Ecuador Today

A revolta no Equador marca o início do século 21

Em outubro de 2019, os trabalhadores do Equador se levantaram contra o governo e os capitalistas e somente não tomaram o poder por conta das hesitações de sua direção. Esse processo foi mais um episódio de uma longa trajetória de lutas dos camponeses equatorianos e de suas organizações, especialmente aquelas ligadas ao movimento indígena. 

No começo do século, em janeiro de 2000, os trabalhadores equatorianos, por meio do Parlamento dos Povos, derrubaram o governo e colocaram na ordem do dia a possibilidade de tomada do poder. O texto que segue mostra em detalhes como se deu esse processo revolucionário, que por pouco não derrubou as instituições da democracia burguesa, colocando na ordem do dia a possibilidade de tomada do poder. Na última edição do jornal Tempo de Revolução, discutimos essa longa trajetória de luta e como se relaciona com a crise de direção. Para acompanhar essa discussão e todo o processo de lutas em curso na América Latina e em outros continentes, assine o Tempo de Revolução.

Após uma semana de mobilizações de massas, manifestações, greves e confrontos, na sexta-feira, 21 de janeiro, dezenas de milhares de indígenas, camponeses, trabalhadores e estudantes do Equador ocuparam um a um os prédios do Parlamento, da Suprema Corte e do Palácio Nacional, e estabeleceram um governo alternativo. Diante desses acontecimentos, os meios de comunicação de massa do mundo, que permaneceram em silêncio durante toda a semana, começaram a gritar que um golpe militar havia derrubado o governo do presidente Jamil Mahuad. Portanto, é necessário esclarecer antes de tudo que o que aconteceu no Equador na última semana é uma revolução.

“Naqueles momentos cruciais em que a velha ordem se torna insuportável para as massas, elas rompem as barreiras que as excluem da arena política, varrem para o lado seus representantes tradicionais e criam por sua própria interferência as bases iniciais para um novo regime.” (Trotsky, História da Revolução Russa)

Para entender o magnífico movimento de massas no Equador dos últimos dias, devemos voltar ao início dos anos 90, quando toda uma série de governos, tanto de direita quanto de “esquerda”, começaram a aplicar fielmente os planos de ajuste estrutural ditados pelo FMI. Os resultados já estão à vista de todos: dois terços da população abaixo da linha da pobreza, hiperinflação e desemprego em massa.

Em 1995, o Equador travou uma curta guerra contra o Peru com o objetivo principal de desviar a atenção das massas de seus problemas sociais para uma onda de fervor nacionalista. Mas isso durou pouco tempo e alguns meses depois houve protestos em massas dos trabalhadores contra as políticas econômicas do governo. O descontentamento generalizado dos trabalhadores e camponeses expressou-se em 1996 com uma votação expressiva em Abdalá Bucaram, que conquistou a presidência com base em promessas demagógicas. Em poucos meses, ele rompeu todas as suas promessas e adotou os mesmos planos de ajuste ditados pelo FMI, incluindo aumentos maciços de preços de todos os produtos básicos. Da noite para o dia, a eletricidade aumentou 500%, o gás 340%, as tarifas telefônicas 700%, entre outros. Esta foi a centelha que acendeu o mal-estar acumulado. Os sindicatos convocaram uma greve nacional nos dias 5 e 6 de fevereiro de 1997, que se tornou uma greve por tempo indeterminado. Bucaram tentou se manter no poder por meio da repressão, decretando estado de emergência e levando as tropas às ruas, mas isso não interrompeu os protestos. Ele então tentou retirar todo o pacote de medidas econômicas, mas também não funcionou e, finalmente, Bucaram, “o louco”, teve que fugir do país.

A burguesia equatoriana, tomada pelo pânico dada a magnitude do movimento e sua incapacidade de detê-lo pela repressão, rapidamente fez um acordo e nomeou Fabián Alarcón como presidente interino. Já naquela época as organizações sindicais alertavam que o objetivo da greve não tinha sido apenas forçar a renúncia do presidente, mas a rejeição de suas políticas econômicas.

