O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) está vivenciando o resultado de décadas de descaso. A pandemia escancarou a insuficiência do sistema e multiplicou as dificuldades e desafios na atuação dos trabalhadores do SUAS.
A Emenda Constitucional 95 enfraqueceu e limitou os investimentos na assistência social, fragilizando ainda mais todo o sistema, pois o índice de correção pelo IPCA é insuficiente e nunca alcançará o crescimento da população. Essa política fere toda a rede de proteção social e está sendo ampliada pelo governo Bolsonaro com a tramitação da PEC 186 que trará mais sucateamento aos serviços públicos.
Equipes desfalcadas, números insuficientes de equipamentos (CRAS, CREAS, POP) em relação ao tamanho e a situação socioeconômica da população, as terceirizações, o desfinanciamento do sistema e a incapacidade de gestão da assistência social. Essa é a realidade dos trabalhadores do SUAS, que sentem o desgaste pelo aumento da demanda ocasionado pela pandemia.
Apesar de ser tratada como serviço essencial, a assistência social não viu investimentos e o suporte necessário para atravessar a crise sanitária e econômica, que é ainda mais intensa para os usuários do serviço. Desse modo os trabalhadores não viram na prática o reconhecimento dessa essencialidade. Os serviços que atendem a população continuam cada vez mais deficitários.
Um grande entrave para os serviços da assistência social é a falta de entendimento dos outros órgãos públicos no que diz respeito as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Vários serviços estão sendo disponibilizados somente online, e mesmo os atendimentos presenciais muitas vezes necessitam de agendamento pela internet. É comum entre os usuários do serviço a perda de documentos pessoais, e a falta de acesso à internet ou dificuldade na realização de serviços digitais. Os novos fluxos desses serviços não foram pensados para as pessoas que mais utilizam os atendimentos e essa demanda acaba chegando na porta dos equipamentos da Assistência Social. “No território somos o que a população tem para acessar seus direitos. Porque os atendimentos em outros órgãos públicos como INSS, Tribunais, Ministério Público e Defensoria Pública são viabilizados por nossos técnicos. Temos famílias que não têm letramento digital para além da dificuldade do acesso”, relata uma servidora da SAS.
A atuação dos trabalhadores da SAS de Joinville
Em Joinville, a precarização e o descaso com os serviços da Secretaria de Assistência Social (SAS) já é fato bem conhecido. Em 2019, a assistência sofreu com o fechamento do Abrigo Infanto Juvenil e precisou lutar contra a ameaça de terceirização da Casa Abrigo Viva Rosa. Assunto que deve voltar à pauta com a nova gestão que defende as terceirizações na assistência social e a entrega do serviço às ONGs, colocando a assistência social como caridade e voluntariado. A política defendida pelo prefeito Adriano Silva (Partido Novo) segue o Governo Federal na tentativa de desarticular as lutas sociais, retirando das costas do Estado a questão social como o direito de cidadania.
Os servidores dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) relatam o aumento da procura pelos benefícios em decorrência da crise sanitária unida às transformações na legislação trabalhista, tais como “flexibilização” e eliminação de leis que garantiam direitos conquistados, gerando aumento do número de desempregados e subempregados, diminuição das condições socioeconômicas da população, precarização das condições de vida dos trabalhadores, além da migração e da elevação do custo de vida. Esses fatores contribuem para a expansão das filas de espera da assistência social. Cresceu consideravelmente o número de usuários economicamente vulneráveis aptos a receber cesta básica e a cota que as equipes recebem não é suficiente para fornecer o benefício a todos que necessitam do auxílio. Cresceu também a demanda para realização do Cadastro Único, para que a população tenha acesso às tarifas sociais nas contas de água e luz e acesso a outros benefícios. Além da situação delicada dos enlutados pela C ovid-19, que recorrem aos CRAS para ter acesso ao auxílio funeral.
Nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) a situação não é diferente: aumento da demanda, falta de reposição do quadro de servidores, filas de espera de meses para ter acesso aos serviços. Nesse caso é ainda pior, pois a população que é atendida pelo CREAS, em grande parte mulheres, estão em situação de risco pessoal e social e tiveram seus direitos violados das formas mais cruéis como violência física, psicológica e sexual, podendo estar afastadas do convívio familiar por medidas de proteção e diversos outros casos como pessoas vítimas de discriminação ou em situação de abandono.
Vale ressaltar que em 2020, quando a pandemia começou a assombrar os lares e fez a violência contra a mulher aumentar, o gasto com ações de proteção feito pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) foi justamente o menor dos últimos dez anos. A Casa da Mulher Brasileira recebeu apenas 67,8 mil reais do Ministério em 2020, embora a pasta tivesse 65,4 milhões disponíveis para a ação. Sem o acolhimento e proteção das Casas de Apoio muitas mulheres em situação de violência doméstica voltam aos lares, o que contribui para o crescente número de vítimas de homicídios no país, demonstrando uma política de morte para as mulheres.
