abaixo.
“Além, do que já foi dito durante mais de cinco anos não foi realizado qualquer ação administrativa que desse indício de que a saúde financeira das empresas estaria melhorando, pelo contrário, a idéia era quanto pior a situação das empresas, quanto mais manifestações fossem feitas, mais os ideais marxistas se propagariam, vez que os “companheiros” estariam diuturnamente na mídia”.
Como vimos, ele ainda, com a “maior cara de pau”, acusa a gestão operária de não ter preocupação com a ação administrativa. Quanto à isso, nos remetemos a resposta jurídica dos trabalhadores da Flaskô que apontam muito bem as diferenças de gestão patronal, operária e a do Interventor. Vejamos:
“Alega o interventor que a decretação da intervenção nas empresas Cipla, Interfibra e demais fábricas do grupo econômico teve como objetivo a recuperação das empresas. Ocorre que ao que parece a empresa Cipla vem se “recuperando” com o único objetivo, na prática, de gerar lucro aos seus atuais administradores, e pagar dívidas privadas para empresas de Holding e Factoring por eles escolhidas. Isso porque os pagamentos dos tributos ainda não estão sendo pagos, especialmente o INSS (motivo determinante da intervenção judicial).
O fato é que embora tenha sido empossado como administrador da empresa Cipla e Interfibra para cumprir o mandado de penhora sobre o faturamento da empresa para pagamento de débitos com o INSS (importa destacar que o processo que originou referida intervenção tem origem em 1998, portanto, época em que os patrões geriam a empresa), o interventor judicial ainda não pagou o débito com o INSS, conforme se comprova pelos autos do processo da própria intervenção.
O que se viu foram demissões em massa e um plano de recuperação que pretende realizar negociações com o Governo Federal e com Governos estrangeiros. “Coincidentemente”, eram essas as atitudes tomadas e pleiteadas pelos trabalhadores durante a sua gestão. Além do que, foi através da gestão dos trabalhadores que se logrou realizar uma negociação extremamente benéfica às empresas sob gestão dos trabalhadores com a empresa Pequiven, da Venezuela (acordo rompido quando da intervenção e que o interventor pretende retomar).
O fato é que, quando da assunção da administração pelo Sr. Interventor foram demitidos de forma imediata, por suposta justa causa, 49 trabalhadores. A referida “justa causa” foi revertida em uma decisão exemplar da Justiça do Trabalho, onde se comprovou a clara perseguição ideológica e assédio moral. Não obstante essas demissões arbitrárias, o Sr. Interventor realizou outras trezentas e cinqüenta, tudo para garantir a suposta qualidade de gestão.
Além disso, uma das conquistas mais significativas dos trabalhadores da empresa Flaskô – jornada semanal de 30 horas semanais sem redução de salários, proporcionando o aumento da produção – foi derrubada pelo Sr. Interventor. Ele mesmo destaca, com orgulho, que dentre as suas medidas de economia está a “retomada da jornada de 08 horas diárias”.
Assim, os cortes de despesas tiveram alvo certo: os trabalhadores das empresas por ele administradas. (…)
Rainoldo Uessler questiona a bandeira levantada pelos trabalhadores de preservação dos postos de trabalho e a ironiza talvez porque nunca se imaginou na situação de estar desempregado.
O Interventor afirma que a Cipla e Interfibra estão em recuperação, mas como se viu, as mínimas conquistas financeiras se deve a agressões aos direitos dos trabalhadores.
Além disso, o interventor ignora o fato de que os trabalhadores quando assumiram a administração da empresa a encontraram em situação pré-falencial, e mesmo assim, as mantiveram abertas, garantindo não só o emprego daqueles que ali estavam, mas movimentando a economia, toda uma cadeia produtiva, garantindo a real finalidade da atividade industrial, e, consequentemente, da propriedade. Muito diferente, portanto, do que ele informa.
As empresas que ele menciona de Joinville, tiveram um aumento no faturamento, de 2002 a 2007. O mesmo ocorre com a Flaskô, que aumentou seu faturamento de junho de 2003 até junho de 2007, e depois, de agosto de 2007 até hoje. Esta brava resistência e demonstração da qualidade de gestão, elogiada em todos os espaços institucionais, perdurou por 05 anos na Cipla, e já permanece há quase 08 anos na Flaskô em Sumaré/SP.