O novo governo de Alarcón seguiu exatamente as mesmas políticas de Bucaram e Jamil Mahuad desde que foi eleito em 1998. Um país pobre e altamente endividado como o Equador tem pouco espaço de manobra no que diz respeito às políticas econômicas. Enquanto a lógica do capitalismo for aceita, só há uma saída possível: descarregar o peso da crise sobre os ombros dos trabalhadores e camponeses. Eles resistiram a todos os ataques ao seu padrão de vida lançados pelo governo e em várias ocasiões os derrotaram. Em março do ano passado, uma greve geral de 48 horas obrigou o governo a retirar seu plano de ajuste e o mesmo aconteceu em agosto do mesmo ano.

Dolarização da economia

O ano 2000 começou no Equador com 62% da população abaixo da linha da pobreza, 70% da força de trabalho desempregada ou subempregada, uma queda da economia de 7,2% e uma taxa de inflação de 70%. Diante dessa situação, o governo de Mahuad decidiu decretar a dolarização da economia a uma taxa de 25.000 sucres (moeda equatoriana) por dólar.

A dolarização da economia, que já foi aplicada na Argentina, representa uma tentativa desesperada da burguesia latino-americana de encontrar uma saída. O argumento é que isso aumentará a “confiança” dos investidores estrangeiros. Longe de resolver os problemas econômicos do país, amarrar uma economia em profunda recessão à economia dos EUA significará apenas mais planos de austeridade. Ao perder sua autonomia na política monetária, as únicas medidas que um governo poderia usar para sair da recessão seriam mais cortes nos gastos públicos, privatizações, cortes em salários e subsídios etc. Isso, longe de ser uma receita para a recuperação da economia, contrairia ainda mais o mercado interno, mergulhando o país em uma recessão ainda mais profunda. No curto prazo, a dolarização pode ter o efeito de controlar a inflação, mas apenas paralisando a atividade econômica quase completamente. É claro que em meio a uma recessão profunda é difícil aumentar os preços.

No caso concreto do Equador, a dolarização a 25.000 sucres por dólar também é um belo presente para capitalistas e banqueiros que têm contas em dólares que compraram a 15.000 sucres.

Com base nessas experiências passadas, os movimentos operários e camponeses do Equador decidiram partir para a revolta desta semana. A Confederação Nacional de Nacionalidades Indígenas (Conaie) e a Coordenação de Movimentos Sociais (CMS) criaram o Parlamento Nacional Popular e anunciaram um levante nacional por tempo indeterminado a partir de 15 de janeiro, e a tomada de Quito por milhares de camponeses indígenas vindos de todo o país.

O caráter desse movimento revela uma mudança qualitativa. A luta não é mais apenas para mudar de presidente ou para forçar novas eleições. Agora, o objetivo aberto da luta é uma “insurreição nacional”, o estabelecimento de parlamentos populares em nível nacional, regional e local como os únicos órgãos de poder e a abolição dos três poderes do Estado (executivo, judiciário e legislativo).

O jornal equatoriano El Comercio assim o descreveu:

“Os movimentos indígenas e sociais mudaram o que havia sido sua direção e plataforma política desde que apareceram pela primeira vez como uma força de resistência no início dos anos 90. Essa mudança, na forma do levante atual, os levou a romper completamente com as formas de poder estabelecidas. […] Eles estão procurando criar um estado paralelo, com suas próprias regras e representantes. […] O objetivo final desse movimento não é derrubar o presidente Mahuad ou levar suas demandas ao Congresso, isso eles já fizeram e não obtiveram resultados. Por isso levantam a necessidade de estabelecer novas formas de organização. O caminho que escolheram não é apenas a continuação de seus chamados parlamentos provinciais e o nacional, como também a criação de novos no nível cantonal. Uma democracia, a que chamam de direta, sem pedir permissão a ninguém e sem recorrer a intermediários. No passado, já os utilizaram, mas não deram qualquer resultado” (El Comercio, 16/1/00).

