No dia 13 de fevereiro, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), anunciou que, a partir do dia 1º de março, o DF contará com gratuidade de tarifa para ônibus e metrô aos domingos e feriados. Segundo o governo, isso servirá como teste para uma futura extensão da gratuidade para todos os dias da semana. Até o momento, a medida não apresentou muitos detalhes sobre seu funcionamento, ou, pelo menos, sobre seu financiamento. Junto a isso, o governo do DF, na contramão de algumas capitais pelo país, anunciou que não haverá aumento no valor das passagens, que será congelado até 2026.
Entretanto, não podemos cair no clima de festa e comemorar “mais uma vitória!”. Não negamos que essas questões tenham um caráter positivo, tanto o congelamento do preço da passagem quanto a medida da tarifa zero, e que representam um certo avanço frente à situação atual. Entretanto, sabemos que, no sistema capitalista, até mesmo os avanços tendem a favorecer a burguesia e seus interesses. Precisamos entender o que está por trás do funcionamento do sistema de transporte no DF e como funcionará esse modelo de “tarifa zero”.
Por que essa medida agora?
O que levou Ibaneis Rocha a tomar tal medida? Como todo movimento político na sociedade de classes, existem contradições que o sustentam. Primeiro, vale destacar que Ibaneis chegou ao governo do Distrito Federal como o candidato do varejo. Sua relação com os empresários do setor nunca foi um segredo, e suas ações enquanto governador confirmam isso. O setor do varejo, principalmente os pequenos e médios comerciantes, está enfrentando uma crise. Com o aumento do custo de vida e a estagnação dos salários, os trabalhadores não têm muitas opções, além de sobreviver, e, assim, o consumo de bens não essenciais tem diminuído. Essa medida surge como uma tentativa de garantir um impulso para a circulação de pessoas nos espaços públicos e, por consequência, aumentar o consumo aos feriados e domingos.
Em segundo lugar, há um interesse político-eleitoral por parte do governador. Ele vem deixando claro, nos últimos meses, sua intenção de concorrer ao cargo de senador pelo Distrito Federal. Com essa medida, busca se garantir no ano anterior às eleições e em seu último ano de mandato com uma ação que tenha impacto de massas, pavimentando seu caminho ao Senado.
Por fim, mas não menos importante, precisamos levar em conta a questão do transporte no DF. Desde as jornadas de junho de 2013, uma camada de jovens de Brasília vê nessa questão um eixo central de luta. As lutas pela tarifa zero são históricas na cidade, e foi a partir delas que conseguimos grandes avanços para a classe e sua juventude. A conquista do passe livre estudantil, e sua expansão de uma política totalmente restritiva para algo mais abrangente, é um exemplo dos resultados da luta da juventude por um sistema de transporte que atenda às suas necessidades, e não ao lucro. A pauta do transporte movimenta o debate político em todas as instâncias. Não à toa, os dois deputados distritais eleitos com mais votos na história do Distrito Federal foram os deputados que colocaram como pauta central de seu mandato a questão do transporte.
Somado a toda essa importância que a questão do transporte tem em nossa cidade, não podemos deixar de citar o clima de medo que a burguesia vive atualmente. Não devemos nos enganar. As jornadas de junho de 2013, que já citamos aqui, ainda ecoam na luta de classes no Brasil. Com a piora nas condições de vida, num contexto de crise, a burguesia tem medo de que isso gere explosões mais intensas da juventude trabalhadora. O que vemos no mundo hoje é uma tensão contínua entre a juventude, os trabalhadores e os regimes da burguesia. Na Sérvia, semanas atrás, a incompetência do Estado para lidar com um acidente em uma estação metroviária levou a um levante de massas que ameaça todo o regime do país. Por isso, a burguesia avança para todas as medidas de conciliação que acha possíveis de realizar. Muitos representantes da burguesia se rendem a políticas e falatórios populistas para tentar acalmar e/ou desviar o ódio de classes para outros locais.
