Robert Muggah (foto) é um dos que buscam soluções na tecnologia para amenizar a violência e a criminalidade. Este texto busca ir à raiz do problema.
Robert Muggah (foto), especialista em segurança e diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, se diz um homem otimista em relação à violência. Também é um homem esclarecido, pois tem consciência de que ela é parte dessa sociedade dividida em classes e, como não pretende mudar essa estrutura, dedica a vida a procurar meios de amenizar a violência, nada mais.
A proposta é bem simples: Cada brasileiro poderá contribuir no combate à violência utilizando tecnologias digitais. Podemos ficar tranquilos a partir de agora, só precisamos de um celular e internet. A vida nas grandes cidades de um país tão violento não será muito perigosa, basta cada um fazer a sua parte.
Em entrevista à BBC Brasil, publicada no dia 10/12/14 durante a TED Global, Muggah explicou como é que cada cidadão pode ser um combatente do crime:
“Estamos num momento da história em que, em um ano, são gerados mais dados do que todos os dados disponíveis nos dois mil anos anteriores. Isso está gerando oportunidades enormes para cidadãos usarem informações de novas formas.
Uma delas é usar este grande volume de dados para entender tendências, como, por exemplo, a distribuição da violência. (…)
A segunda forma é por meio de novas ferramentas colaborativas para buscar soluções para a violência coletivamente. No México, por exemplo, houve um apagão na mídia sobre este assunto, porque, ao falar da violência, os jornalistas e blogueiros se tornam alvos dos cartéis.
Muitas organizações se uniram para substituir a mídia e informar onde é seguro de se estar ou não. Quando há um tiroteio, a mídia pode não falar disso, mas há posts no Facebook e no Twitter sobre o assunto. (…)
Em terceiro lugar, é possível criar programas para celular para ajudar as pessoas a se protegerem. Há exemplos de sistemas de alarme, em que você pode usar o telefone para chamar a polícia sem que isso seja notado, enviar uma mensagem com um pedido de socorro, disparar uma sirene. Há um grupo no Egito que monitora a violência sexual. E estas ferramentas alimentam os sistemas dos quais já falamos”.
Na mesma entrevista, ele ainda defende uma reforma da polícia e uma série de outras medidas que aparentam ser boas aos olhos de um leigo, mas que tratam de remediar somente as consequências e não o que causa a violência, o que está intimamente ligado com a tentativa de Muggah de sustentar o capitalismo tornando-o “mais suportável”.
A violência hoje
O capitalismo não consegue proporcionar empregos para todos e mantém bilhões de pessoas em situação de exploração brutal e opressão, o que resulta no surgimento de um lumpemproletariado que vive fora do processo de produção, disponível para aderir ao crime, roubando proletários e, muito raramente, um burguês, que tem à sua disposição uma sofisticada segurança privada.
A polícia também alimenta a violência. Em seu suposto “combate ao crime”, mata uma série de jovens e trabalhadores inocentes.
Em 2012, mais de 56 mil brasileiros morreram vítimas da violência, o que representa 154 vítimas diárias, número que equivale 1,4 massacres do Carandiru. De 2002 a 2012, foram 556 mil vítimas de homicídio, quantidade que excede, largamente, o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo.
Segundo o Mapa da violência 2014, de 1980 até os dias de hoje, os homicídios cresceram 148,5% no Brasil, seguido de morte por suicídio, com um aumento de 62,5% e de óbitos em acidentes de trânsito, com 38,7%. Entre os jovens, os homicídios foram responsáveis por 28,8% das mortes acontecidas no mesmo período. Destaca-se ainda que a grande maioria dessa juventude assassinada é negra e pobre.
Estamos diante de uma crise econômica mundial e a tendência é que o problema da violência siga numa linha crescente, pois como explica Luiz Bicalho em seu artigo “A violência em São Paulo, o PCC e a ROTA. É o capitalismo, estúpido!” publicado em 2012 na página da Esquerda Marxista:
“As crises econômicas aumentam brutalmente a violência. A época das maiores guerras de gangues nos EUA, a época em que a “Cosa Nostra” se transferiu da Itália para os EUA foi na década de 1930-1940, quando ficaram famosos bandidos como Al Capone, em que Chicago ficou conhecida (ainda hoje nos cinemas) pelas guerras de gangues. Agora, com a nova crise, as guerras de gangues espalham-se pelo mundo: Colômbia, México, Guatemala. Mas no Brasil isto também acontece. De onde nasce isso? Nasce do fato que o tráfico de drogas, que mantém e embala esta guerra, funciona como todo negócio: ele nasce com um lucro estupendo, aonde se vende o produto acima do seu valor de produção se obtém um lucro extraordinário. Depois a concorrência capitalista baixa o preço (o preço da maconha e da cocaína baixaram, nascem novos produtos mais baratos, como o crack, etc.) e entram novos produtos na concorrência: as drogas sintéticas. Resultado, num mercado totalmente “livre”, fora dos esquadros do estado burguês, a concorrência se resolve aos tiros.”
É o capitalismo o principal responsável por essa situação calamitosa, é a necessidade do lucro acima de tudo que cria o desemprego e empurra milhares ao mundo do crime, é o estado burguês que precisa da polícia para proteger a propriedade privada e reprimir manifestantes. Aceitar que só é possível minimizar os danos causados por essa sociedade desigual, é o mesmo que construir uma casa num terreno cheio de minas terrestres e torcer para não pisar no lugar errado.