O desafio ao Estado burguês e a constituição de órgãos de poder operário e camponês representam um avanço muito significativo na consciência das massas do Equador, consequência direta das lutas dos anos anteriores.

A revolta começou em 15 de janeiro com a declaração do estado de emergência pelo governo e prisões em massa de líderes sindicais e estudantis. É importante deixar claro que o movimento foi iniciado pelas organizações indígenas, mas teve o apoio e a participação da classe trabalhadora. Os trabalhadores da petrolífera nacional Petroecuador declararam uma greve geral por tempo indeterminado em apoio ao movimento indígena e contra as políticas econômicas e sociais do governo. Segundo a Agência Pulsar: “o secretário do Sindicato Petroecuador, Diego Cano, disse que não tem medo da presença nas ruas e estradas de mais de 30 mil soldados e policiais e que sua intenção é protestar até que Jamil caia com todo o seu governo”.

A Frente Única dos Trabalhadores e a Confederação dos Sindicatos Livres do Equador também aderiram à insurreição. Nas palavras de Saltos Garza, porta-voz da Coordenação dos Movimentos Sociais, “esta não é uma revolta indígena, é uma revolta dos povos do Equador, dos movimentos sociais e dos cidadãos atingidos pela inflação” (El Telegrafo, 16/01/00).

Uma revolta nacional

A insurreição adquiriu um caráter verdadeiramente nacional e manifestações de massa ocorreram em todo o país. A característica comum é a tomada de prédios do governo e a criação de parlamentos populares locais e provinciais. Em Cuenca, por exemplo, uma manifestação impressionante de 50 mil pessoas entrou em confronto com a polícia e o exército, e tomou o prédio do governo.

Em Guayaquil, capital econômica do país, milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes se manifestaram todos os dias, desde a segunda-feira, em apoio à insurreição. A manifestação obteve o apoio de setores da pequena burguesia, principalmente pequenos lojistas, que aderiram ao movimento em todo o país. Em Loja, no Sul, houve manifestações diárias e confrontos com a polícia. O exército ocupou o campus da universidade e prendeu 150 estudantes.

Apesar do impressionante desdobramento da polícia e do exército para impedir a entrada dos indígenas na capital Quito, na quarta-feira havia mais de 20 mil deles nas ruas. O líder da Conaie, Antonio Vargas, disse que “os indígenas e seus apoiadores urbanos não vão se ajoelhar diante dos ladrões e corruptos que detêm o poder econômico e político. Ele apelou para a formação de uma frente única, pois só o povo pode salvar o povo. Apelou à polícia e ao exército para que apontem suas armas contra os que estão saqueando o país e não contra os indígenas ou o povo, que são seus irmãos” (PULSAR, 19/01/00).

Na província de Chimborazo cerca de 50 mil camponeses indígenas bloquearam todas as estradas da província. O exército fala em uma maré vermelha por causa da cor dos ponchos tradicionais dos índios desta região. Ao mesmo tempo, o parlamento popular provincial da região amazônica anunciou a tomada dos poços de petróleo por trabalhadores e índios.

A insurreição foi adquirindo um caráter mais massivo com o passar dos dias e não foi detida pela repressão nem pelas mentiras do governo, que chegou a imprimir comunicados falsos em nome da Conaie ameaçando matar todos os não índios.

Na quinta-feira, o exército ocupou a refinaria de petróleo de Esmeraldas, um dos maiores complexos industriais do Equador, mas não conseguiu que os trabalhadores voltassem ao trabalho.

