As eleições do Andes-SN e a resistência aos ataques da burguesia

Os professores das universidades e de alguns institutos federais de todo o Brasil irão às urnas para eleger a nova direção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), nos dias 10 e 11 de maio. Esta será a primeira eleição na nova situação política aberta com a eleição de Lula (PT) e primeiros meses de governo de união nacional encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores em colaboração com a burguesia. No âmbito sindical, esta será a primeira do Andes-SN depois que o sindicato decidiu se desfiliar da Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas). Cabe ainda destacar que o processo eleitoral se dá em meio a uma progressiva diminuição da participação da categoria em pleitos anteriores, em grande medida por conta de críticas – algumas das quais corretas – ao grupo que vem dirigindo o sindicato nos últimos anos.

Nessa eleição estão concorrendo três chapas, representando grupos distintos e perspectivas estratégicas diferentes. Na chapa 1, Andes pela base, está a maior parte dos setores que compõem a atual direção do sindicato. O grupo dirige a entidade há cerca de 20 anos e há muito tempo tem sido responsável por encabeçar as mais importantes lutas enfrentadas pelo Andes-SN. Na atual composição, além de coletivos locais, fazem parte ou apoiam a chapa setores do PSOL, como a Resistência e o Movimento Esquerda Socialista (MES), e o PCB. A chapa também conta com o apoio de importantes intelectuais associados à esquerda, como Dermeval Saviani, Osvaldo Coggiola, Mauro Iasi, Virgínia Fontes, Jorge Luiz Souto Maior, Vladimir Safatle, entre outros. 

Em grande medida, os setores que compõem a chapa foram os que defenderam, nos últimos anos, o debate sobre a relação com a Conlutas e a necessidade de desfiliação como forma de garantir a unidade com outros setores da classe trabalhadora. Cabe lembrar que, entre os piores erros da Conlutas, que é um aparato dominado pelo PSTU e que conta com a participação de algumas dezenas de seitas minúsculas, esteve a defesa do “Fora todos” no momento em que a burguesia estava articulando o impeachment de Dilma, em 2016.

No programa da chapa 1, além de pautas elementares da categoria, como a contratações de docentes efetivos por meio de concursos públicos, a recomposição salarial e a melhoria das carreiras, estão importantes questões da política mais geral. Entre outras coisa, ao mesmo tempo que reivindica a atuação da categoria no processo de luta para derrotar Bolsonaro, chama a atenção para a “frente ampla” que se construiu na candidatura e no governo Lula-Alckmin e para “os desafios de enfrentamento às propostas de conciliação de classe, da qual a composição do Ministério da Educação (MEC), é exemplo. Isso exige do Sindicato Nacional uma postura de diálogo, porém sem comprometer sua autonomia, nem tão pouco abrir mão das reivindicações da categoria docente e de seus direitos”. 

O grupo que compõem a chapa, consistente com a perspectiva que levou à ruptura com a Conlutas, defende “o processo de reconstrução e reorganização dos espaços que permitam a unidade de ação das organizações da classe trabalhadora, sempre guiados por pautas historicamente construídas pelas lutas dos povos, entre as quais destacamos a educação, a ciência e a cultura, com vistas a construir as bases para um projeto de emancipação de nossa classe”. 

Contudo, apesar dos acertos, seu programa não deixa de ter suas limitações. Por um lado, não se faz um balanço coeso e consistente sobre a permanência do Andes-SN na Conlutas durante anos e como isso levou o sindicato a, em algumas situações, ter dificuldade em construir a unidade com outros setores e se abster a disputa efetiva pela direção da classe, o que se dá necessariamente por dentro da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Outro erro passa por considerar a destituição de Dilma como um golpe, ainda que este processo tenha sido um processo de reorganização dos grupos econômicos no controle do Estado com vistas a aprofundar os ataques contra a classe trabalhadora. Por fim, na medida em que a chapa 1 é a atual gestão do Andes-SN, cabe destacar que foi conivente com a forma de negociação do reajuste dos servidores públicos federais, sem organizar a categoria na base e optando pela negociação de gabinete.

