O pavoroso pogrom no qual um casal cristão foi espancado até a morte e seus corpos carbonizados no forno de alvenaria onde trabalhavam, supostamente por profanarem o Alcorão, na cidade de Kot Radha Kishan, é um sintoma do mal-estar instalado e que está dilacerando o tecido social apodrecido do Paquistão.
O pavoroso pogrom no qual um casal cristão foi espancado até a morte e seus corpos carbonizados no forno de alvenaria onde trabalhavam, supostamente por profanarem o Alcorão, na cidade de Kot Radha Kishan, é um sintoma do mal-estar instalado e que está dilacerando o tecido social apodrecido do Paquistão.
As vítimas somente foram identificadas por seus primeiros nomes, Shama e Shehzad. A enfermidade que açoita a sociedade, a reação negra que asfixia a vida social e cultural, está sendo agravada pelos vigilantes religiosos lúmpens. Não são apenas as minorias religiosas, mas também os trabalhadores e os pobres desta terra trágica que estão sofrendo a brutalidade desta coação capitalista desde os primórdios do Paquistão.
A desgraça é que, com o desdobramento da crise capitalista, as agruras, misérias e crua opressão das massas pioram a cada dia que passa. Os trabalhadores e os jovens desta terra ansiaram por uma mudança durante gerações. Setores da fraudulenta e insensível elite política lhes prometeram até mesmo “revoluções”, mas desde que dentro dos limites deste sistema. Esta demagogia de falsos profetas acabou por se transformar em traições sucessivas. Contudo, também é um fato histórico que esta terra testemunhou movimentos revolucionários genuínos em sua curta e acidentada história, quando este sistema bárbaro foi desafiado e o poder esteve ao alcance da mão dos trabalhadores e dos jovens. Faltou simplesmente um partido e uma liderança Bolchevique para dar a este sistema apenas um empurrão final durante aqueles acontecimentos tormentosos.
Novembro de 1968: Revolução no Paquistão
Os primeiros dez dias de novembro marcam os aniversários de acontecimentos colossais que mudaram o curso da história do mundo e do Paquistão. Há quarenta anos, em seis de novembro de 1968, o Paquistão foi varrido por um levantamento revolucionário que poderia ter transformado o sistema e a sociedade através de uma vitória socialista. Em uma conspiração de silêncio, esta brilhante revolta das massas oprimidas foi empurrada para o esquecimento nas histórias oficiais das classes dominantes e de seu estado. A intelectualidade de direita dominante e até mesmo os historiadores liberais e líderes supostamente de esquerda destorceram e censuraram a poderosa revolução de 1968-69. Alguns a descreveram como uma mera agitação anti-Ayub; outros, como simples greves de trabalhadores e estudantes, e mais outros, como uma luta da democracia contra a ditadura.
Aqueles dias tormentosos não corresponderam a nenhuma das explicações acima. Foram um levantamento de massas da jovem e inexperiente classe trabalhadora paquistanesa, apoiada pela juventude, e isto, por sua vez, criou uma situação revolucionária, cujo caráter era socialista, desafiando a ordem existente, a ditadura, a superestrutura política, mas acima de tudo as relações de propriedade existentes. O jovem e inexperiente proletariado adquiriu muito rapidamente uma determinação férrea e a consciência coletiva da posse e controle democrático da indústria, da economia e da sociedade pelos trabalhadores. Durante 139 dias, o poder esteve nas ruas. A classe dominante e seu Estado ficaram suspensos no ar e o poder real estava nas mãos dos trabalhadores, estudantes e camponeses pobres. Tal foi o poder e o impulso desta revolução que, para desviá-la, o establishment não teve nenhuma outra escolha a não ser sacrificar o Marechal de Campo Mohammad Ayub Khan, o governante mais poderoso de toda a história do Paquistão, forçando-o a abdicar o poder em 25 de março de 1969.