Dezenas de milhares de indígenas, trabalhadores, estudantes e pequenos comerciantes participaram das manifestações em Quito. Durante dias cercaram as instituições do poder do Estado com o objetivo de dominá-las. O governo organizou a defesa desses prédios com o exército e os protegeu com arame farpado, mas não há força capaz de deter todo um povo quando decidiu que basta e, finalmente, na sexta-feira, 21, eles assumiram o parlamento. Assim descreve Pulsar: “Os movimentos indígenas e camponeses do Equador, junto com os setores urbanos organizados e com total apoio das camadas médias e dos soldados dos três ramos das Forças Armadas, estabeleceram um poder alternativo neste país. Isso aconteceu quando a grande massa de indígenas e camponeses de Quito rompeu o cerco ao prédio do Parlamento e o tomou. No início houve resistência dos soldados, mas de repente chegaram centenas de soldados em carros blindados, vindos da Academia Militar e que apoiaram a ocupação”. Um grupo de 70 jovens coronéis liderados por Lucio Gutierrez declarou que estava se juntando à insurreição.

O papel do exército

Ao analisar o fato de que um setor do exército se juntou à insurreição, devemos levar em conta uma série de fatores. Por um lado fica claro que uma parte importante dos soldados, suboficiais e até alguns oficiais se identificam com a luta dos trabalhadores e camponeses que afinal, como disse Antonio Vargas, são seus “irmãos”. A confraternização de soldados e suboficiais com os operários e camponeses revolucionários é uma característica de toda revolução, seja na Rússia em 1917 ou na Espanha em 1936.

Por outro lado, também é possível que setores dos oficiais do exército sintam-se sinceramente desgostosos com as políticas econômicas do governo de Quito, que favorecem apenas um punhado de banqueiros e, no final das contas, equivalem à “venda do país ao imperialismo a preços de queima de estoques”. Esta ala de “oficiais patrióticos” que quere livrar o país da corrupção e da intervenção estrangeira tem um exemplo a seguir no movimento de Chávez na Venezuela, que tem exatamente essas mesmas características. É significativo que seja a primeira vez em anos que vemos a entrada de setores do exército na arena política ao lado das camadas mais oprimidas da sociedade.

No período após a Segunda Guerra Mundial, o impasse do capitalismo no mundo colonial forçou setores da casta de oficiais a tomar o poder em vários países, na tentativa de retirá-los de seu atraso e libertá-los da dependência ao imperialismo. Em alguns casos, tomando como forma o modelo stalinista da União Soviética, nacionalizaram a economia expropriando o imperialismo e a débil burguesia nacional. O modelo stalinista era útil para eles, pois uma economia planificada permitia o desenvolvimento econômico do país e, ao mesmo tempo, a ausência de uma democracia operária permitia a esses oficiais conceder a si mesmos todos os privilégios de uma casta dominante. Foi o que aconteceu em países como Síria, Birmânia, Etiópia e Afeganistão, entre outros.

Agora o modelo da União Soviética não existe mais para ser seguido, mas o impasse total do capitalismo em vários países ainda obriga setores da casta de oficiais a entrar na política com um programa muito confuso, uma mistura de populismo, anti-imperialismo e de rejeição do modelo econômico “neoliberal”, ou seja, a política de “ajuste estrutural”, privatizações, etc. O exemplo mais claro disso é Chávez na Venezuela.

Não está claro até onde irão sob a pressão das massas, mas é dever dos marxistas enfatizar que a revolução deve ser realizada pela classe trabalhadora liderando todas as camadas oprimidas da sociedade. Caso contrário, no máximo, veríamos o estabelecimento de um regime stalinista sob o controle firme dessa casta de oficiais.

Provavelmente, o grupo de 70 oficiais que decidiu apoiar o levante na manhã de sexta-feira pertence a essa categoria de “oficiais patrióticos” descontentes. Parece que os contatos entre so dirigentes camponeses e os movimentos sociais e esta ala do exército já haviam começado em dezembro. Após a posse do Congresso Nacional foi constituída a Junta Civil-Militar de Salvação Nacional. A composição desta junta e suas primeiras declarações refletem claramente as deficiências do movimento. A Junta é formada pelo líder da Conaie, Antonio Vargas, pelo ex-presidente da Suprema Corte, Carlos Solórzano, e pelo coronel Gutierrez.