Na chapa 2, Andes-SN classista e de luta, se organizam alguns setores dissidentes do atual grupo dirigente do Andes, além do PSTU e outros agrupamentos sectários. Conforme relatado por uma das articuladoras da chapa, a ausência de unidade com a chapa 1 se deve a divergências sobre a ocupação de cargos e o veto à composição com grupos sectários que pouco contribuem com a luta da categoria. No campo da política geral, semeia ilusões em relação ao governo Lula, ao afirmar que “ao movimento sindical cabe fortalecer a unidade e se mobilizar nas ruas para combater a agenda burguesa e pressionar para que governo atenda as pautas da classe trabalhadora”. Por outro lado, no plano sindical, ainda que não defenda abertamente o retorno à Conlutas, a chapa 2 reivindica a continuidade de uma “concepção de organização” que seja “sindical e popular”, ou seja, que remete à central que o Andes-SN corretamente se desfiliou.

Por fim, concorre a chapa 3, Renova Andes, reunindo diferentes setores do PT e tendo o apoio de influentes intelectuais, como Marilena Chauí, Gaudêncio Frigotto, Emir Sader, Marcio Pochmann, entre outros. No geral, a chapa propõe a colaboração com o governo, diante do qual se vê a categoria “vivendo cotidianamente os desafios da reconstrução nacional, depois de anos de destruição”. Nesse sentido, na linha de renovação da entidade, fala da necessidade de “reconstruí-lo em defesa da nossa categoria e da nossa democracia”. Chama a atenção também que a chapa é a única que não defende abertamente a revogação da Emenda Constitucional nº 95, do teto de gastos.

Uma das críticas da chapa 3 passa pela postura do Andes-SN de independência e enfrentamento em relação aos governos Lula e Dilma. Não custa lembrar que, durante esses governos, setores ligados ao PT impulsionaram a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes), um fórum sindical que visava enfraquecer o Andes-SN, chegando ao ponto de assinar acordos com o governo em campanhas salariais da categoria, contrariando deliberações da base do Andes-SN. O Andes-SN teve que enfrentar durante anos política e mesmo juridicamente seu papel de legítimo representante da categoria. Com a queda do governo petista, o próprio Proifes viu sua razão de existir enfraquecida e parte dos setores que o construíam voltaram a querer disputar o Andes-SN, depois de anos sequer inscrevendo chapas na eleição da entidade. Portanto, ainda que a chapa 3 reúna entre seus membros e apoiadores valorosos lutadores, representa o atrelamento do Andes-SN ao governo Lula e a legitimação das ações divisionistas empreendidas pelo Proifes.

Pelo exposto, fica evidente que a chapa 1 reúne as melhores condições para manter o Andes-SN como uma entidade combativa e independente do governo. Contudo, depois de anos isolada no gueto da Conlutas, o Andes-SN precisa voltar a construir uma unidade ativa com outros sindicatos, de dentro e de fora do serviço público, o que passa pelo debate pelo possível retorno à CUT. Na chapa 2 estão os setores que defendem que o Andes-SN permaneça alheio à luta de classes e, na chapa 3, quem se alinha ao apoio acrítico ao governo Lula-Alckmin e à burocracia que dirige a CUT.

Portanto, o voto na chapa 1 significa, por um lado, a defesa da frente única como forma de organizar os trabalhadores no combate aos ataques da burguesia e, por outro, a perspectiva de independência frente ao governo Lula-Alckmin. Isso se evidencia também quando a chapa 1 afirma que “é central defender os nossos direitos e atuar em unidade com os setores classistas, fortalecendo a autonomia do movimento sindical e recompondo a unidade de ação das entidades em defesa da educação pública, da ciência e da cultura”. No entanto, o voto na chapa 1 precisa ter o conteúdo de balanço crítico dos erros cometidos pela direção do Andes-SN que, apesar da combatividade em diversas greves e mobilizações, também manteve a postura sectária em relação ao conjunto da classe em seus anos de aventura isolacionista no interior da Conlutas.