Por outro lado, a gestão do interventor DIMINUI OS FATURAMENTOS DAS EMPRESAS CIPLA E INTERFIBRA, conforme se extrai dos balanços financeiros apresentados pelo Sr. Interventor nos autos da ação que determinou a intervenção, bem como pelo ofício do Banco Central juntado àqueles autos.
E mais, conforme informado na petição inicial, após a decretação da intervenção muitas foram as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, os quais, ainda que de modo precário, utilizavam-se do mesmo instrumento de procuração utilizado pelos trabalhadores da Cipla, já que, naquela época, faziam parte do mesmo grupo econômico. (…)
Na realidade, o que ocorreu na época foi uma verdadeira sabotagem econômica em face dos trabalhadores da Flaskô, posto que o interventor judicial enviou aos clientes cartas dizendo ser ele o legítimo representante da empresa – sendo que não era – e que suspenderia a produção para resolver o conflito com “os trabalhadores irresponsáveis que haviam invadido a fábrica”. Da mesma forma fez com a empresa CPFL, logrando, de forma ilegal, realizar a suspensão do fornecimento de energia para a fábrica. Resultado: mais de 40 dias sem produção.
Por outro lado, apesar do sucateamento da empresa e do corte ilegal de energia, os trabalhadores da Flaskô recomeçaram, e vêm aumentando significativamente o faturamento da empresa, logrando pagar direitos básicos dos trabalhadores como INSS e FGTS, diferentemente do alegado pelo Sr. Interventor(…).
Ao contrário do que afirma o Sr. Interventor judicial, a situação das empresas teve grandes avanços durante a gestão dos trabalhadores. Aliás, foi no momento de maior auge da empresa, durante o período em que permanece sobre controle dos trabalhadores, que a Justiça Federal determinou o empossamento do Sr. Interventor como administrador da empresa, o qual tratou de garantir o seus honorários (inicialmente em R$ 153.000,00 (cento e cinqüenta e três mil reais) às custas dos trabalhadores da Cipla e Interfibra).
É de conhecimento público que a gestão dos trabalhadores da Cipla e Interfibra, em Joinville/SC e da Flaskô, em Sumaré/SP, cumpre um papel econômico e social de grande importância para suas respectivas regiões. As duas primeiras, durante mais de cinco anos, mantiveram a atividade industrial e os postos de trabalho, depois da ameaça concreta de fechamento das empresas. Somente permaneceu aberta por conta da decisão dos trabalhadores de enfrentarem os novos desafios e assumirem a gestão das fábricas. Assim foi feito, por meio da procuração outorgada judicialmente, conforme já trazido ao presente autos.
De dezembro de 2002 a maio de 2007, as fábricas aumentaram o faturamento, melhoraram a qualidade da produção, conquistaram as certificações de qualidade exigidas, aumentaram as vendas e qualificaram os setores de compras. A gestão dos trabalhadores realizou acordos comerciais importantes, como o feito com a empresa Pequiven, da Venezuela, garantindo matéria-prima por um preço justo, diferente do mercado brasileiro, controlado pelos grandes monopólios. Não obstante, realizaram diversos acordos para pagamento das dívidas deixadas pela gestão patronal, geraram novos postos de trabalho, diminuíram brutalmente o número de acidentes de trabalho, conquistaram um novo ambiente de trabalho e um novo ritmo de produção, realizaram cursos técnicos e educacionais, atividades esportivas, possibilitaram que todos os trabalhadores aprendessem o funcionamento de toda a fábrica, com as eleições para os conselhos de trabalhadores para cada setor, além de realizarem trabalhos sociais com a comunidade e a população mais carente.
Enfim, o que se constata é que foram adotadas diversas medidas de cunho econômico e social que fizeram destas duas empresas um exemplo a ser seguido. É o que nos diz diversos setores institucionais, seja do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, seja dos meios de comunicação (com as diversas reportagens, vários documentários, etc.), das universidades (com as diversas teses de mestrado e doutorado, grupos de pesquisa, intercâmbios com universidades do exterior, etc.). É o que a gestão dos trabalhadores da Flaskô realiza em Sumaré, continuamos esta perspectiva. Vejamos:
Em junho de 2003, a Flaskô possuía 60 mil reais de faturamento, contava com apenas 62 trabalhadores, estava com 3 meses de salários atrasados, mais de 5 anos sem alguns dos direitos trabalhistas sendo que outros jamais haviam sido pagos, quase 15 anos de inadimplemento tributário, constantes cortes de energia após deixar de pagar as contas dos últimos 3 meses, sem contar todo o sucateamento dos maquinários, onde muitos deles foram levados pelos patrões nos anos anteriores, além da falta de manutenção das que haviam permanecido, e, por fim, as contínuas fraudes contra credores realizadas neste período. Enfim, uma situação clara de abandono patronal, sendo que os próprios gerentes já não se encontravam presentes na sede da empresa, tão-pouco os proprietários.