A partir disso, precisamos ir além da aparência e buscar compreender o que essa situação traz para aqueles que combatem pela melhoria concreta da vida da classe trabalhadora. A luta pela tarifa zero é um ponto central para a luta da juventude e da classe trabalhadora em Brasília. Na cidade “feita para carros” e não para pessoas, a luta pela garantia do direito de ir e vir é central. Entretanto, essa luta não pode se finalizar nela mesma. Sem um caráter de rompimento com o controle burguês sobre os serviços públicos, por meio das privatizações, essas medidas significam mais riqueza produzida por nossa classe se convertendo em capital para os ricos, como veremos abaixo. A realidade que se apresenta para nós é que, há muito, as forças produtivas da humanidade já são capazes de garantir uma vida com bem-estar para todos. E a questão está longe de ser a falta de condições materiais para a garantia de serviços públicos gratuitos e para todos.

Brasília não está fora dessa realidade. Esse anúncio do governo deixa ainda mais claro essa situação. O problema não é, e nunca foi, dinheiro. O problema é que a garantia de bem-estar para a classe trabalhadora confronta diretamente a manutenção do lucro e da riqueza da burguesia.
O sistema de transporte rodoviário da capital é um exemplo dessa situação. Hoje, ele funciona por meio da concessão do direito de que empresas privadas ofereçam o serviço, as infames parcerias público-privadas. Nessa parceria, o Estado abre uma licitação e as empresas participam de um processo de seleção, que teoricamente leva em consideração as condições que essas apresentam para a oferta do serviço, e as com o melhor projeto são selecionadas para prestar o serviço. Essas ficam responsáveis por regiões, as chamadas bacias – elas podem compreender uma ou mais regiões administrativas (cidades satélites) – e são liberadas a cobrar um valor de tarifa dos usuários, a passagem. Entretanto, o Estado fica responsável por repassar para as empresas valores para auxiliar a cobertura dos custos para a realização deste serviço, a tarifa técnica. No DF, essa tarifa técnica compreende não somente essa “ajuda” de custo para a realização da operação, mas também o valor referente ao pagamento das passagens para categorias que hoje já têm um passe livre, mas com restrições. São essas: estudantes, idosos, pessoas com deficiência e afins. Entretanto, novamente, convidamos a ir além da aparência.
As licitações e a “livre concorrência”
Essas licitações se convertem apenas em uma aparência para esconder a verdadeira realidade do sistema de transporte. Existe um cartel de empresários do setor que controlam o serviço desde os anos 80. Eles mudam os nomes fantasia das empresas e reaparecem com novas cores, mas são sempre as mesmas caras. Os exemplos máximos disso são o mafioso Nenê Constantino e o grupo Canhedo, fundado pelo empresário Wagner Canhedo, que, desde o início da privatização do sistema de transporte rodoviário, agem como camaleões com suas empresas. A antiga Viação Planeta, de Nenê, foi acusada de inúmeros ataques à classe trabalhadora e, hoje, desfila pelas ruas de Brasília de cara nova como Viação Pioneira. A Viação Planalto, mais conhecida como Viplan, teve, durante mais ou menos 20 anos, um quase monopólio do sistema, tendo seu fim decretado em 2015, depois da descoberta de bilhões de reais de impostos sonegados e direitos trabalhistas não pagos. Um breve parêntese: o atual governador Ibaneis Rocha foi, durante muitos anos, um dos fiéis advogados do grupo Canhedo.
A fraude é comum nesses processos de licitação. Outro exemplo que podemos usar para esse caso foi a licitação entre os anos de 2012 e 2015, realizada durante o governo de Agnelo Queiroz (PT), em que existiram provas claras de fraude no processo. E, mesmo assim, a maioria das empresas relacionadas continua no sistema. Assim, não é a livre concorrência, ou a melhor oferta de serviço, que determina as empresas escolhidas, mas sim um processo mafioso de concessões para a iniciativa privada por parte do Estado. Empresas que sempre foram apontadas como sonegadoras de impostos, contrárias aos pagamentos de direitos trabalhistas e que prestam um péssimo serviço à população, na próxima licitação aparecem com um novo nome, e tudo é esquecido.
Posto essas questões, para nós, não significa conservar ilusões de que, portanto, a saída é garantir o bom funcionamento das licitações ou mesmo do Estado como um todo. Não é uma questão de gerir o Estado de forma honesta, mas sim uma luta para destruir toda a lógica em que está baseada essa sociedade capitalista, em que a fraude é a normalidade. Nosso combate é para romper a lógica capitalista sobre os serviços públicos e em toda a sociedade. Não queremos somente transparência ou licitações sem fraude. Queremos um sistema de transporte público, com uma empresa pública que seja controlada por aqueles que nela trabalham e pelos usuários do transporte público. A busca por lucro é a raiz da corrupção em nossa sociedade. Essa é a essência do Estado burguês.
A tarifa técnica
Ao estudarmos a lógica econômica da sociedade capitalista, entendemos que os burgueses buscam minimizar seus gastos e maximizar seus lucros. Nesse processo, o Estado é uma ferramenta de grande utilidade. Através da construção de uma infraestrutura e do investimento público em novas tecnologias, por meio das universidades, assim como a manutenção de um sistema legal anti-trabalhador, facilita o cumprimento do objetivo desses capitalistas. Aliado a essas questões, há o processo de abertura de espaços para que as empresas privadas possam se apossar de áreas da produção e distribuição. As privatizações servem, nesse segundo aspecto, para garantir que novas áreas sejam abertas para a exploração do lucro e garantem a transferência de dinheiro público para os bolsos desses senhores capitalistas. É nessa lógica que hoje está baseado o sistema de transporte de Brasília.
Entre as décadas de 70 e 80, 99% das linhas de ônibus da capital estavam sob controle de uma empresa pública local, a Transportes Coletivos de Brasília (TCB). Hoje, essa empresa conta com uma linha. A destruição da empresa pública foi motivada por um forte lobby de empresários que buscaram explorar esse setor. Dá-se início aos já citados processos de licitação, que, sob a promessa de modernizar e trazer qualidade para o transporte da capital, dominaram o setor. Não foi bem assim. A realidade foi de anos de transportes precários, veículos velhos e aumento da exploração para os trabalhadores rodoviários.
Hoje, essas empresas agem como verdadeiros vampiros de dinheiro público. Fora a tarifa regular, aquele valor que o trabalhador paga na catraca, e que por muito tempo foi o mais caro do país, existe a tarifa técnica, que já citamos anteriormente, que se converte em um canal direto de transferência de dinheiro público para “minimizar os gastos e maximizar os lucros”. Em levantamento de dados feito por nós, através de matérias do jornal Correio Braziliense, somente entre 2022 e 2025, o governo do Distrito Federal transferiu para as empresas de ônibus algo em torno de R$ 2 bilhões. Segundo o governo, esse valor foi destinado para cobrir os gastos da operação, cobrir as tarifas que hoje já são isentas e garantir um congelamento dos preços da passagem.
Vale também ressaltar que, durante a pandemia, esse valor supostamente foi para garantir condições de trabalho para os rodoviários, assim como um resgate para as empresas, dado o baixo número de passageiros. Ou seja, o governo do Distrito Federal vem bancando a existência de um setor mafioso de empresários no sistema de transporte da cidade.
Esse valor passa diretamente dos cofres públicos para o bolso dos donos das empresas. Mesmo com toda essa necessidade de dinheiro para cobrir os custos e garantir a operação, tivemos em 2022 empresas de ônibus que não puderam rodar por dias porque estavam sem combustível para os ônibus. Para onde foi toda a “ajuda de custo”?
Assim como na pandemia, uma das categorias de trabalho que mais registrou mortes em Brasília foi a dos rodoviários, que, na época, realizaram uma paralisação para denunciar a falta de condições sanitárias garantidas pelas empresas para desempenharem um trabalho seguro. Junto a isso, devemos somar os vários relatos de ônibus superlotados, por conta de uma redução na frota durante os piores momentos da pandemia, mesmo com todo o dinheiro repassado pelo Estado para garantir o funcionamento integral desses.
