Em audiência judicial realizada neste fim de fevereiro, houve a admissão de que os planos que tratavam do assassinato de Mara Cristina da Silva foram de grande gravidade e ocorreram sob prejuízo da docente. O reconhecimento foi expresso pelo líder da movimentação ocorrida na Escola Técnica (ETEC) de Franco da Rocha, que na época era menor de idade. Trata-se de uma importante vitória da campanha “Em Defesa da Vida e do Emprego da Profª Mara”.
O agressor também pediu desculpas por suas atitudes, na mesma audiência, o que indica novamente o entendimento de que foi atentatória a formação de um grupo do WhatsApp composto de alunos e denominado “MAM”. O nome tratava-se de um acrônimo para o título “Morte à Mara”. O caso veio à tona em 2019 com a denúncia do caso por parte da organização de jovens Liberdade e Luta.
Confira na íntegra a transcrição de trecho do termo de audiência de instrução e julgamento cuja divulgação foi permitida pelo tribunal:
Fim da negligência
Desde 2019, houve uma longa guerra política e judicial para que a seriedade dos acontecimentos fosse reconhecida pelas autoridades escolares e judiciárias. A direção da ETEC de Franco da Rocha, por exemplo, recusou-se a tratar o caso como um planejamento de assassinato e a tomar qualquer atitude pedagógica ou administrativa diante da constatação da formação de um grupo de orientação neonazista no interior da unidade escolar.
Já se vão cinco anos e apenas agora há um reconhecimento oficial sobre a gravidade dos acontecimentos. A professora Mara, contudo, enfrentou durante todo esse tempo todas as consequências de ser negligenciada pelas instituições e pelos agentes públicos que deveriam proteger os direitos civis e as liberdades democráticas. Pior do que isso, também teve que suportar a indiferença daqueles que insinuaram ou afirmaram que se tratava de exageros. E até mesmo sofreu retaliação ao indignar-se contra quem repercutia a violência.
Significativo foi o episódio ocorrido durante a calourada de 2023 dessa ETEC, na qual uma das atividades da programação instigou os estudantes a descobrir a resposta para uma charada descrita como: “Quem assassinou a professora?”. Aos estudantes serem questionados sobre o impacto e a violência contida em tal atitude, ouviu-se respostas como: “Isso já faz muito tempo”, ou “Não tem nada a ver”. E a direção da escola – a mesma direção, da mesma escola – mais uma vez nenhuma atitude tomou sobre a iniciativa que aprovou.
Políticas contra violência escolar
Já o agressor e líder do grupo “MAM” não pensa como a direção da ETEC de Franco da Rocha. Para ele o que houve em 2019 foi grave. Segundo ele, à época dos fatos não era maduro o suficiente para entender as consequências plenas de suas ações. A mesma justificativa não pode ser usada pela administração escolar, responsável pelas suas ações e omissões.
Depois desse resultado da audiência judicial, requer-se que as atitudes e as políticas escolares da ETEC de Franco da Rocha sejam revistas. Também é fundamental que passem a ser responsabilizados aqueles que cometem infrações, crimes e aqueles que prevaricam no dever de garantir as leis e preceitos pedagógicos e civilizatórios. Não se pode aceitar como normais o planejamento de assassinato de docentes e outras diversas formas de violência escolar que têm se perpetuado em Franco da Rocha e pelo país.
O Brasil tem sofrido com o crescimento da violência escolar desde os anos 2000. Até 2022, ao todo o país registrava 16 ataques, 35 vítimas fatais e 72 feridos. E no mesmo período, outros 36 ataques foram evitados. O levantamento feito por estudiosos liderados pelo pesquisador da USP Daniel Cara e foi realizado antes dos atentados de 2023. Ano passado foram registrados pelo menos outros 11 casos de atentado, muitos na região de São Paulo. Uma conclusão do estudo identificou que quem pratica a violência torna-se violento em processo de cooptação pela extrema direita e faz uma aproximação ideológica a teorias nazistas e fascistas.
Entretanto, o caso de 2019 mostra que não basta esperar uma solução dos mesmos servidores e instituições que negligenciaram a gravidade da situação. Foi necessário que a própria profª Mara entrasse com processo judicial para que, após quase cinco anos, o caso fosse reconhecido em sua seriedade e o principal responsável fosse constrangido a alguma forma de restauração. A sociedade de Franco da Rocha, e em particular a comunidade escolar da ETEC, precisa refletir sobre as medidas necessárias para combater a violência escolar e conseguir fazer com que a atual direção da ETEC as implemente.
Defender a vida e o emprego da profª Mara
Apesar da vitória registrada na audiência judicial deste mês de fevereiro, a campanha “Em Defesa da Vida e do Emprego da Profª Mara” continuará. Isso porque as violências sofridas pela docente não se encerraram no caso de 2019. Pelo contrário, a elas se somaram outros casos como a negligência sobre a situação de sua segurança, a perseguição política devido à sua condição de docente com conduta crítica, e a retaliação administrativa ao seu questionamento do trote de 2023.
Um passo importante para avançar a defesa dos direitos humanos e das liberdades democráticas foi a formação no fim de 2023 do Grêmio Estudantil Livre Osório César. Essa iniciativa desses jovens da ETEC de Franco da Rocha foi conquistada contra diversas tentativas de sabotagem por parte da direção escolar. Os estudantes auto-organizados podem preparar debates e ações de conscientização que ajudem a estabelecer o ambiente de aprendizagem e de formação nos preceitos democráticos que toda escola deveria garantir.
Convidamos todos a repercutir a vitória que significou o reconhecimento da gravidade dos acontecimentos de 2019 e o pedido de desculpas por parte do agressor, em particular às entidades estudantis, sindicatos e organizações da sociedade civil que defendem os direitos humanos e as liberdades democráticas. Propomos, além disso, que se organizem conversas, eventos e discussões sobre esses assuntos e sobre o caso em questão em cada espaço público e de movimentos sociais onde se faça possível.
Contra as ideias autoritárias e do pensamento único, faz-se necessário defender o direito de lutar e a liberdade para pensar.