Em 27 de junho a CGT Argentina realizou uma greve geral pela redução de impostos. A maioria da classe operária não aderiu à paralisação. Na base do conflito há um descontentamento dos caminhoneiros. A Corrente Socialista Militante brinda nossos leitores do Brasil com uma análise que investiga os motivos pelos quais a greve não foi um sucesso e ao mesmo tempo aponta quais as tarefas para o próximo período.
Por todos os ângulos que analisemos, a greve geral foi um fracasso. Antecipamos isso em nossa declaração anterior. A mobilização da Praça de Maio refletiu o apoio limitado que a greve da CGT encontrou na classe operária. A realidade é que a greve encontrou mais simpatias entre a pequena burguesia reacionária e na oposição de direita do que na classe operária. A conclusão é clara: deve-se levar a sério a classe operária, sua mobilização não é uma torneira que alguém possa abrir e fechar à vontade.
A greve geral convocada ontem (28/06) pela direção da CGT acabou reduzida a uma parada geral dos caminhoneiros e do transporte de cargas, com paradas parciais e desiguais de alguns setores (estações de serviços, jornaleiros, trabalhadores do judiciário, portos, rodovias, transportes aéreos, funcionários públicos da educação), tendo uma incidência mínima em outros setores, reduzida a delegados e a algumas comissões internas ( em bancos, e têxteis). A imensa maioria da indústria e do transporte (incluindo o transporte ferroviário, o metrô, ônibus de média e longa distância) não parou. Nem o comércio, nem a eletricidade e as telecomunicações (telefônicas, TVs) pararam.
A mobilização da Praça de Maio em Buenos Aires ficou muito abaixo das expectativas (50.000 segundo ‘El Clarín’, em nossa opinião a manifestação foi menor que isso); em todo caso foi bem menor que o número de manifestantes reunidos pela mesma CGT na celebração do último 1° de Maio, que também foi organizado em dia útil da semana.
Moyano tentou justificar-se, em seu discurso disse: “essa não é uma greve da CGT, mas sim dos caminhoneiros, e teve adesão de outros setores”. No entanto, o mesmo Moyano, a direção da CGT e os meios de comunicação nos disseram outra coisa durante dias, insistindo que se tratava da convocação de uma “greve geral”. Moyano não pode agir agora como se fosse criança, tendo em vista o fracasso da convocação da greve.
O discurso do Moyano na Praça de Maio foi muito vazio, mas consistente em reprovar pessoalmente a presidente. Em nenhum momento propôs subir os impostos dos ricos nem restituir as contribuições patronais que Cavallo eliminou nos anos 90, nem propôs taxar a receita financeira, atualmente isentas. Suas reclamações contra o imposto e os lucros sobre os assalariados tinha um caráter meramente corporativo, desvinculado da realidade de classes da nossa sociedade.
Que lições podemos tirar de tudo isso? Em primeiro lugar, que não se pode convocar uma greve geral por capricho, sem prepará-la nem submetê-la a um debate amplo e democrático na base, só por vontade de um dirigente de um conflito de um setor particular, o dos caminhoneiros.
Em segundo lugar, é um absurdo convocar uma greve geral pelo pedido parcial de um setor da classe operária que nem sequer é majoritário, por mais justo que seja tal pedido, como é a eliminação de impostos sobre as rendas da faixa superior dos assalariados e a exigência de abono familiar para este setor dos trabalhadores. Ainda mais quando esta exigência não esteja acompanhada de nenhuma demanda contra os grandes empresários. Por que a maioria dos trabalhadores iria entrar em greve e mobilizar-se por demandas que não os afeta? Por simpatia a Moyano? Isso não faz nenhum sentido.
E por último, não se pode jogar com a ambiguidade política flertando com a oposição de direita para esta greve, em cumplicidade com os meios burgueses opositores como EL Clarín ou La Nación ignorando a sensibilidade que existe da classe operária, e se juntando a outros inaceitáveis como o “Momo” Venegas ou o Barrionuevo.