Em seu discurso de despedida, ele declarou: “Esta é a última vez que me dirijo a vocês como Presidente do Paquistão. As instituições administrativas estão sendo paralisadas. A gentalha está recorrendo a gheraos (cercos) à vontade e suas demandas são aceitas sob coação”. Continuou, dizendo: “É meu desejo que o poder político possa continuar a ser transferido de forma constitucional. Nas condições que prevalecem no país, não é possível convocar a Assembleia Nacional. Alguns membros não podem sequer se atrever a assistir a sessão da Assembleia… Dói-me profundamente dizer que a situação agora não está mais sob o controle do governo. Todas as instituições governamentais se tornaram vítimas da coação, do medo e da intimidação. Todos os problemas do país estão sendo decididos nas ruas”.
Hoje, o Paquistão é retratado como um bastião do fundamentalismo, do terrorismo e do extremismo. A criação teocrática do país, o governo direto e indireto dos militares, a violência, repressão, ilegalidade, crime, fraude, corrupção, intolerância, perseguição das minorias e a instabilidade são alguns dos fatores que caracterizam o Paquistão e os Paquistaneses como odiosos por todo o mundo. Grande parte das novas gerações dentro do Paquistão tem avaliação semelhante da situação. A “solução” dos fundamentalistas islâmicos é voltar à sombria era pré-medieval. Os imperialistas e seus lacaios no Paquistão alegam que democracia liberal e “bom governo” são a solução. No entanto, as massas no Paquistão tiveram experiências agonizantes de ambas “soluções”. Mais de uma vez, as massas oprimidas se levantaram revoltadas em vulcânicas e ferozes erupções de trabalhadores, camponeses e jovens para se livrarem da opressão capitalista, do penoso trabalho feudal, do terror obscurantista e da repressão imperialista. O movimento de 1968-69 se destaca acima de todas essas revoltas, já que esteve próximo de chegar à vitória socialista. A nova geração da juventude e dos trabalhadores no Paquistão tem uma missão a cumprir, uma promessa histórica a cumprir.
Noventa e sete anos da Revolução Russa
O 97o aniversário da vitória da Revolução Russa de 1917, que mudou para sempre o curso da história humana, foi em sete de novembro. Como uma experiência gigantesca e sem precedentes, ela provou que era possível fazer a sociedade funcionar sem capitalistas, latifundiários feudais e agiotas. Apesar da agressão de 21 exércitos imperialistas, de tremendas dificuldades e obstáculos objetivos, a abolição dos mecanismos de mercado e a introdução da economia planificada revolucionaram as forças produtivas e lançaram as bases de uma economia moderna. O jornalista estadunidense John Reed, que testemunhou os acontecimentos da revolução em primeira mão, escreveu em seu livro épico, Dez dias que abalaram o mundo: “Não importa o que se pensa do Bolchevismo, é um fato inegável que a Revolução Russa é um dos maiores acontecimentos da história da humanidade, e o governo dos Bolcheviques é um fenômeno de importância mundial”.
Esta revolução se apropriou do poder de uma classe opressora em minoria e o transferiu à esmagadora maioria das classes laboriosas da sociedade. O processo de derrubada do Estado burguês e a captura do poder pelo partido dirigente do proletariado envolveram a participação massiva e consciente da grande maioria dos trabalhadores. É a única revolução exitosa que ocorreu em linhas Marxistas clássicas.
Lênin explicou a mudança real que esta revolução devia trazer. Ele escreveu em dezembro de 1917: “Agora uma das mais importantes tarefas, senão a mais importante, é desenvolver tão amplamente quanto possível esta iniciativa independente dos operários e de todos os trabalhadores e explorados em geral, na obra criadora do trabalho organizativo. Custe o que custar é preciso destruir o velho, absurdo, selvagem, infame e odioso preconceito de que as chamadas ‘classes superiores’, só os ricos ou os que passaram pela escola das classes ricas, podem administrar o Estado, dirigir a construção organizativa da sociedade socialista”.