Em sua primeira declaração, Lucio Gutierrez apela aos “ex-presidentes do Equador, políticos honestos, Igreja, mídia, empresários e banqueiros honestos, trabalhadores, desempregados e mulheres para apoiar uma mudança no país.” (Pulsar, 21/1 /00). No mesmo sentido, Carlos Solórzano afirma que: “Queremos convidar empresários de boa vontade e banqueiros honestos a participar deste governo. A única coisa que queremos daqui para frente é que o país não seja saqueado. Chega de roubar. Queremos um Equador livre de ladrões. Acho que esse é o slogan principal” (Pulsar, 21/01/00).

Direção confusa

Aqui podemos ver claramente como a principal fraqueza do movimento é justamente sua direção. Depois que os trabalhadores e camponeses tomaram o poder, seus próprios líderes já estavam pensando em como devolvê-lo aos banqueiros e capitalistas, embora apenas “honestos”, por enquanto. A confusão dos dirigentes do movimento levou-os a recorrer a elementos do velho aparelho de Estado para criar um novo. O poder já estava em suas mãos, mas eles não perceberam. Assim, o movimento que era muito radical em seu caráter e formas de organização era muito fraco e confuso em seu programa político.

Na noite de sexta-feira, os “Communards“, como são chamados pela imprensa, com o apoio de setores militares finalmente tomaram o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Nacional, de onde Mahuad já havia fugido.

Então, o comandante supremo das Forças Armadas, general Carlos Mendoza, vendo o poder escapar de suas mãos, decidiu aderir à insurreição depois de já ter sido vitoriosa, e só para poder traí-la por dentro, e substituiu o coronel Gutierrez no Junta de Salvação Nacional.

Isso encerrou o primeiro capítulo desse movimento revolucionário. As massas provaram mais uma vez que, quando começam a se mover, não há poder na terra que possa detê-las. Desta vez, seu objetivo era claro: a derrubada não apenas de um governo, mas de todo o aparato estatal e sua substituição por outro baseado nos parlamentos populares. Em apenas cinco dias, as massas camponesas e operárias do Equador, usando seus métodos tradicionais de luta, a greve geral, a insurreição, a mobilização de massas e conquistando um setor do exército para o seu lado, conseguiram tomar o poder.

O problema é, como em tantas outras revoluções, a falta de uma direção genuinamente revolucionária capaz de levar o movimento até o fim. Assim como na Rússia em fevereiro, na Alemanha em 1918 e na Espanha em 1936, as massas tomaram o poder e seus líderes o devolveram à burguesia.

No sábado, o Equador acordou com a notícia de que o general Mendoza, supostamente membro da Junta de Salvação, havia devolvido o poder ao vice-presidente de Mahuad, Gustavo Noboa. Sua primeira declaração afirmava que “continuará principalmente com as políticas econômicas do deposto Mahuad” e que “a dolarização, o plano de resgate do sistema bancário e a modernização iniciada pelo deposto Jamil Mahuad continuarão sem oposição”.

Agora está claro que o general Mendoza agiu como um peão daqueles setores da burguesia que temiam que a tentativa de Mahuad de se agarrar ao poder pudesse terminar com a derrubada completa de seu regime. A decisão de entregar o poder ao vice-presidente foi tomada pelo general Mendoza após visita à embaixada dos Estados Unidos. Jamil Mahuad, que viu o poder da classe que ele representa milagrosamente salvo, declarou publicamente seu apoio ao novo presidente Noboa.