O triste papel da esquerda e da oposição CTA (Central de Trabalhadores da Argentina)
Mas o mais ridículo foi o que fizeram quase todas as correntes políticas, sindicais e os movimentos sociais de esquerda que apoiaram esta “greve”, junto com os dirigentes da CTA de Micheli. Todos eles, com seu habitual impressionismo e seu anti-kirchnerismo militante, se somaram a este jogo e à “greve” com mais entusiasmo que o próprio Moyano. Sua única consideração na hora de tomar partido era ir contra o governo de Cristina Fernández, sem importar quais interesses de classe estavam em jogo, nem quem movia as rédeas do conflito, e nem com que objetivos.
Este tipo de sindicalismo vulgar, sem uma abordagem política que leve em consideração os interesses gerais da classe operária, é cego; não importa o quão saudável sejam suas intenções. E como acontece naturalmente, são os outros os que lhe guiam seus passos.
A realidade é que todos os setores de “esquerda” terminaram diluídos no meio de moyanistas e barrionuevistas, particularmente a greve da ATE que passou completamente despercebida e Micheli sendo humilhado por Moyano que o impediu de falar na praça, obrigando-o a mobilizar suas minguadas colunas em um lugar separado, na frente do Congresso.
Alguns podem dizer que a greve fracassou porque a maioria dos burocratas sindicais dos sindicatos mais importantes da indústria, do transporte e dos serviços, não aderiu. Por que, frente a uma greve aparentemente tão popular, estes burocratas sindicais puderam tomar essa decisão sem provocar nenhum tipo de conflito interior em seus sindicatos e nem nas empresas onde estão inseridos? Por acaso há registros de casos notórios de indisciplina sindical de setores de trabalhadores em algum destes sindicatos a favor de aderir à greve? Se houve foram mínimos. A verdade é que amplas parcelas da classe operária, além da simples simpatia pelas exigências da eliminação deste imposto, não apoiaram a greve porque não tinham claro, não compreenderam o que Moyano pretendia, e temiam acabar envolvidos em uma manobra política onde a única beneficiada poderia ser a oposição de direita.
Se Moyano tivesse se limitado a convocar uma jornada nacional de mobilizações pela exigência da eliminação do imposto de renda e por outras reivindicações mais sentidas pelos trabalhadores (salários, aumento de preços, emprego digno, contra a criminalização dos protestos sociais), sem ter convocado uma greve geral – pelo menos em uma primeira etapa – isso poderia ter mais sentido e seguramente teria encontrado eco na classe operária, inclusive nos sindicatos mais identificados com o governo.
Mas lançar, como se fez, uma greve geral desesperada por uma demanda secundária do movimento operário, colocando o governo como único inimigo, com o apoio da direita peronista e a simpatia ativa da imprensa reacionária, isso é indefensável.
Último aviso para o moyanismo
Moyano perdeu mais do que ganhou com sua aventura da “greve geral”. Alguns dos sindicatos mais à esquerda que integravam a iniciativa – e que o apoiavam até a semana passada – lhe deram as costas e se recusaram a envolverem-se nessa manobra. Este foi o caso dos Molineros, Foetra (telefônicos), Sadop, imprensa, impressores, Fatel (telecomunicações), e outros. Sua imagem ficou mais debilitada frente ao conjunto da classe operária e apareceu mais associada à oposição de direita, e unida à direita peronista Barrionuevo e “Momo” Venegas. Com essa “greve” ele esgotou praticamente todos os seus cartuchos de mobilização, por meses.
Sem dúvidas, aqueles que participaram da mobilização de ontem eram trabalhadores honestos que lutavam por exigências legítimas. Também é verdade que dentro do moyanismo encontram-se setores que se direcionam a esquerda do barrionuevismo, dos Gordos e dos dirigentes chamados “Independentes”. Mas não importa como se luta, com que métodos e com que slogans, erros de tática e estratégia sindical e política serão duramente cobrados.
Como explicamos em nossas declarações sobre a luta dos caminhoneiros e sobre a greve geral da CGT, o futuro do moyanismo se definirá nos próximos dias e nas semanas imediatas. Talvez tenha recebido seu último aviso.