Portanto, a privatização no transporte de Brasília funciona como uma grande máquina de enriquecimento dos empresários às custas da exploração da classe trabalhadora. O Estado banca o funcionamento das empresas com o dinheiro público, arrecadado pelos impostos que pagamos, e assim essas empresas têm caminho aberto para converter os valores cobrados nas passagens em lucro direto.
Lutar pela tarifa zero e pelo fim do capitalismo
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) avalia que, com a medida de tarifa zero aos domingos e feriados, haverá uma queda na arrecadação de R$ 30 milhões para as empresas. Uma certeza que podemos ter sobre isso é que esse valor será somado às quantias já exorbitantes de dinheiro público sendo direcionado para esses empresários, aumentando o montante assaltado da riqueza pública.
Portanto, a luta pela tarifa zero necessita estar ligada a uma luta bem mais profunda e não pode se encerrar nas aparências e ilusões que transformam migalhas em vitórias.

A tarifa zero, sem o rompimento com o caráter privado que o sistema tem hoje, se converterá em um aumento do já obsceno montante de dinheiro repassado para as empresas privadas. Reforçamos aqui que isso significa dinheiro público indo diretamente para o bolso dos ricos! Não podemos nos limitar a analisar somente a primeira camada da questão. Como vai funcionar essa gratuidade da tarifa? É uma pergunta vital para nós, pois isso nos faz refletir sobre a questão de todo o financiamento dos serviços públicos, os orçamentos distritais, municipais e federal, assim como toda a lógica da nossa sociedade. Somos a favor de uma tarifa zero, mas que seja resultado da luta por um novo tipo de sistema de transporte público. Que toda a montanha de dinheiro que vai do governo para os empresários seja a fonte de financiamento para uma empresa pública controlada pelos trabalhadores e todo o coletivo da população.
Isso não significa que somos contrários a reformas que melhorem as condições da vida da classe trabalhadora e sua juventude no DF. Sim, de fato, essa medida pode garantir um salto de qualidade para o trânsito de pessoas pelos espaços da capital. A juventude, por muitas vezes, fica presa sem poder acessar os locais de cultura, arte e lazer de nossa cidade, por não ter como pagar uma passagem de ônibus, e não precisar mais pagar já é um avanço. Entretanto, mesmo com os ônibus gratuitos nos domingos e feriados, continuaremos enfrentando um sistema de transporte que prioriza o lucro. E que, portanto, vai continuar reduzindo o número de ônibus que circulam nos finais de semana e feriados, assim como em nada mudará a falta de alternativas de linhas entre a periferia e o plano piloto, onde se encontram o grosso dos “espaços de lazer, arte e cultura”, aos quais o governador Ibaneis disse que teremos acesso agora.
Um exemplo é o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que não conta com linhas diretas das periferias para o local, e conta com uma única linha de ônibus disponível para chegar lá. Assim, um jovem que mora fora do centro da cidade teria que pegar entre 2 e 3 ônibus para chegar no local. E vale ressaltar que essa linha, nos finais de semana, ainda tem seus horários reduzidos, o que causa tempos de espera de mais de 1h.
Portanto, para nós, a Juventude Comunista Internacionalista, é preciso ir ao essencial das coisas e achar a raiz do problema. E entender que as reformas devem ser meios para garantir um avanço na consciência de luta da juventude da classe trabalhadora, ligando as lutas cotidianas por melhores condições de vida, acesso à cultura e lazer, com a construção de uma nova sociedade. Com uma nova lógica sobre os serviços públicos, que não tenha o lucro como objetivo, mas sim o bem-estar da sociedade.
Junte-se a nós na luta por:
- Tarifa zero: todos os dias e para todos!
- Pelo fim da privatização do sistema de transporte no DF! Dinheiro público para os serviços públicos!
- Fortalecimento da empresa pública de transporte TCB, sob controle dos trabalhadores e dos usuários!
- Basta de dinheiro para os burgueses, todo o dinheiro necessário para os serviços públicos!