Quem sofre com a violência?
Para o senso comum, a polícia serve para enfrentar os bandidos e proteger os cidadãos de bem. Acreditam numa Polícia Militar que seja educada com os trabalhadores e ataque os bandidos. No entanto, a realidade é que a PM mata o trabalhador que mora na favela e reprime violentamente as manifestações (repressão que tem se brutalizado consideravelmente de 2013 em diante).
Lembremos de alguns casos como de Cláudia da Silva Ferreira, auxiliar de limpeza que foi morta pela PM quando saia de sua casa rumo à padaria, foi “socorrida” e colocada num porta-malas da viatura. A caminho do hospital, caiu do porta-malas e foi arrastada 350 metros no asfalto, pendurada na viatura. Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG. Morava no morro do Pavão-Pavãozinho. Foi morto de forma misteriosa. O laudo final do IML deixou claro que dois tiros foram a causa do óbito. Segundo a polícia ele tinha “passagem” por “tráfico de drogas”, depois convertido em usuário. Na sua versão, DG “caiu”.
O mais emblemático dos casos ocorreu numa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) localizada na favela da Rocinha, onde o pedreiro Amarildo Dias de Souza, conhecido como ‘Boi’ por trabalhar carregando materiais pesados para ganhar pouco mais de 300 reais por mês e sustentar seus seis filhos, foi morto sob tortura e teve seu cadáver ocultado.
Quando o assunto é manifestação, as jornadas de junho de 2013, ainda frescas na memória de cada um, foram o palco de confrontos extremamente violentos em que a polícia chegava a atingir jornalistas e moradores próximos dos locais onde ocorriam os atos. A PM tem agido de forma tão irracional que o grupo de comédia Porta dos Fundos chegou a lançar em dezembro do ano passado um vídeo intitulado “Bala de borracha” que retratava um grupo de policiais frenéticos por “tacar o pau” em manifestantes.
No entanto, não é só a polícia que cumpre esse papel repressor. Para garantir a realização do leilão do Campo de Libra em outubro de 2013, o governo federal enviou, a pedido de Sérgio Cabral (PMDB), cerca de 1.100 homens do Exército e da Força Nacional de Segurança. Ou seja, o governo mobilizou seu aparato repressor de elite para atacar os jovens, sindicalistas e manifestantes que protestavam contra o leilão.
A mesma Força Nacional estava preparada para conter os protestos durante a Copa do Mundo e deixou grandes contingentes das forças armadas aquarteladas, “de prontidão”, inclusive com satélites monitorando o entorno dos estádios.
Engels já explicou que o Estado é uma classe organizada, a violência organizada, para impor a sua ordem à sociedade. Não importa para a PM se morreu um operário, do dia para a noite, caso seja necessário, ele é transformado em bandido.
Como se defendem os trabalhadores: o exemplo mexicano
Os cartéis em crescimento no México controlam grandes partes do país e de sua economia. Existe uma convergência de interesses e conluio entre o Estado, os principais partidos políticos e os cartéis de drogas. Os cartéis controlam o estado em muitos municípios (a polícia local, juízes, procuradores, políticos eleitos), inclusive sabe-se de certo número de governadores que têm vínculos com os cartéis.
Não é apenas no tráfico de drogas que os cartéis estão envolvidos, sua atuação foi ampliada para todos os domínios da vida econômica através da extorsão, contrabando, etc. O narcocapitalismo mexicano converte qualquer ação revolucionária, militância política ou atividade social, em uma atividade muito perigosa em alguns estados, já que os cartéis e o estado não hesitam em matar qualquer um que ameace seus interesses. O exemplo dos 43 estudantes desaparecidos em Iguala está ai para provar isso.
A resposta da população local, diante dessa situação, foi enfrentar o poder dos cartéis através da organização de grupos de autodefesa armada. Em Michoacán, estes grupos de autodefesa se tornaram muito poderosos durante 2012 e 2013, expulsando os cartéis e o exército de alguns municípios. A resposta do Estado foi a de atacá-los e prender suas figuras mais proeminentes.
Manter ou destruir o Estado burguês?
Muggah, com sua lábia de bom moço, quer impedir que as massas tomem em suas mãos o aparelho de estado, destrua suas forças repressoras e erga novas instituições sob controle do próprio povo organizado. Para ele basta registrar e mostrar o que a mídia não “pode”.
Para acabar com a violência não basta “utilizar” os dados produzidos por uma sociedade conectada na internet, é necessário exigir o fim das PMs e não a sua reforma. Deve-se substituir as forças armadas por um exército sob a direção da classe operária e de seus Conselhos. A questão da segurança só pode encontrar solução sobre novas bases, uma nova sociedade, onde o povo organizado e armado controle os excessos individuais.
Lênin nos ensina que não negamos a possibilidade de que possam ocorrer excessos individuais que levem às fatalidades, e que nesse caso haja a necessidade de reprimir esses excessos. Porém, deixa bem claro que não há a necessidade de um aparelho especial repressor. O povo armado é que deverá cumprir esse papel. Para os marxistas, o fim do capitalismo resultará no fim gradativo desses excessos, já que é o próprio regime burguês que cria as condições para isso. Não precisamos de soluções mirabolantes de homens como Muggah, precisamos da classe operária organizada para acabar com o capitalismo.