A variante Ômicron e a evolução da pandemia

A variante Ômicron é o mais recente produto da evolução descontrolada da pandemia. Nos EUA, até 11 de dezembro, a nova variante ainda representava menos de 10% dos novos casos de Covid-19, mas essa proporção pulou para mais de 70% na semana anterior ao Natal, e chegou a 98% no início de janeiro, confirmando a impressionante velocidade de contágio, o que foi também observado no Reino Unido e, em menor grau, na África do Sul. No Brasil, vários estudos mostram que a Ômicron já predomina em vários estados, tal como em outros países na América Latina e na Europa.

As informações disponíveis mostram que permanece válido o que já foi observado na onda anterior, na qual predominava a variante Delta: mais de 90% das hospitalizações e mortes ocorrem entre os não vacinados. Principalmente entre os que receberam a dose de reforço, as vacinas continuam oferecendo, ao menos por enquanto, um alto grau de proteção. Mas em razão da maior velocidade de disseminação da Ômicron, inclusive entre os já vacinados, cresceu o número absoluto de casos sintomáticos que ocorrem no mesmo intervalo temporal, embora a proporção de casos assintomáticos tenha aumentado.

Antes da Ômicron, a soma mundial do número de novos casos (que testaram positivo) não tinha subido acima de um milhão por dia, e agora já passou de três milhões. Mas uma agência de notícias, considerada importante para o mercado financeiro, publicou um artigo no final de dezembro que expressava a avaliação oficial sobre a nova onda da pandemia: “As mortes pelo vírus nos EUA estão diminuindo, mesmo com o aumento dos casos de Covid-19, de acordo com autoridades federais de saúde que sugeriram que a variante omicron em ascensão pode causar menos sofrimento do que outras cepas.”

Essa avaliação, baseada em evidências que indicam que a Ômicron é biologicamente menos agressiva do que as variantes anteriores, foi rapidamente contrariada pelos hospitais lotados e por um novo aumento no número das mortes diárias (nos EUA, voltou a subir acima de dois mil). Se de fato existem estudos que sugerem uma menor gravidade e letalidade da nova variante (inclusive entre os não vacinados), muitos epidemiologistas consideram que isso é melhor explicado pela imunidade pré-existente dada pelas vacinas e, secundariamente, pela imunidade natural dos que já foram infectados pelas outras variantes do atual coronavírus.

Seja como for, a grande velocidade de contágio da Ômicron contrabalança em parte o menor valor médio da sua gravidade e letalidade. E, para grande desgosto do mercado financeiro, as previsões oficiais sobre a evolução da pandemia também estão sendo refutadas por uma espécie de quarentena econômica decretada não pelos governos, mas pelo próprio vírus. Segundo a revista Fortune (10/01/22), nos EUA, apenas na primeira semana de janeiro mais de 4 milhões de trabalhadores permaneceram afastados das suas atividades após contraírem a Ômicron.

Por essa razão, milhares de voos foram cancelados, restaurantes e outras atividades no setor de serviços voltaram a fechar as portas, e a taxa de desemprego, segundo essa revista, não vai subir de imediato apenas porque há uma redução simultânea da oferta e da demanda no mercado de trabalho. Muitos hospitais tiveram que desativar parte dos seus leitos por falta de funcionários. Além disso, nos últimos meses, cerca de 20% dos trabalhadores da saúde, nos EUA, pediram demissão ou anteciparam as suas aposentadorias, esgotados pela maior intensidade do trabalho durante a pandemia1.

Parece provável, como sugere a redução do número de novos casos na África do Sul e no Reino Unido, que essa onda da Ômicron deve durar menos do que as anteriores (precisamente em função da sua maior velocidade de transmissão), mas em termos mundiais o seu declínio só deve começar em meados de fevereiro. No Brasil, a média móvel do número de óbitos voltou a subir, e o mesmo está ocorrendo em outros países da América Latina e Europa. Vários epidemiologistas projetam que no final dessa onda os EUA terão ultrapassado a marca de um milhão de mortos pela pandemia.

A propaganda reacionária antivacina proclama que a Ômicron é uma “boa notícia”, ou mesmo uma “vacina divina”, porque criaria a imunidade natural necessária para terminar com a pandemia. O fato é que ninguém pode prever qual o grau de imunidade natural que essa ou aquela nova variante poderá induzir na população, e as evidências atuais indicam que tanto a imunidade induzida pelas variantes anteriores, quanto aquela dada pelas vacinas em uso, tendem a enfraquecer gradualmente depois de alguns meses. Além disso, a imensa quantidade de vírus circulando aumenta ainda mais a chance do aparecimento de novas variantes.

Embora aparentando um caráter “antissistema”, e reforçando um obstáculo real para a vacinação mais ampla nos países avançados, essa propaganda antivacina funciona como um auxílio político à burguesia. Ela divulga a ideia de que o curso da pandemia é uma fatalidade natural, diante da qual as forças produtivas da sociedade são impotentes, tentando deixar na sombra o fracasso do capitalismo no enfrentamento da pandemia. Além disso, ela tenta criar uma divisão artificial na classe trabalhadora, atraindo os indivíduos politicamente mais confusos com as suas teorias conspiratórias, para usá-los como massa de manobra a serviço da classe dominante.

Depois de dois anos de pandemia, existindo a ciência, a tecnologia e os recursos suficientes para implementar as medidas que poderiam deter o contágio, e a imensa maioria sequer tem acesso ao uso de máscaras que ofereçam um grau de proteção adequado. Os testes diagnósticos rápidos foram desenvolvidos, mas são mercadorias acessíveis apenas para uma minoria, e não instrumentos de uma ação social planejada contra a pandemia. Organicamente incapaz de fazer o que é necessário, a burguesia pretende convencer as pessoas que é necessário aceitar a “convivência” com o vírus.

Depois de dois anos de pandemia, milhões de mortos e um número provavelmente ainda maior de pessoas carregando as sequelas crônicas dessa doença, e a produção e distribuição das vacinas permanece submetida à valorização dos capitais individuais, o que adquire expressão na carência de acesso à vacinação na maioria dos países. A rejeição às vacinas não é apenas o efeito de uma propaganda reacionária, e sim uma das manifestações irracionais e politicamente distorcidas de um mal-estar social difuso, de uma percepção ainda confusa do caráter cada vez mais brutal da lógica econômica desse sistema.

1 The New York Times, Coronavirus Briefing, January 14, 2022