O que realmente significou esta revolução para as classes oprimidas foi descrito em uma anedota inspiradora de John Reed às vésperas da revolução: “Por todo o horizonte espalham-se as brilhantes luzes da capital, incomensuravelmente mais esplêndidas durante a noite que durante o dia, como um dique de joias amontoadas em uma planície árida. O velho operário que dirigia o carrinho com uma mão, enquanto com a outra varria o pavimento, olhou para a capital agora reluzente e exclamou com um gesto de regozijo, ‘Minha!’, ele gritou, com o rosto iluminado. ‘Toda minha agora! Minha Petrogrado!’”.
O impacto do colapso do estalinismo
O outro lado disto é que nove de novembro é o 25o aniversário da queda do Muro de Berlin e mais tarde do colapso da própria União Soviética. Na China, o setor da burocracia comandado por Deng já tinha inaugurado o processo de contrarrevolução capitalista em 1978. A queda do Muro de Berlin e o colapso dos regimes estalinistas burocráticos da Rússia e do Leste Europeu provocaram uma vaga de euforia entre a burguesia no Ocidente. O fim do estalinismo foi anunciado como o “fim do socialismo”. A vitória final do “livre mercado” foi apregoada a partir das páginas de revistas especializadas desde Tóquio a Nova Iorque. Os estrategistas do capital estavam exultantes. Francis Fukuyama inclusive foi tão longe ao ponto de proclamar o “fim da história”. Daí em diante, não haveria mais guerra de classes. Tudo seria pelo melhor caminho no melhor dos mundos capitalistas. No entanto, estes acontecimentos épicos no Leste Europeu e, mais tarde, o colapso da União Soviética, de fato marcaram o início de um período de calmaria e desorientação na luta de classes. Isto foi amplificado pelas traições e pela renúncia do socialismo por parte dos ex-esquerdistas que capitularam diante do capitalismo.
Ironicamente, os próprios líderes da Revolução Russa haviam previsto a degeneração e o colapso da União Soviética, muito antes do seu colapso de fato. Em 1921, Lênin disse o seguinte: “Berlin é o coração da Alemanha e a Alemanha é o coração da Europa. Se não há nenhuma revolução na Alemanha, a Revolução Russa está condenada”. Em sua épica obra, A Revolução Traída, Trotsky escreveu em 1936: “A queda da atual ditadura burocrática, se não for substituída por um novo poder socialista, significaria dessa forma um retorno ao capitalismo com o declínio catastrófico da indústria e da cultura”.
Alan Woods, desafiando a propaganda nociva, a ofensiva depravada dos imperialistas e as cínicas denúncias contra o socialismo por parte destes renegados da esquerda, escreveu em 1997: “O que fracassou na Rússia não foi o socialismo, mas um modelo falso, uma caricatura do socialismo… Os demagógicos ataques ao socialismo, ao Marxismo, ao comunismo têm um som cada vez mais oco, porque são feitos em um contexto de aprofundamento da crise do capitalismo. Poucos anos mais tarde, todos estes sonhos da burguesia e dos reformistas se transformaram em cinzas. No umbral do século XXI, a própria existência da raça humana está ameaçada pela violação do planeta em nome do lucro; o desemprego em massa, que se afirmou com confiança ser coisa do passado, reapareceu em todos os países avançados do capitalismo, para não falarmos do pesadelo da pobreza, da ignorância, das guerras e epidemias que afligem constantemente dois terços da humanidade no chamado ‘Terceiro Mundo’. Há uma guerra depois da outra e o terrorismo se espalha como uma mancha escura por todo o planeta. Por todos os lados há pessimismo e um profundo sentimento de maus presságios sobre o futuro, misturado com tendências irracionais e místicas”.
Cenário para lutas de classe sem precedentes
O crash financeiro de 2007-8 desnudou a decadência terminal e a redundância histórica e econômica do capitalismo. A desigualdade alcançou proporções sem precedentes. O número de bilionários no mundo mais que dobrou a 1.646 desde 2009, com a desigualdade alcançando novos extremos, de acordo com o novo informe de Oxfam. A riqueza combinada dos bilionários atuais cresceu em 124% nos últimos quatro anos a 5,4 trilhões de dólares. As 85 pessoas mais ricas viram suas fortunas aumentar em torno de 240 bilhões durante o ano passado, e possuem tanto quanto a metade da população dos mais pobres do mundo – o equivalente a 668 milhões de dólares ao dia ou quase meio milhão de dólares por minuto. Enquanto somente 70 bilhões de dólares ao ano são suficientes para preencher a lacuna anual de financiamento necessário para os cuidados médicos básicos e para a educação nos países pobres.