No momento em que escrevo, as notícias ainda são confusas. O grupo de coronéis que se juntou à insurreição sente-se traído e o coronel Gutierrez foi preso. Parece que na madrugada de sábado as massas discutiram a possibilidade de retomar o Palácio do Governo. Romelio Gualán, líder indígena e camponês diz que “o povo indígena não teme a morte, pois já está morrendo de fome no campo, então prefere morrer nas estradas, nas ruas das cidades, buscando uma mudança para todo o povo equatoriano”.

No final, a direção do movimento, que baseara toda a sua estratégia no apoio a uma ala do exército, sentindo-se traída pelos generais, abandonou o campo de batalha. A verdade é que o general Mendoza não traiu o movimento, pois desde o início se pôs à sua frente apenas para decapitá-lo. No sábado de manhã a situação ainda não estava perdida. Se os líderes tivessem se baseado na formação de comitês de soldados e na extensão dos parlamentos populares a todos os níveis, e no expurgo de todos os elementos burgueses, eles ainda poderiam ter mantido o poder. Como mostraram os acontecimentos da sexta-feira, dia 21, o poder não estava nas mãos de seus representantes oficiais (parlamentares, juízes e presidente), mas nas ruas de Quito e de todo o país estavam nas mãos dos parlamentos populares e do parlamento nacional do povo.

Quem detinha o poder?

Os líderes do movimento popular e camponês ficaram desorientados com as aparências do poder. Quando o general Mendoza, à frente da Junta de Salvação decretou sua dissolução e nomeou o presidente Noboa, não souberam responder e aceitaram. Eles não perceberam que o general Mendoza tinha pouco poder real para apoiá-lo, já que a maior parte do exército estava do lado dos comunards. Se tivessem feito um apelo às massas operárias e camponesas reunidas para retomar o Palácio Nacional, e aos soldados para que apontassem suas armas contra os generais e se juntassem ao movimento, a situação teria sido totalmente diferente.

Manifestações em Quito, no Equador, em 23 de junho – Mariana Sapienza
As últimas notícias parecem indicar que os camponeses e indígenas deixaram a capital e dissolveram o parlamento popular. Alguns parlamentos populares provinciais não foram dissolvidos e há relatos de que o movimento de massas continua em algumas das províncias. Assim, no domingo, 23, El Comercio noticiou:

“Em Riobamba e Guaranda as manifestações indígenas continuaram com a palavra de ordem de continuar o movimento. Também houve mobilizações em Ambato e Otavalo… Em Riobamba, cerca de 15.000 índios marcharam até o mercado de Condamine e forçaram seu fechamento. Logo realizaram uma reunião na Casa do Indígena, onde seus líderes ratificaram o caráter indefinido da revolta… Em Guaranda, às 10h30, uma marcha de mais de 3.000 índios forçou o fechamento do mercado e das lojas. Os líderes declararam que estavam desapontados com o curso do movimento e ratificaram a continuação do levante.” (El Comercio, 23/01/00)

Apesar disso, a tendência geral parece ser a dissolução dos parlamentos populares locais e o fim do movimento.

Seja qual for o resultado imediato deste levante, é claro que as massas operárias e camponesas aprenderam muito sobre o papel do Estado, o papel dos comandantes do exército, sobre sua própria força, etc. A burguesia equatoriana é completamente incapaz de resolver qualquer um dos problemas econômicos urgentes do país e, portanto, este não é o fim do processo, apenas mais um importante capítulo.

O Equador não é um caso isolado na América Latina. Colômbia, Venezuela, Argentina, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Brasil, todo o continente tem testemunhado mobilizações de massas, greves gerais e insurreições camponesas repetidas vezes nos últimos anos. Estão reunidas todas as condições para uma revolução vitoriosa. Assim que isso acontecer em um país, ele se espalhará como fogo em todo o continente.

A necessidade mais urgente para os trabalhadores das cidades e do campo no Equador e no resto do continente é forjar uma direção revolucionária firmemente baseada no princípio da independência de classe e em um programa socialista genuíno, o único que pode oferecer um caminho a seguir para as massas do continente.

23 de janeiro de 2000

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.