Se quiserem ser uteis ao conjunto da classe operária, os setores mais honestos e politicamente mais avançados do moyanism devem romper imediatamente com a ala sindical da direita peronista e se desfazerem do peso morto dos dirigentes sindicais mais repudiados que ainda vivem em seu seio (SUTECBA, Palazzo de La Bancaria e outros). Devem recuperar o discurso ofensivo contra a oposição de direita e estenderem a mão para a colaboração com setores do kirschnerismo e dos militantes de esquerda. Nessas condições poderia emergir como uma referencia sindical diferenciada da direita peronista e dos dirigentes mais subservientes.
Por outro lado, deve deixar de dirigir-se apenas ao governo como sendo o principal inimigo a atacar,. Deve acusar como inimigos os grandes empresários, banqueiros, latifundiários e multinacionais; isso poderia ajudar a formar um polo de esquerda e de classe dentro e ao redor do kirchnerismo, oferecendo uma alternativa programática à política geral do governo, baseada nos interesses dos trabalhadores. De outra forma, o moyanismo estará condenado a desintegrar-se, dissolver-se, à esquerda e à direita, nos próximos meses.
Lições para o kirchnerismo
Mas o governo também tem sua parte de responsabilidade nessa disputa. Depois deste amargo conflito, percebe-se a existência de uma maioria de trabalhadores que mostra seu desacordo com estes impostos e, sobretudo, com o nível relativamente baixo do imposto mínimo, que não segue a alta inflacionária dos preços. Mas também se percebe com desgosto, que os que estão lá em cima, lhes puxam as orelhas como crianças nas escolas, como se tivessem que pedir permissão para o podem e o que não podem exigir.
Somos os trabalhadores, os únicos que produzimos riqueza nessa sociedade, somos os que constituem a sustentação do sistema econômico capitalista. É do trabalho não pago aos operários que surgem os lucros das empresas e é do excedente que surgem as rendas e as verbas do Estado.
Nós criticamos as ações dos setores da burocracia sindical que consideram a luta sindical como um fim em si, à margem do contexto político e social, e que identificam seus interesses de castas com os interesses do movimento operário. Apesar de nossas diferenças com Moyano, nós reconhecemos uma parte de verdade em algumas de suas reivindicações contra o governo. E é desejo do governo asfixiar e vincular o movimento sindical ao Estado e ao próprio governo. Isso não podemos aceitar.
O movimento sindical deve ser independente não apenas dos patrões, por definição, mas também dos governos, independentemente das simpatias políticas que possa haver por determinados setores do governo no poder; e isso também conta para o atual governo kirchnerista que é um governo de colaboração de classes, que nem sempre orienta sua política para as necessidades da classe trabalhadora e regularmente cede aos interesses empresariais.
Isso não significa que nós defendemos o sindicalismo apolítico, mas sim que os assuntos do movimento operário, asim como a vida interna de suas organizações, é de responsabilidade exclusiva do mesmo.
Um movimento operário que se preze, não pode aceitar, por dignidade, força e papel social, caudilhismos políticos desaforados, nem ver suas expressões políticas seladas, incluindo as de dentro do kirchnerismo.
Como explicamos em nossa declaração, a divergência não pode ser proibida com métodos organizacionais vindos de cima. Nossa luta não tem nada a ver com a luta da camarilha de políticos e carreiristas profissionais que usam o movimento operário e as massas trabalhadoras como um trampolim para fazer carreira política e gozar de privilégios materiais e sociais inacessíveis para a maioria da população. Não é esse tipo de divergência que reivindicamos. Este domina a vida política cotidiana do kirchnerismo e da oposição de direita.
É muito importante, no entanto, que os setores dos dirigentes mais vinculados à classe operária, particularmente em suas bases, se imponham e se dotem de uma expressão política organizada.
A tarefa dos militantes
A tarefa dos militantes de base, honesto e combativo da CGT, qualquer que seja seu sindicato e qualquer que seja o vínculo político ou sindical de seu dirigente, é reagrupar-se e fazer uma convocação de unidade frente às fissuras iniciais que abatem a CGT. Deve levantar as reivindicações mais sentidas pelo conjunto da classe operária e pela a juventude, defender um congresso de unidade que delibere as bandeiras a serem levantadas pelos trabalhadores, em assembleias democráticas, definindo também os passos a serem dados para conseguir os objetivos.
Estas são as tarefas que estão colocadas para mais adiante.
Tradução: Marcela Anita