Aprender o comunismo é a nossa tarefa: relato do Acampamento Comunista Internacionalista 2024

Uma das pesquisas mais recorrentes no Google Brasil em 2023 foi “O que é comunismo?”. Há um motivo nacional e outro internacional para isso. Internacionalmente, há uma camada de novos lutadores que simpatiza com as ideias comunistas, que compreende que essas ideias representam uma resposta para os anseios e a falta de perspectiva que sentem. Então, mesmo em países como os Estados Unidos e Inglaterra, onde existe uma permanente campanha contra o comunismo, cerca de 30% da juventude afirma que o comunismo seria melhor que o capitalismo.

No Brasil, o discurso bolsonarista contra o comunismo permitiu que uma camada de jovens que o rechaça se unificasse em torno das buscas pelo que é comunismo e passassem a se identificar abertamente como comunistas, em oposição ao bolsonarismo.

Foi assim que muitos dos camaradas presentes no Acampamento Comunista Internacionalista 2024 chegaram até a nossa organização. Se identificaram como comunistas, passaram a consumir conteúdos sobre comunismo na internet, e a partir da campanha “Você é Comunista? Então, organize-se!” encontraram um meio para expressar suas ideias e combater para o recrutamento de outros comunistas.

Mas o que esses jovens poderiam responder se perguntados sobre o que é comunismo? Se colocamos essa pergunta no Google, encontramos a seguinte resposta:

  1. Organização socioeconômica baseada na propriedade coletiva dos meios de produção.
  2. Economia / política: doutrina econômica e política que preconiza tal organização.

Está correto e essa resposta foi suficiente para que centenas de jovens no mundo compreendessem que é esse modelo de sociedade que querem defender contra o capitalismo. Mas, uma vez organizados, como ampliamos e aprofundamos nossa compreensão sobre as ideias comunistas?

Essa foi a preocupação que trouxemos para o painel sobre “O que é comunismo?” que abriu o segundo dia do nosso acampamento. O comunismo parte das ideias desenvolvidas por Karl Marx e Friedrich Engels, aperfeiçoadas pela experiência prática do proletariado, notadamente pela experiência da Revolução Russa, cujos dirigentes mais importantes foram Lênin e Trotsky.

O marxismo é a ciência de emancipação do proletariado. É uma compreensão materialista da realidade e como transformá-la. No conjunto de ideias comunistas, podemos identificar três grandes campos: o socialismo científico, o materialismo histórico-dialético e a economia política.

A camarada Jessica Stolfi fez uma apresentação histórica das teorias que antecederam e serviram de base para o marxismo, ciência do proletariado, passando pelos teóricos do Socialismo Utópico. Em sua exposição, explicou como estes teóricos, particularmente Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), trataram de idealizar uma sociedade comunal, sem reconhecer o papel da classe trabalhadora como principal sujeito da revolução, de fato, como uma classe revolucionária.

Por não compreender o papel decisivo que ocupa a classe operária na produção e sua capacidade de organização independente, a consideravam de maneira passiva e as ações dos socialistas utópicos tinham como objetivo mitigar o sofrimento e as mazelas que os trabalhadores estavam submetidos ao invés de organizá-los.

Ao olhar o mundo sob o ponto de vista da luta de classes, compreendemos que a burguesia já nasce com o seu antídoto, pois simultaneamente cria a classe proletária. A burguesia não consegue existir sem o proletariado. Esta afirmação foi um importante momento do informe, uma vez que nos permite concluir que a conciliação entre as classes é impossível para abrir o caminho rumo a uma sociedade comunista.   

Foi a partir da crítica a esses teóricos que Marx e Engels desenvolvem o socialismo científico, que foram resumidas por Engels no prefácio à edição alemã do Manifesto do Partido Comunista de 1883:

“O pensamento fundamental que percorre o Manifesto: que a produção econômica, e a articulação social que dela com necessidade decorre, de qualquer época histórica forma a base da história política e intelectual dessa época; que, consequentemente, toda a história (desde a dissolução da antiquíssima posse comum do solo) tem sido uma história de lutas de classes, lutas entre classes exploradas e exploradoras, dominadas e dominantes, em diversos estágios do desenvolvimento social; que esta luta, porém, atingiu agora um estágio em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem simultaneamente libertar para sempre a sociedade toda da exploração, da opressão e das lutas de classes — este pensamento fundamental pertence única e exclusivamente a Marx.”