Diante dessa situação, a única perspectiva para os trabalhadores seria assumir a fábrica como forma de recuperar a atividade produtiva e manter seus postos de trabalho. Assim foi feito nas empresas Cipla e Interfibra numa situação muito similar em outubro de 2002, e este foi o caminho na Flaskô, em junho de 2003.
Desde então, é notório que a gestão dos trabalhadores da Flaskô proporcionou diversos avanços sociais e econômicos, como reconhecido pelo próprio Juiz de Sumaré. Em termos econômicos, o faturamento mensal da Flaskô chegou à novecentos mil reais mensais no final de 2006, com 118 trabalhadores. Ou seja, um salto brutal ao comparar com a situação da empresa quando abandonada pela gestão patronal. De junho a agosto de 2007, como dissemos, ficamos sem energia na Flaskô, por conta do corte ilegal de luz, realizado pelo Sr. Interventor. Muitos trabalhadores, naturalmente, tiveram que partir. Mas todo este esforço e perseverança valeram a pena. Comprovou-se a ilegalidade de tal conduta na Justiça, e conseguimos religar a energia. Desde então uma nova etapa se faz na Flaskô, como já explicamos nestes autos. Recomeçamos literalmente do zero, por conta da sabotagem econômica e falta de clientes, mas, hoje estamos com um faturamento mensal em torno de 400 mil reais e contamos com 68 trabalhadores.
Como resultado, observamos que a gestão operária qualificou seus trabalhadores, conquistaram diversos direitos sociais garantidos na ordem constitucional, resultando em uma nova qualidade de vida dos trabalhadores. Os avanços conquistados para os trabalhadores da fábrica foram muitos. Mas as conquistam não se restringem somente aos que trabalham na fábrica. Pelo contrário, hoje são mais de 400 pessoas, entre crianças e idosos, que participam do projeto da Fábrica de Esporte e Cultura, realizado em um galpão da fábrica. Mais de 350 famílias vivem na Vila Operária e Popular, uma ocupação de moradia que caminha para sua regularização após seis anos de ocupação existente no terreno da fábrica. Ou seja, o papel social e econômico da gestão dos trabalhadores da Flaskô, assim como era da Cipla e da Interfibra, é inegável.
Desta forma, cumpre-se uma verdadeira função social da propriedade, da empresa. Tanto é que está bem avançado o processo de reconhecimento para concretizar a declaração de interesse social da Flaskô.
Assim, o que vemos é que tais fatos são conhecidos não somente em Joinville/SC ou em Sumaré/SP, mas em todo o Brasil e no mundo. Muito diferente, portanto, das superficiais alegações do Sr. Inventor, que de forma leviana e irresponsável acusa a gestão democrática dos trabalhadores de “ditadura”, quando tal rótulo caberia muito mais para sua decisão, unilateral, de demitir mais de 350 trabalhadores. Ou ainda, chamar os trabalhadores de “parasitas”, quando é o próprio Sr. Interventor quem deixa de cumprir com os pagamentos tributários devidos. (…).
Em suma, diante da situação de demissões em massa, derrubada das conquistas sociais alcançadas na gestão operária, ausência de pagamento de tributos, em especial, pelo não pagamento da dívida que deu origem a referida intervenção judicial, cabe perguntarmos: Onde estaria garantido, por meio da intervenção judicial, o Estado Democrático de Direito?”