Enquanto o número de super-ricos sobe rapidamente, um milhão de mulheres morreram durante o parto devido à falta de cuidados médicos básicos e 57 milhões de crianças não receberam qualquer forma de educação em 2013. O informe declara: “Em um mundo onde centenas de milhões de pessoas estão vivendo sem acesso à água potável e sem comida suficiente para alimentar suas famílias, uma pequena elite tem mais dinheiro do que poderia gastar em várias vidas. As consequências da desigualdade extrema são prejudiciais a todos – ela rouba a milhões de pessoas as possibilidades de uma vida melhor e fomenta o crime, a corrupção e até mesmo conflitos violentos”. O informe conclui, “Em poucas palavras, “Estão sendo freados os esforços para se dar um fim à pobreza. Há evidências crescentes de que a extrema desigualdade é prejudicial, de forma durável e significativa, à estabilidade do sistema financeiro e do crescimento econômico. Ela retarda o desenvolvimento do capital humano, social e físico necessário para elevar o nível de vida e melhorar as condições de vida”.
Como assinalou Alan Woods, “A enfermidade do século XXI não é sem precedentes históricos. Podemos observar os mesmos sintomas em cada período de decadência, quando determinado sistema socioeconômico esgota seu potencial e se torna um freio ao desenvolvimento humano. O capitalismo há tempos que chegou aos seus limites. Não é mais capaz de desenvolver os meios de produção como antes fazia. Não é mais capaz de oferecer mesmo reformas insignificantes. De fato, não é mais capaz de tolerar a continuação das reformas do passado que proporcionaram pelo menos alguns dos elementos de uma existência semicivilizada nos países capitalistas desenvolvidos. Mas agora todas as conquistas tão penosamente ganhas pela classe trabalhadora no passado, principalmente nos países desenvolvidos, estão sendo objeto de ataques. Mas os trabalhadores e a juventude não entregarão estes ganhos sem luta. Está montado o cenário para uma explosão sem precedentes da luta de classes. E nos países subdesenvolvidos da África, Ásia e Oriente Médio, o impasse do capitalismo, nas palavras de Lênin, significa horror sem fim”.
Apesar das calúnias contra o socialismo, os representantes sérios do capitalismo estão aterrorizados com as perspectivas de outra revolução ao longo de linhas Bolcheviques com o agravamento da crise atual. Este temor da burguesia internacional ficou evidente em um recente e destacado artigo sobre a Ucrânia em The Economist. O artigo diz, “Enquanto isto, dezenas de milhares de soldados ucranianos ainda na frente de batalha não podem votar. Com os combates a terminar proximamente, eles logo voltarão para casa e encontrarão um governo que eles não tiveram nenhum papel em eleger. Se eles não virem nenhuma mudança na forma como seu país é administrado, tomarão as ruas, não com escudos de madeira e paus como fizeram um ano atrás, mas com armas de verdade. O próximo Maidan será visto menos como um carnaval e mais como a Revolução Bolchevique de Outubro de 1917. Pelo menos isto deveria concentrar as mentes do governo ucraniano”.
Na atual crise severa do capitalismo, e considerando a agonia das massas que deriva dela, somente uma revolução dos trabalhadores pode emancipar os bilhões de pessoas oprimidas. A revolução que pode assegurar um fim a esta dor, miséria e privação somente poderá ser vitoriosa e bem sucedida se estiver baseada nas ideias, métodos e estratégia do Bolchevismo. Com o nível atual da tecnologia e com o avanço da consciência dos trabalhadores e da juventude, sua vitória em um dos principais países lhe permitiria arrebatar todo o planeta de forma rápida e irreversível.
Tradução Fabiano Adalberto