Outro serviço da rede de assistência é o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) que presta atendimento à população de rua e realiza abordagem social. Para os servidores do POP, como para os dos outros serviços essenciais da SAS, a pandemia agravou os problemas já existentes. O Centro POP além de atender a população de rua de Joinville, atende muitos migrantes, de vários lugares do país e de outras nacionalidades, o que coloca todos em risco, usuários e servidores, não há condições sanitárias para realizar os atendimentos. A unidade disponibiliza banheiros e chuveiros para as pessoas em situação de rua. A higienização desses espaços acontece duas vezes ao dia, pois a prefeitura contrata uma empresa terceirizada para o serviço, que disponibiliza apenas uma funcionária para a limpeza de toda a unidade. A explicação dada pela gestão é de que o contrato leva em consideração somente a metragem do local, e não os serviços oferecidos e as condições de vulnerabilidade da população que frequenta a unidade.
O Centro Pop recebeu essa semana termômetros. Porém, se o usuário estiver com a temperatura alta e não apresentar sintomas graves, os servidores não têm para onde direcioná-lo. “Ele está em situação de rua, não tem como pedir que retorne ao lar e faça o isolamento social. Também não é possível não permitir a entrada dele na unidade para sua higiene pessoal ou sua alimentação no Restaurante Popular”, explica uma servidora. “O município não possui um centro de acolhimento para essas pessoas que estão doentes, mas não necessitam de internação hospitalar. Não existe nenhum lugar onde elas possam ser acolhidas”, completa.
Em todos os casos fica claro a essencialidade dos serviços prestados, que não é possível deixar de oferecê-los ou fazer a exclusão de usuários que estão com sintomas da Covid-19 ou até mesmo contaminados. A administração da SAS, por sua vez, orienta os servidores a não realizar o atendimento, porém não estabeleceu até o momento, passado um ano do início da pandemia, um fluxo e um local adequado para que as pessoas contaminadas possam procurar atendimento.
Um grande número de servidores já foi contaminado pela Covid-19. E mesmo com todas as questões apresentadas nesse texto, os trabalhadores do SUAS não foram incluídos com prioridade no Plano de Vacinação contra a Covid-19.
Dia 22 de março os servidores da SAS realizaram diversos atos reivindicando a vacinação imediata dos trabalhadores desses serviços. Vale salientar que a organização dos trabalhadores se deu sem o incentivo da direção sindical, que foi avisada com antecedência, mas que mais uma vez abandonou a luta. O Sinsej esteve em um dos locais onde aconteceram os atos, somente para acompanhar a atividade, após solicitação dos servidores.
A Corrente Sindical Esquerda Marxista está ao lado dos trabalhadores da SAS, apoiando suas reivindicações por melhores condições de trabalho, escala de trabalho remoto e vacina já. Pelo reconhecimento da importância do SUAS, valorização dos profissionais que atuam na assistência e, acima de tudo, investimentos que auxiliem na consolidação da assistência social como política que assegura proteção social para quem dela necessitar.
A política de desestruturação da Assistência Social
A crise agravada pela pandemia e a suposta escassez de recursos servem de pretexto para os governos promoverem a retirada de direitos dos trabalhadores. O que se reflete na intensificação das contrarreformas, a expansão dos serviços entregues ao mercado e a tentativa de desresponsabilizar o Estado com a questão social.
A refilantropização liberal é o modelo que o Governo Bolsonaro adota para a reformulação das obrigações do Estado na reestruturação da Seguridade Social, com a implantação da filantropia, do voluntariado, diminuição da participação do poder público e aumento dos lucros da iniciativa privada. O projeto tenta pôr fim à universalidade e igualdade de acesso às políticas sociais. Desta forma, parte dos serviços são transferidos à iniciativa privada, quando lucrativos; outra parte ao “terceiro setor” (ONGs), quando deficitários. Por último, uma pequena parcela permanece em poder da administração pública, os serviços que geralmente são aqueles distribuídos às populações mais carentes, acabam sendo fortemente reduzidos em quantidade, qualidade e precarizados. Isso é o que o governo chama de “parceria” entre o Estado e a sociedade civil.
O governo tenta de todas as formas minimizar a crise capitalista, promovendo diversas “readequações” nos serviços públicos, muitas vezes utilizando as próprias demandas dos trabalhadores como pretexto. A exemplo: a chamada “nova questão social” que traz diversas pautas contemporâneas, transferindo para o âmbito individual necessidades de toda a classe trabalhadora. Isso indiretamente favorece o discurso de reformulação das “velhas” questões sociais, com a suposta carência de readequação, abrindo as portas para o Estado se eximir da responsabilidade social. Quando, na verdade, não há “nova questão social” e sim novas manifestações dentro da luta de classes.
De todo modo, é essencial a luta pela ampliação e intensificação das políticas sociais, enquanto vivermos sob o sistema capitalista, pois a falta de assistência expõe as camadas mais pobres à barbárie. Sobretudo, é preciso lutar pela derrubada do sistema capitalista e a construção de uma nova sociedade, socialista.
- Vacina para todos!
- Abaixo o governo Bolsonaro, já!
- Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais!