Argentina: A classe trabalhadora deve colocar-se à frente do país

Sobre chover no molhado, como diz o ditado popular, a repressão brutal desatada no dia 6 de outubro pelas mãos da maldita polícia de Buenos Aires , do governador Axel Kicillof e Sergio Berni (ministro da Segurança da província de Buenos Aires) em La Plata, onde ia ser jogada a partida de futebol entre o Boca Juniors e Gimnasia y Esgrima, e que resultou em uma morte, soma-se a um outro evento: à política do governo nacional ante a comunidade mapuche Lafken Winkul Mapu, onde se executou uma operação policial com mais de 250 efetivos, carros hidrantes e caminhões antidistúrbios. “Foi o desdobramento de um exército invadindo uma comunidade”, denunciou o lonko Mauro Millán. Depois de 36 horas de detenção, 4 das 7 mulheres mapuches detidas foram transferidas a Ezeiza, enquanto outra dava à luz, em Bariloche,  sem acompanhamento. “O que aconteceu em Villa Mascardi e no Comando Unificado é a resposta do governo nacional ao pedido dos governadores que exigem repressão. É a única resposta que querem dar ao Povo Mapuche”, denuncia Mauro Millán, lonko do lof Pillan Mahuiza, e isso mostra, de forma contundente, para onde se encaminha o governo da Frente de Todos (FdT).

A crise aberta pela repressão em ambos os locais, pelos dirigentes ou ministros da FdT, mantém sua correlação com a política econômica para com os setores populares e da classe trabalhadora. Não cabem dúvidas de que não faz diferença que assuma em 2023 a coalizão Juntos por el Cambio (JpC) para que sejam implementadas as medidas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), ou que a repressão seja levada à frente ou que se deixe atuar os setores empresariais do agronegócio que avançam, não só com as queimadas na zona das ilhas, como também mantêm uma queda de braços com o governo da FdT sustentando a pressão para obter maiores vantagens, para obter mais dólares pela soja ou outras medidas. É verdade, também, que, se os capitalistas tivessem a JpC ou um governo de José Luis Espert, seria ainda muito mais duro para os trabalhadores e trabalhadoras. Mas para seguir as pautas do FMI e dos capitalistas, o governo da Frente de Todos é mais que suficiente, por enquanto.

O crescimento econômico na Argentina começa a estancar

Como era de se esperar ante a profunda crise mundial capitalista, o crescimento na Argentina começa a perder velocidade. Kristalina Georgieva, do FMI, rebaixou a previsão de crescimento mundial de 2,9% para 2023, devido aos crescentes riscos de recessão e instabilidade financeira. Não podem ser mais eloquentes as palavras de Georgieva quando assinala:

“Estamos experimentando uma mudança fundamental na economia global, passando de um mundo de relativa previsibilidade (…) a um mundo com mais fragilidades, maiores incertezas, maior volatilidade econômica, enfrentamentos geopolíticos e desastres naturais mais frequentes e devastadores”.

Enquanto isso, a economia dos EUA verá uma contração de 0,5% em 2023, com um crescimento estancado que dará passagem a uma recessão. Cumulativamente, as revisões à baixa do prognóstico colocaram o nível projetado do PIB dos EUA, em 2023, mais de 3 pontos percentuais abaixo do nível projetado em abril, e não para de descer.

Como consequência, a economia no país começa a perder velocidade e sente as sacudidas, cada vez mais violentas, da economia mundial.

As expectativas que o governo e a Frente de Todos mantêm de que “nós temos o que o mundo precisa: grãos e energia” parece começar a escapar como a areia entre os dedos.

Enquanto se espera outro aumento na taxa da Reserva Federal dos EUA, acompanhando seus passos, o Banco Central argentino tem previsto um aumento da taxa. Dessa forma, tenta captar os pesos no prazo fixo com uma taxa atraente, mas por baixo da inflação. Logicamente, como consequência, segue-se incrementando não só a dívida pública e, embora se intente diminuir com essa medida a emissão monetária, não deixa de gerar maior inflação. O objetivo é manter a calma dos dólares financeiros – embora se encontre entre os 290-310 pesos argentinos – para suportar um possível salto da taxa de câmbio ante a pressão que o Banco Central registra para acumular reservas depois do “dólar soja”1. Todo esse conjunto, em um contexto mundial extremamente volátil, prepara novas sacudidas na economia da Argentina.

A correlação mais dolorosa são as cifras cada vez mais altas de pobreza; embora tenham baixado 4 pontos em relação a 2021, ainda se encontram acima do registro mais alto do governo de Macri, lembremos que subiram 10 pontos percentuais.

Embora o emprego tenha baixado a 5,8% e tendo em consideração a recuperação econômica, não são suficientes para compensar os índices de pobreza ante a queda fenomenal dos salários reais.

Os trabalhadores, em relação de dependência, devem apelar a manter dois empregos e, ainda assim, não conseguem abastecer suas mesas; ainda pior estão os trabalhadores informais que veem sua renda desmoronar em queda livre por conta da escavadora inflacionária.

A classe trabalhadora deve dar um passo à frente

O conflito do Sindicato Único de Trabajadores del Neumático Argentino (Sutna) demonstrou a capacidade da classe trabalhadora quando se põe em movimento; não estamos falando só dos docentes ou dos trabalhadores da saúde, ou eventualmente dos chamados batalhões leves, como os estudantes, mas dos batalhões pesados que se encontram incluídos no processo produtivo vivo. Assim ficou demonstrada a enorme preocupação dos capitalistas, do governo da FdT e da oposição, mas, sobretudo, dos dirigentes sindicais, plenamente conscientes de seu papel conciliador e de colaboração com os grandes patrões pelos interesses irreconciliáveis e antagônicos entre os capitalistas e a classe trabalhadora.

As últimas semanas do conflito operário do Sutna ganharam escala nacional através dos meios de comunicação, dando definitivamente um passo à frente, não só para os trabalhadores do pneumático, como também para o conjunto de nossa classe.

Trata-se, portanto, de tirar as lições da luta do Sutna, mas também se trata de tirar, através do balanço, as tarefas que devem assumir, não só os setores combativos ou chamados classistas, como também os mais conscientes de nossa classe.

A situação de pauperização das condições de vida e de trabalho continua em declínio; como explicamos anteriormente, a economia se encontra em estado de volatilidade extrema. Entramos em uma fase da luta de classes que não tem retorno, e não falamos somente da Argentina ou da região, mas da luta dos trabalhadores em nível mundial.

Mais uma vez a luta do Sutna deu relevo à solidariedade operária internacional, quando no Brasil o Sindicato do Pneumático Sintrabor se solidarizou com as demandas salariais dos trabalhadores argentinos e advertiu às empresas que atendam as exigências, para evitar “um conflito maior em níveis regional e mundial”, e este é um passo à frente no internacionalismo operário.

Os setores da esquerda revolucionária, os setores classistas e combativos, os sindicatos recuperados por seus trabalhadores, assim como os estudantes e setores de trabalhadores que se encontram em luta devem convergir em plenárias regionais para a preparação de um Congresso nacional que coloque, de forma urgente, as tarefas de preparação de um plano de luta, até impor a greve geral em direção a um governo próprio.

Trata-se de que nos levantemos como classe e compreendamos a necessidade de estabelecer um Estado Maior dos trabalhadores, sem a tutela dos partidos capitalistas, nem da burocracia sindical, e impor um governo próprio, que construa uma nova legalidade em favor da única classe que gera a riqueza do país: a classe trabalhadora.

Devemos preparar nosso futuro tomando o destino de nossas vidas em nossas mãos.

A tarefa é avançar.

1 Anunciado em 5 de setembro, pelo ministro Sergio Massa, o “dólar soja” conta com uma paridade especial de 200 pesos por dólar – cotação vantajosa para exportadores, considerabndo que o câmbio oficial é cotado a cerca de 139 pesos por dólar.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM ARGENTINAMILITANTE.ORG