Aqui vale a pena uma observação. Como conseqüência deste descumprimento, e dos mandos e desmandos do Interventor, agora em 07 de dezembro de 2010, no próprio processo da intervenção, a Justiça Federal de Joinville decidiu pelo seu fim porque a mesma não cumpriu com os objetivos que havia sido determinada. Vejamos:
“EXECUÇÃO FISCAL Nº 98.01.06050-6/SC:
Despacho/Decisão: (…) Veja-se que, passados mais de três anos desde o início da intervenção judicial, nem sequer há previsão de quando se iniciará o cumprimento da penhora sobre o faturamento, que era a finalidade da intervenção. Não há outra alternativa senão reconhecer que, infelizmente, a medida excepcional adotada não atingiu seus objetivos. (…)
Declaro encerrada a intervenção judicial das empresas Cipla S/A; Cipla Indústria de Materiais de Construção S/A; Cipla Indústria de Tubos, Mangueiras e Flexíveis Ltda.; Cipla Indústria de Tintas e Vernizes S/A; Plastiplus Indústria e Comércio de Plásticos Ltda.; Brakofix Industrial S/A; Poliasa Indústria de Produtos do Lar Ltda.; Fiorisa Indústria de Produtos do Lar Ltda.; Interfibra Industrial S/A, HB Comercial S/A e New Home S/A, todas integrantes do Grupo Cipla, pois a medida excepcional não se mostrou capaz de garantir a penhora sobre o faturamento e, por conseguinte, a finalidade almejada quando de sua decretação. Encerrada a intervenção, consequentemente, encerra-se a necessidade de manter um interventor/administrador judicial no Grupo Cipla.
A ser assim, determino a interrupção imediata dos trabalhos desempenhados pelo senhor Rainoldo Uessler (CPF 047.543.109-00), na condição de interventor/administrador judicial das empresas sob intervenção, e o destituo do encargo de interventor/administrador judicial. Encerra-se, também, a remuneração do interventor/administrador judicial.
O controle e administração das empresas do Grupo Cipla deve retornar, de imediato, aos trabalhadores, pois eram esses os administradores do grupo econômico quando decretada a intervenção”.
Ou seja, está escancarada a motivação política da intervenção nas fábricas sob controle operário. Esta recente decisão mostra o papel do Interventor.
Mas o interventor, com a clara intenção de criminalizar a organização dos trabalhadores, acusa o Movimento das Fábricas Ocupadas, dirigidos pela Esquerda Marxista, de descumpriam cotidianamente as leis e o Estado Democrático de Direito, e fundamenta isso trazendo a decisão da própria intervenção judicial, quando o juiz Oziel Francisco de Souza expôs:
“Quinto, e talvez o mais importante reflexo negativo do custo social da atitude da executada: a acolher-se o argumento de que tudo pode ser feito para a manutenção de mil postos de trabalho, estar-se-á legitimando o desrespeito odioso das leis e jogando por terra o Estado Democrático de Direito. Imagine se a moda pega?”
Sabemos que esta é a questão central. Eles não querem que a moda pegue, ou seja, que ocorram novas ocupações de fábricas, com avanço no processo de consciência da classe trabalhadora, onde se apontam os reais parasitas da sociedade – a burguesia e a lógica do capital.
Quem é que desrespeita o Estado Democrático de Direito? Quem são os parasitas da sociedade?
O caso do Movimento das Fábricas Ocupadas mostra muito bem como se dá a luta de classes. Mostra quem são os parasitas na sociedade capitalista, e como utilizam seus aparatos de Estado para combater a organização dos trabalhadores.
A petição do Interventor conclui dizendo que não deve ser reconhecida a legalidade da gestão operária da Flaskô, e que os poderes legais devem ser dados à ele. Por ora, seu pedido foi negado. Veremos como as coisas prosseguirão. Porém, sabemos que a burguesia, seja pelo Interventor ou por outros capitalistas, continuará atacando o exemplo da gestão operária e da organização política que possui como perspectiva a expropriação dos meios de produção e a construção do socialismo.
A Esquerda Marxista continua firme em suas posições, e atitudes como esta, apenas reforça o acerto de nossas ações, e continuaremos lado a lado aos trabalhadores da Flaskô, mantendo este exemplo de luta pela estatização sob controle operário, assim como continuará lutando pelo fim da intervenção nas fábricas em Joinville.
Mas, além disso, estaremos prontos para contribuir, junto com os movimentos sociais e entidades sindicais com novas ocupações de fábricas, de terra, por moradia, prédios públicos, etc., para explorar as contradições do capitalismo, contribuindo na construção das condições para a revolução socialista.
• Viva a resistência dos trabalhadores da Flaskô!
• Viva a luta do Movimento das Fábricas Ocupadas!
• Viva a Esquerda Marxista!
• Socialismo ou Barbárie, venceremos!
23 de dezembro de 2010