Passamos, então, à introdução da filosofia do marxismo: o materialismo histórico-dialético. A camarada apresentou as três leis básicas da dialética:

  • Lei da unidade dos contrários: a própria existência da burguesia e do proletariado, sua antítese, na mesma sociedade;  
  • Lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa: quando por exemplo, a água em estado líquido, ao ser aquecida e atingir os 100º C evapora e, portanto, muda sua qualidade;
  • Lei da negação da negação: o nascimento da burguesia, que negou as classes fedais como a nobreza e o clero e que ao mesmo tempo é negada pelo proletariado organizado e em luta pelo comunismo.  

A compreensão da dialética parte da formulação herdada de Hegel que, contudo, tinha ainda uma concepção idealista do mundo, isto é, de que as ideias precedem a matéria. Em oposição ao idealismo, o materialismo preconiza que a matéria existe antes da ideia, a natureza existia mesmo antes de nós termos consciência dela e de nós. Marx e Engels deram à dialética hegeliana uma base material e converteram-na numa importante ferramenta para compreender e transformar o mundo.

Lênin, explicando o significado da fusão entre a dialética e o materialismo afirma:

“Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx levou-o até o fim e estendeu-o do conhecimento da natureza até o conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico de Marx é uma conquista formidável do pensamento científico. Ao caos e à arbitrariedade que até então imperavam nas concepções da história e da política, sucedeu uma teoria científica notavelmente integral e harmoniosa, que mostra como, em consequência do crescimento das forças produtivas, desenvolve-se de uma forma de vida social uma outra mais elevada, como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo.” (As três fontes e três partes constitutivas do marxismo)

A partir desta apresentação, foi possível sistematizar os pontos mais importantes para a compreensão do que é a dialética e o materialismo; de que a contradição é inerente à realidade e é justamente a contradição que provoca o movimento e a transformação da realidade e nos mostra que as mudanças possuem ritmos distintos. A dialética é central para compreendermos a transformação da realidade a partir de que nada é fixo. Tudo está em constante movimento e essa é uma lei que pode ser verificada na própria natureza.

No campo da economia política, a partir das contribuições de David Ricardo e Adam Smith, Marx desenvolveu as ideias da mais-valia e do funcionamento do capital. Esse tema foi abordado de maneira mais profunda na mesa simultânea sobre os princípios básicos de economia política, que foi realizada na parte da tarde do nosso acampamento.

A partir desses pilares do marxismo, as principais lições que tiramos é a confiança na classe trabalhadora, como principal agente da mudança revolucionária; a incapacidade do sistema capitalista de promover o bem-estar da humanidade em harmonia com a natureza e a necessidade histórica de superação desse sistema por meio da organização do proletariado.

Tivemos quatro intervenções de camaradas no debate, que trouxeram boas contribuições para o informe. Ouvimos a importância do campesinato e do proletariado na luta contra a burguesia nos séculos XVIII e XIX, a importância de nos formarmos no marxismo para podermos combater ideias como o socialismo num só país, para defendermos a necessidade do internacionalismo, a importância que Hegel teve na teorização de Marx, sem esconder as suas limitações que também foram produtos de sua época, pois as ideias são produzidas no seio da realidade e do momento histórico.

Deste informe ficam grandes lições, das mais teóricas às mais práticas, e certamente a maior é a conclusão de que a teoria e a prática não se dividem, elas se explicam mútua e dialeticamente. Aprendemos que o comunismo, enquanto um regime de produção social, corresponde a eliminação da propriedade privada dos grandes meios de produção e dos Estados nacionais. Que o meio para a alcançar o comunismo é através de uma sociedade cuja economia seja democraticamente controlada e planejada pelos trabalhadores como classe dominante, isto é, o socialismo ou a ditadura do proletariado. Que o socialismo será alcançado com a vitória do proletariado em uma revolução.

Repetindo as emocionantes conclusões da camarada: é nosso papel, da juventude, nos formar como quadros revolucionários. É nosso papel aprender sobre o comunismo e todo o acúmulo da humanidade, de todas as áreas de saberes, pois são esses acúmulos somados a intervenção na luta de classes que nos levarão à capacidade de nos convertemos em vanguarda do proletariado e dirigi-lo até a vitória.